sábado, 27 de agosto de 2011

A velha casa

por Orlando Brunetti Jr


Reformar sozinho
a sua velha casa
é como mergulhar
nas entranhas mais profundas
do seu passado e de suas vivências.
Cada cor que surge na parede raspada
é uma fase de sua vida que passou.
Ali estão as cores da sua vida,
um roxo, um rosa, um verde.
Todas ainda sobrevivem lá no fundo,
mas há de vir uma nova cor,
um novo tom,
uma nova esperança.

Orlando Brunetti Junior é formado em Letras, mestrado em Literatura Portuguesa, Professor, Marchand, Crítico de Arte e …Poeta.   site http://www.yessy.com/brunetti

sábado, 20 de agosto de 2011

O Outro Lado

por Rodolfo Coelho


Rua Augusta das
minhas depressões
das minhas fugas
dos meus tropeços
das minhas quedas
dos meus enganos
dos meus destinos
e desatinos
das noites perdidas
em lugares lúgubres
dos desejos insatisfeitos
dos drinks de pólvora
das madrugadas insones
dos sonhos desfalecidos
das fantasias crescidas.

Rodolfo Coelho, poeta urbano, é autor de seis livros:
RuAugusta com Creme – O Lobo Mau da Rua Augusta  -
Táxi e Outros Poemas Inéditos – Salada Paulista - ]gnição – Poesia 100 Filtro

sábado, 6 de agosto de 2011

Le Hérisson - O Ouriço

por Carmen Heldt D’Almeida
filme adaptado do livro "A elegância do ouriço"


A história acontece em um prédio em Sainte Germain, bairro em Paris, e duas moradoras constroem a trama: a zeladora intelectual que esconde grande lucidez, fã de literatura russa e cinema japonês, e a garota sagaz de 12 anos que, também apaixonada pela cultura japonesa, transita entre os versos de Bashô e os mangás de Taniguchi e angustia-se por não encontrar um sentido para a vida: “as pessoas crêem perseguir as estrelas e acabam como peixe-vermelho no aquário (…)”. Atemorizada com esta perspectiva ela resolve se matar, antes de perder sua sensibilidade.

Entre idas e vindas entrelaçadas com a beleza do wabi, hokkos e tankas que se traduzem em poemas, sutilezas e apreciação de imperfeições… onde o que conta é o que escapa, é o que está nas entrelinhas do cotidiano de cada um… A história vai se desnudando com “pensamentos profundos” e “movimentos do mundo" apontando para um sempre no nunca.

Qual o lugar da psicanálise num contexto onde a procura dos sentidos se faz presente? Abrir-se a outros gozos não sofredores nem parasitários? Gozo da vida? Do saber produzir? Gozo de ser? Tarefa analisante! Para isso trabalha sem magia e sem religião a psicanálise. De um a um e uma entre outras, sem se ter soluções gerais, e por isso há que se retirar de toda a presunção de generalizações.

Vamos oferecer o gozo que acredita perdido? Fácil, breve e com alegria? “Antidepressivo, champanhe e análise(…)” Estão no mesmo lugar? Como diria Chico Buarque “ O que será, que será que me queima por dentro sera que me dá?” … A questão é por que se anestesiar?

O horizonte terapêutico aponta diretamente para o saber (que deveria saber a maneira de resolver o gozo perdido!). Lacan vai nos dizer: necessitamos de mais uma volta “sei que sabe que sei que sabe”. Esse é o truque! Sem definir alvos. Fale! Escutamos os pontos em que se quebra, nas vacilações, nos erros… Fale! De maneira à crítica.
A fenomenologia me escapa e isso é insuportável,” diz a zeladora.

Renée autodidata, começa a duvidar de seu próprio saber “como toda a autodidata, não tenho a certeza de que aprendi e por isso fico parecendo uma velha louca que acredita que está de barriga cheia só porque leu atentamente o cardápio”.

Análise, lugar da confrontação com nossos limites? Lei da castração! A função não é de aconselhamento ou avaliações e sim o encontro desse sujeito com o real, o acolhimento e a compreensão da imperfeição, já que as visões opostas do mundo, como o bem e o mal, o bonito e o feio, o sagrado e o profano são uma constante afirmação da vida.

“No xadrez tem que se matar para ganhar. No go tem que se construir para viver”, diz a garota.

