quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Divã

por Henrique Senhorini

Cena inicial mostra Mercedes apreciando (e fantasiando) a abertura de uma exposição de artes plásticas - pinturas - mas, do lado de fora.
Um indício do desejo?
Vai a procura de um psicanalista por causa de um incomodo. Um incomodo que ela não sabe descrever, distinguir, nomear.
A partir da aí, dá para perceber que tem uma intenção para que o filme se desenvolva seguindo um modelo de uma experiência analítica.......
Os tempos operativos - não cronológicos, mas lógicos de Lacan - de uma psicanálise:
-instante de ver
-tempo de compreender
-momento de concluir
O interessante e legal do filme é que podemos identificá-los no desenrolar da película...E tendo esse modelo como baliza, o filme segue.
Primeiro, as entrevistas preliminares com enfase na regra fundamental....”fale o que lhe vier a mente”...A metáfora da laranja inteira...da ilusão de completude... Ela inicia uma fase mais reflexiva, introspectiva.... e faz a passagem para o divã, que funda, inaugura o processo realmente dito de análise..
Mercedes aprende que é ela que tem que se questionar para elaborar e é isso mesmo.... o paciente entra para a sessão perguntando e sai se questionando. Aponta para o seu casamento como o responsável pelo seu mal-estar. Tem desejos....tem demandas amorosas....pedidos de reconhecimento que se apresentam como apelos de necessidade. Precisa se sentir amada, notada, desejada sexualmente. Como na canção: "desejo, necessidade, vontade.." Coisas distintas que se confundem, se misturam.
Se reconhece como humana passível de falhas....autoritária, péssima na cozinha, etc....
Durante o processo, o recalcado dá sinais que nunca havia morrido, que nunca morre...a masturbação de Mercedes é um dos seus tubos vitais... o Imaginário dá o ar da graça na realização do desejo. Dá permissão para que esses desejos comecem a circular fora do limites da imaginação.
Descobre através do affair que “o pulso ainda pulsa”...
Com o fim desse affair, mais luto, mais incomodo. Mas, provavelmente provocado não tanto pela perda do dito cujo em si, mas, pela perda da sensação de estar viva.
Decide fazer uma aposta na escolha que lhe parece ser a mais divertida, prazerosa, mais viva....mais próxima do que acredita ser o seu desejo.
Aproveita o extra-caso do esposo para compor - re-compor a força em sua decisão.
Ela não acusa mais os outros por suas crises de infelicidade. Assume as responsabilidades de seus atos, de suas escolhas. E re-afirma sua aposta depositando mais fichas, pois agora tem a sensação de estar com um jogo melhor nas mãos, ou melhor, nos pés - no chão....
Não espera nada mais que sexo e diversão e balada....bem ao ritmo dos Titãs....”diversão é solução sim, diversão é solução para mim”. Atuações?
Mas, para além dos casos e dos previstos, os acasos e imprevistos se mostram com a imprevisível morte pré-vista da amiga.
A finitude mostra sua cara.
É hora do Luto com ELE maiúsculo. É hora das re-significações em sua história (um exemplo é o do marido que passa de um vestidinho qualquer para um Armani) e re-orientações do desejo...Aproximá-o da realidade, do princípio da realidade. Um trabalho de alinhamento e redirecionamento, pois a falta não será preenchida... Percebe que a nossa laranja não tem tampa, ou não tem fundo, ou não tem miolo.
Aprender a viver e bem com ela – a falta - torna-se a sua bússola...”cada um tem que lidar com suas irrealizações”.
A vida é falta de definições”, conclui. E fazendo uso desse mote como guia, permite a entrada do ar-da-graça em sua vida. Instante de ver, tempo de compreender, momento de concluir.
Vernissage !!
Diferente da cena inicial, agora é a vernissage da Mercedes. Realização do desejo?
Fim de análise?  Fim do filme.

Interessante pensar que “vernissage”... pode se traduzir como... passar verniz, envernizar. Lembrando que o verniz dá brilho e, ao mesmo tempo, protege.

RECALQUE – ...um processo psíquico, uma operação – mtas vezes citada por Freud como um mecanismo de defesa – no qual o sujeito procura repelir, ou manter no inconsciente, representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão.

RETORNO DO RECALCADO – ocorrências de acontecimentos atuais que evoquem o material recalcado.
(Fonte rápida: Laplanche e Pontalis)

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