de
Alfredo Rollo.
Parasita,
do ponto de vista da biologia, significa um organismo que se associa
a outros para deles obter alimento ou algo que garanta a ele a
sobrevivência, causando, na maior parte das vezes, grandes danos aos
hospedeiros. Parasitismo é o nome dado a essa relação. Carrapatos,
pulgas, vermes, e outros seres, são largamente conhecidos por suas
características parasitárias.
Ocorre
que o termo passou a ser empregado pelos seres humanos, para designar
o indivíduo ou grupo que se aproveita de outras pessoas para
explorar, abusar, manipular e viver às custas de suas riquezas e
esforços. E é exatamente isso que o filme de Bong Joon Ho, cineasta
coreano, tenta explicitar no filme, cujo nome, Parasita, retrata uma
família em situação de grande precariedade, morando nos porões de
um bairro pobre, atravessando um momento de extrema dificuldade
financeira.
O
filme começa com essa família praticamente sem recursos, que perde
o sinal de wi-fi “parasitado” de outro lugar próximo de onde
moram. Com isso, pode-se perceber o quanto o contato com o mundo
virtual anestesia ou mesmo suprime a percepção do mundo que os
rodeia, escape de uma realidade dolorida e portanto, desagradável e
indesejada. Freud nos contava que as experiências incômodas e de
ordem traumática, habitam os porões do inconsciente, sendo
reveladas ou revividas através do que ele chamou de “o retorno do
recalcado”. Este retorno se dá pelos chistes, sonhos, lapsos e
atos falhos e também pela fantasia.
Não
fica claro o histórico psíquico da família que aparece no início
do filme, mas pode-se inferir que as ferramentas psíquicas
utilizadas para lidar com os conflitos sociais, estão a serviço do
trauma, uma vez que a repetição de posturas e soluções para lidar
com a pobreza, passeiam pelos chistes e fantasias.
Mas
quando o filho de Ki-taek recebe um convite para dar aulas de inglês
a uma moça de uma família rica, todo um rol
de estratégias de infiltração, falsificação e parasitismo social
são utilizadas pelos familiares de Ki-taek, com o intuito de
explorar a boa fé dos ricos contratantes. A partir dessa premissa, o
embuste, a mentira, a perversidade tornam-se elementos necessários
para efetivar o plano parasitário. À medida que o processo de
simbiose vai acontecendo, as famílias vão perigosamente se
aproximando e segredos terríveis são revelados, culminando num
desfecho trágico e violento.
Parasita
é um filme que joga na nossa cara a falência das classes sociais, a
tragédia da vida cotidiana e a psique absolutamente comprometida a
qual estamos à mercê. Metáfora do inconsciente e de suas vicissitudes,
o roteiro prende e não solta nunca mais. Sem dúvida há uma
exacerbação desta metáfora, retratada pelos porões e segredos
entre as famílias, que resultam na expressão da pulsão de
agressividade, elevada ao seu grau extremo, que rompe todas as
barreiras egóicas e triunfa tragicamente, como uma advertência da
insolubilidade a qual estamos mergulhados no momento social e
político atuais.
Após
um dramático final, a redenção dos personagens demonstra uma
tentativa de reordenar e deslocar as pulsões que ainda restam.
Diante de uma grande descarga de tendências psicopáticas que se
materializaram, o gozo se transforma em poesia e o caminho para uma
improvável sublimação se desenha a partir da figura totêmica do
pai.
Embora
traga o parasitismo como um mecanismo usado pelas classes sociais,
como se fossem as responsáveis diretas deste fenômeno, o filme
destaca nas entrelinhas, o verdadeiro e cruel parasita de nossos
tempos, não como um indivíduo, mas como um sistema: o capitalismo e
suas diversas expressões parasitárias, entre elas o neoliberalismo.
Apresentando
situações completamente absurdas, mas ao mesmo tempo, perfeitamente
plausíveis, Parasita, ao meu ver, fecha o ciclo de filmes que
escancaram as chagas sociais e psicológicas da sociedade atual,
iniciado com Bacurau e seguido por Coringa.
Necessário.
Alfredo
Rollo é psicanalista - www.asrpsi.com.br
TRAILER
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