Paloma ao esperar pela morte, tenta capturar instantes de beleza e aproxima-se cada vez mais de Renée. Com olhos para ver e ouvidos para ouvir, as duas vão re-viver com um misterioso japonês um incrível e inesperado wabi (uma forma apagada do belo com suas imperfeições).

A função do analista? Um Outro consistente? Que não tem buracos, que está num nível aparentemente da perfeição? A aposta aqui é outra: alvo do analista é ser esburacado por seu analisante. Isto é, o Outro descompletado, não é perfeito e nem tem todos os poderes!

A chegada do japonês Ozu vai modificar a existência das duas moradoras. Embora Renée desde o início, estivesse apontando dicas que poderiam levar à descobertas outras… Ozu “escuta” o que ela diz e reconhece a citação da frase inicial de Ana Karenina ( Tolstoi): “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes, são infelizes cada uma a sua maneira (…)” Escutá-la foi a chave para desnudar o ouriço em que Renée se disfarçava…

Paloma faz essa imagem da zeladora sem saber que está descrevendo a si mesma: “A Sra Michel tem a elegância de um ouriço: por fora é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplismente requintada quanto os ouriços que são uns bichinhos falsamente indolentes, felozmente solitátios e terrívelmente elegantes”.
O que ganhamos? Passar de uma miséria neurótica para a infelicidade comum… Lacan vai dizer: “confrontamo-nos com a dor de existir e saber-fazer-ali-com”, ou seja, com os elementos com os quais construiu os sintomas fazer outra coisa. Cai um ideal, no sentido de que não está mais o ou faço tudo, coisas grandiosas, gozo absoluto ou faço coisa nenhuma.

“Perseguem as estrelas
No aquário de peixes-vermelho
Acabar” (Paloma).

“É preciso amar a vida mais que o sentido da vida!” (Renée citando Dostoiésvski)

“ Precisamos desesperadamente da arte. Aspiramos ardentemente retomar nossa ilusão espiritual. Desejamos apaixonadamente que algo nos salve dos destinos biológicos para que toda a poesia e toda grandeza não sejam excluídas deste mundo” (Renée).

Não é a toa que Freud valeu-se inúmeras vezes dos recursos da Arte, da literatura, da mitologia, da filosofia e de muitos outras campos da Criação para explicar suas hipóteses. É como se encontrasse neles recursos para mostrar a dimensão do indizível, do que escapa, do que escapa à possibilidade de ser abordado pelo universo da lógica da consciência.
Ozu, com sua elegância e requinte wabi aproxima os dois ouriços que começam a perder seus espinhos…

Paloma, confrontada com a morte, consegue apreender um sentido possível para a vida. Há esperança na Criação, há que descobrir um sempre no nunca.

“O importante não é morrer nem em que idade se morre. É o que se está fazendo no momento em que se morre (…) por você Renée, perseguirei os sempre no nunca”. Algo de novo surge a partir daí, o que não é pouca coisa. Afinal, o peixe vermelho não se acaba. Será este movimento uma transmissão, e aí uma transmissão inventada, uma Criação?

“Que fazer
Diante do nunca
Senão procurar
Sempre
Em algumas notas frutivas” (Paloma).

The Hedgehog / Le Hérisson (2005 ) - Trailer

Carmen Heldt D'Almeida é Psicanalista e membro de umLugar - Rede Clínica de Psicanálise

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Metrópolis

de Rodolfo Coelho



Entrei no Metrópolis sem boné,
É o preço do sacrifício.
Onde está meu desejo?
Desejo de quê?
Ele escapuliu,
Não sei aonde...
São tantos desejos,
Tantos quereres,
Tanta afobação
Bagdá em sonho,
Ou pesadelo?
No telão
Eric Clapton
O que fazer?
Noites, noitares,
Metrópolis,
Uma tarde perdida numa quitenete.
O dia era sábado,
O desejo opaco
As ações incendiáveis,
O querer duvidoso,
Eu quero é uma Belle Femme peituda,
Para matar o tédio.

Rodolfo Coelho, poeta urbano, é autor de seis livros:
RuAugusta com Creme – O Lobo Mau da Rua Augusta  -
Táxi e Outros Poemas Inéditos – Salada Paulista - ]gnição – Poesia 100 Filtro