domingo, 2 de novembro de 2014

Garota Exemplar (?)

de Fernanda de Barros Miranda

Não é exagero eu dizer, que desde o maravilhoso longa de Almodovar: "A pele que habito", um filme não me deixa tão pensativa, tão angustiada, e por que não dizer com tanto medo.

"Garota Exemplar, adaptação do livro de Gillian Flynn, que por sinal é roteirista do filme, traz o suspense e as manobras que os fãs de David Fincher já estão acostumados a ver em série como "house of cards", ou grandes sucessos de bilheteria como a trilogia "Millenium", ou "O curioso caso de Benjamin Button".

Amy Dunne interpretada pela linda Rosamund Pike, é a filha, esposa, e personagem exemplar... No dia de suas bodas com o marido Nick (Ben Affleck), ela desaparece deixando-o como principal suspeito, ao mesmo tempo que ele se angustia por seu paradeiro.
Às voltas com o "crime", que parece ser o foco central do filme, vai desenrolando o que pra mim é o cerne do enredo em si. Ser exemplar, remete-se a pergunta, exemplar pra quem? E isso nos faz pensar numa posição sedimentada pelos ideais paternos, ideais da cultura e da sociedade.
Até aí nenhuma grande novidade, vários filmes (até os mais charlatões de Woody Allen) já trataram do assunto, mas o ousado olhar desse longa é o que está por detrás de tanto "exemplo", o que fica recalcado, negado, ignorado por quem busca ser exemplar e quão assustador e perigoso pode ser quando tudo isso vem a tona de uma pessoa que não conseguiu escapar desse aniquilador ideal.

Ser exemplar, é a representação da mais pura recusa à castração. No caso de Amy, ela se mostra um indivíduo (porque talvez seja impossível se referir a um sujeito) tão perfeito e completo, que é incapaz de aceitar as frustrações e decepções causadas por perda de emprego/ dinheiro, o fim de um casamento que parecia ser perfeito aos olhos da sociedade, e de uma vida simples e suburbana longe de Nova Iorque.

Nos faz pensar que "tentar", (e digo tentar porque a meta é inatingível ) corresponder a esses ideais paternos, é antes de mais nada a impossibilidade de se tornar sujeito de si mesmo. A saída é a psico ou sociopatia, e esse estado se faz assim tão atormentador, tão assustador.
O psicopata tem em si plena capacidade de convívio social, mostrando-se cortez, simpático, amabile... Tudo faz parte de uma enorme edificação psicológica para seu grande e perverso projeto.
A mentira é das armas mais venenosas que esse tipo de pessoas faz uso, e o que estão em volta, se uma vez dentro dessa mentira, dificilmente sairá dela. É um espiral concomitante de medo, raiva, aprisionamento, que vai fazendo aos tubos vítimas fatais.

"Garota exemplar" é o lado sombrio de cada um de nós, e por que não seria de quem está aí nesse momento, bem ao seu lado?
A nós pobres mortais, a sorte de não sermos tão exemplares assim.

Trailer do filme

Fernanda de Barros Miranda é Educadora física, Naturopata e Psicanalista. Membro da rede de atendimento do Centro de Estudos Psicanalíticos - CEP. 

Um comentário:

Maria Luiza Rostirolla Lakus disse...

... o indizível ilimitado que "vem depressa"... e dilacera aniquila pra permanecer.