domingo, 1 de dezembro de 2019

PARASITE - um filme de BONG JOON HO (Parasita)


de Alfredo Rollo.

Parasita, do ponto de vista da biologia, significa um organismo que se associa a outros para deles obter alimento ou algo que garanta a ele a sobrevivência, causando, na maior parte das vezes, grandes danos aos hospedeiros. Parasitismo é o nome dado a essa relação. Carrapatos, pulgas, vermes, e outros seres, são largamente conhecidos por suas características parasitárias.

Ocorre que o termo passou a ser empregado pelos seres humanos, para designar o indivíduo ou grupo que se aproveita de outras pessoas para explorar, abusar, manipular e viver às custas de suas riquezas e esforços. E é exatamente isso que o filme de Bong Joon Ho, cineasta coreano, tenta explicitar no filme, cujo nome, Parasita, retrata uma família em situação de grande precariedade, morando nos porões de um bairro pobre, atravessando um momento de extrema dificuldade financeira.
O filme começa com essa família praticamente sem recursos, que perde o sinal de wi-fi “parasitado” de outro lugar próximo de onde moram. Com isso, pode-se perceber o quanto o contato com o mundo virtual anestesia ou mesmo suprime a percepção do mundo que os rodeia, escape de uma realidade dolorida e portanto, desagradável e indesejada. Freud nos contava que as experiências incômodas e de ordem traumática, habitam os porões do inconsciente, sendo reveladas ou revividas através do que ele chamou de “o retorno do recalcado”. Este retorno se dá pelos chistes, sonhos, lapsos e atos falhos e também pela fantasia.
Não fica claro o histórico psíquico da família que aparece no início do filme, mas pode-se inferir que as ferramentas psíquicas utilizadas para lidar com os conflitos sociais, estão a serviço do trauma, uma vez que a repetição de posturas e soluções para lidar com a pobreza, passeiam pelos chistes e fantasias.
Mas quando o filho de Ki-taek recebe um convite para dar aulas de inglês a uma moça de uma família rica, todo um rol de estratégias de infiltração, falsificação e parasitismo social são utilizadas pelos familiares de Ki-taek, com o intuito de explorar a boa fé dos ricos contratantes. A partir dessa premissa, o embuste, a mentira, a perversidade tornam-se elementos necessários para efetivar o plano parasitário. À medida que o processo de simbiose vai acontecendo, as famílias vão perigosamente se aproximando e segredos terríveis são revelados, culminando num desfecho trágico e violento.
Parasita é um filme que joga na nossa cara a falência das classes sociais, a tragédia da vida cotidiana e a psique absolutamente comprometida a qual estamos à mercê. Metáfora do inconsciente e de suas vicissitudes, o roteiro prende e não solta nunca mais. Sem dúvida há uma exacerbação desta metáfora, retratada pelos porões e segredos entre as famílias, que resultam na expressão da pulsão de agressividade, elevada ao seu grau extremo, que rompe todas as barreiras egóicas e triunfa tragicamente, como uma advertência da insolubilidade a qual estamos mergulhados no momento social e político atuais.
Após um dramático final, a redenção dos personagens demonstra uma tentativa de reordenar e deslocar as pulsões que ainda restam. Diante de uma grande descarga de tendências psicopáticas que se materializaram, o gozo se transforma em poesia e o caminho para uma improvável sublimação se desenha a partir da figura totêmica do pai.
Embora traga o parasitismo como um mecanismo usado pelas classes sociais, como se fossem as responsáveis diretas deste fenômeno, o filme destaca nas entrelinhas, o verdadeiro e cruel parasita de nossos tempos, não como um indivíduo, mas como um sistema: o capitalismo e suas diversas expressões parasitárias, entre elas o neoliberalismo.
Apresentando situações completamente absurdas, mas ao mesmo tempo, perfeitamente plausíveis, Parasita, ao meu ver, fecha o ciclo de filmes que escancaram as chagas sociais e psicológicas da sociedade atual, iniciado com Bacurau e seguido por Coringa.
Necessário.

Alfredo Rollo é psicanalista - www.asrpsi.com.br
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