de Isloany Machado
**Alerta
de spoiler**
Quantas
pessoas precisaram me dizer para assistir esse filme antes que eu
pudesse fazê-lo? Em uma escolha (quase) ao acaso, Que horas ela
volta? me fez chorar.
Em
essência, o filme diz sobre o não-lugar, o não-pertencer, conta
sobre as diferenças estabelecidas entre as classes sociais. Regina
Casé (sim, aquela do Esquenta!) faz a personagem principal, uma
empregada doméstica que deixou o nordeste e foi para São Paulo
ganhar a vida, trabalhar para sustentar a filha de dez anos que
deixou por lá, sob os cuidados de outra pessoa. Mora num quartinho
na casa dos patrões, faz trabalhos domésticos e cuida de Fabinho,
da mesma idade de sua filha.
Empregada
não come à mesa junto com os patrões, não usa a piscina, mesmo
sendo "quase da família", como diz Dona Bárbara, a
patroa. A paz de todos é abalada quando Jéssica, a filha da
empregada, decide ir para São Paulo para prestar o vestibular de
arquitetura na FAU-USP. O que a mãe tem de subserviente, a filha tem
de corajosa, dedicada e estudiosa. Além disso, Jéssica não se
coloca em momento algum como inferior às pessoas da casa, o que faz
com que sua mãe a tome por "sem-noção", abusada. Ela
conversa com os patrões de sua mãe em pé de igualdade, fala de
arte e arquitetura. Questiona a subserviência da mãe, se exaspera
quando descobre que ela nunca entrou na piscina.
A
patroa, Bárbara, passa a não suportar sua presença, e o ápice do
mal-estar é representado pelo pedido dela de que a piscina fosse
esvaziada após Jéssica ter entrado junto com seu filho, o Fabinho,
com a desculpa de que "um rato" havia sido encontrado. É,
sim, para os burgueses é melhor uma piscina vazia do que "cheia
de ratos". Jéssica vai embora depois que a patroa da mãe
proíbe sua livre circulação pela casa. Até que consigam um lugar
para morar juntas, Val permanece na casa dos patrões. Jéssica passa
na primeira fase do vestibular, Fabinho não. Pela primeira vez,
tomada de alegria e orgulho da filha, Val entra na piscina (cuja água
está pelo joelho), num ato de insubordinação, e liga para a moça,
dizendo de seu orgulho. A cena é tão linda que me fez chorar.
Para
além de uma crítica social das diferenças de classes, o que mais
me tocou foi o deslocamento das maternidades. Val deixa a filha
pequena no nordeste, nas mãos de outra pessoa. Bárbara, a patroa
sempre ausente, deixa Fabinho nas mãos de Val e ambos estabelecem de
fato uma relação mãe-filho. Val somente consegue se desvincular
dele e de seu emprego quando, fracassado no vestibular, Fabinho vai
para um intercâmbio na Austrália. Ao mesmo tempo, descobre que
Jéssica tem também um filho que deixou no nordeste (haja
repetição), Jorge (elas não se falavam há mais de três anos, por
isso não sabia). Assim, Val, que só pôde ser mãe de Fabinho, ou
seria seu Falinho(?), o substitui por Jorge, o neto. Não são
abandonos maternos, mas deslocamentos.
O
que me doeu pessoalmente foi a impossibilidade dessa mulher em ser
mãe da menina, mas isso é problema meu (haja divã). Que horas ela
volta? Talvez não volte porque não possa, talvez porque não
queira. O desejo sempre está em outro lugar.
Isloany
Machado, 12.02.2019
Isloany Machado é psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Dispensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros “Costurando Palavras: contos e crônicas” (2012), “Em defesa dos avessos humanos” e do romance “Nau dos amoucos” (2017). Mãe do Adriano.
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Um comentário:
Muito bom texto. esse filme é um prato cheio para a psicanalise atual, pensando na ascenção das classes e no quão incomodo isso pode ser a alguns. a historia da repetição me marcou também. a filha me pareceu alguém alheio a esse coluio de não-lugar da mãe, chegou querendo usar a piscina, questionando tudo e rompendo com aquelas relações de lugares tão rigidos, isso causou mal-estar e muitos sentimentos vieram a tona. Vale a pena ver e rever!
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