domingo, 9 de dezembro de 2012

A Árvore da Vida ou A Árvore do Pai?

de Henrique Senhorini
Bem que este filme poderia se chamar de acordo com esta segunda opção: A Árvore do Pai. E vou ficar nesse recorte que escolhi, a relação pai e filho apresentada nesta película, para tentar dizer algo sobre.

Mas, de que pai estamos falando ? Do pai biológico, do pai da nossa realidade compartilhada, do pai Imaginário? Daquele pai que faz a função paterna? Ou daquele que faz a suplência? De um dos avatares do Nome-do-Pai ? Ou do pai Simbólico, aquele que se faz presente no discurso da mãe? Trata-se do pai vivo ou do pai morto ? Este último é mais forte que o primeiro ? Ou podemos até pensar que se trata de Deus, o Pai de todos nós, o Pai que poderia estar no campo do Real, este último pensando com o auxílio da Françoise Dolto ?
Pois bem, assim como nós, neuróticos “normais(?)”, circulamos no entorno desse ponto de ancoragem – Nome-do-Pai - o filme também se desenvolve em torno desse significante, ou melhor, desses significantes pois, de acordo com Lacan - segundo Joël Dor, "os significantes Nome-do-Pai são múltiplos" e só se torna um significante primordial na medida em que, num dado momento, vem ocupar um lugar de destaque. Isso me faz supor, bem provável, que este filme fora feito por um, no mínimo, neurótico “normal”, também. Entretanto, é bom ressaltar que não é da minha prática analisar o autor através de sua obra e sim analisar a obra do autor.

E o filme trás bem isso, a relação de um pai (O'Brien - Brad Pitt) com seu primogênito (Jack - Sean Pean). Esse pai que se mostra forte, talvez por repetir o modelo de seu próprio pai ou pela formação militar rígida que recebera passando por uma guerra e sobrevivido ou ainda por ambas? E ele passou por mais do que isso, pois sua guerra foi a Segunda Grande Guerra Mundial, onde os homens foram testados até seus limites como o Jó da Bíblia, cujos provérbios são mencionados no início do filme. E, apesar de tudo, conseguiu se inserir no “american way of life”. Será que, por conta de sua história, O´Brien supôs ter a verdade? Eu sei o que é melhor para você !!! Sabia mesmo? A propósito, alguém sabe o que é melhor para o outro ???

Por outro lado, será que esse modelo adotado pelo pai, um misto de sargento do exército com Deus, significava falta de amor para com seus rebentos ? Ou simplesmente achou que era o melhor que poderia oferecer para se tornarem um “vencedor” como ele? No mínimo, era assim que ele se apresentava, isso quando não se travestia de senhor Deus do universo, do seu universo familiar.
E assim procedeu criando seus filhos, que começaram a enxergá-lo como um ser supremo, primeiro amando-o para em seguida temê-lo, o que estaria de acordo com o discurso de algumas religiões.

Jack tentava fazer a sua parte, se esforçando ao máximo para agradar esse pai insaciável no quesito perfeição.
Deus - o verdadeiro? - era testemunha do esforço de Jack em querer ser um bom filho aos olhos desse pai, de querer ampliar sua tolerância, suas limitações humanas, pois recebia suas preces pedindo-lhe mais paciência e resignação.
Apesar disso, por mais que tentasse, seu pai não reconhecia seu valor. Este exigia mais e mais e mais perfeição. Não sei qual perfeição O'Brein pretendia que seu primogênito alcançasse, pois ele próprio - apesar de esconder isto da família e, quiçá, muitas vezes de si mesmo - sabia que, assim como qualquer outro mortal, era imperfeito, era incompleto.
Como no carteado que frequentava, estaria esse pai apoiando-se numa cosmovisão e nela apostando todas suas fichas? Seria cosmovisão científica ou cosmovisão religiosa ou conforme a música ele escolhia a que melhor dançasse?
Estaria ele com um Royal Street Flash nas mãos ou com um simples parzinho mínimo? Tratava-se de um blefe?

Em 1936 sai publicado a 35ª Conferência, na qual Freud aborda o tema “Westalnschauung” (mais conhecido entre nós como Cosmovisão) e diz: “entendo, então, que uma cosmovisão é uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de nossa existência, uniformemente, com base em uma hipótese superior dominante, a qual, por conseguinte, não deixa nenhuma pergunta sem resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo.” e mais, “...acreditando-se nela, pode-se sentir segurança na vida, pode-se saber o que se procura alcançar e como se pode lidar com as emoções e interesses próprios da maneira mais apropriada.”.
Freud fala também sobre as diferentes visões do cosmo, a científica e a religiosa, e por se posicionar como um homem das ciências - que era - alinha sua criação, a Psicanálise, com a cosmovisão científica, mas sem se esquecer de apontar as dificuldades em situá-la junto com as outras ciências positivistas, justamente por conta dos inúmeros pontos divergentes, provavelmente a começar pelo principal, o Inconsciente.

Mas, retornando ao filme, percebemos - na medida que o primogênito crescia, crescia também a rigidez de O'Brien, a disputa do amor da mãe, a rivalidade fálica diante dessa mãe, o peso do poder fálico paterno que mantinha todos na sua ordem, todos sob seu jugo - que o amor de Jack por seu pai começava se dissipar. Pior que isso.

Ah, tem na cena do almoço um quase “closer” no prato de comida com porções que não se misturam (cliché)... seriam indícios de uma neurose obsessiva que o diretor quis passar?

Pois bem, novamente voltando.... a sujeição que esse poderoso pai exigia era tão violenta que o amor de outrora, ou o que restava deste, foi - como numa metamorfose - se transformando em puro ódio. Alguns dizem que é o outro lado da mesma moeda, será mesmo?
Ódio esse que não ficou restrito ao pai, mas se espalhou atingindo os outros, os amiguinhos, os vizinhos, os animais, enfim a sociedade, o mundo (Ah... também dizem que a família é a célula mater da sociedade) e acabou atingindo até a própria mãe.
Será porque esta aceitava o poder opressor do pai sem contestação, sem proteger seus filhos desse algoz? Aliás, ela se subjugava a qualquer demonstração de poder fálico advindo do Outro. Vocês lembram da cena na cidade, a da policia humilhando seus detentos? Falando nisso, perceberam como Jack se identificava com os oprimidos? O detento, o menino que sofrera queimaduras...

Eu queria ficar restrito ao recorte pai-filho, mas não consigo me conter: quando olho essa mãe não dá para não pensar numa forma de masoquismo, num masoquismo moral, ou dá???

E vem também a perda do amigo (que morre afogado) contribuir no aumento de sua raiva, de sua indignação. 
Aqui cabe mencionar uma frase de Freud naquela mesma conferência. Diz, mais ou menos assim, que - de acordo com a cosmovisão - as garantias de proteção e felicidade estão ligadas aos requisitos éticos e que somente os que cumprissem estes requisitos seriam recompensados e os que não cumprissem seriam punidos.
Com a morte  por  afogamento do amigo,  a verdade do pai - deus O´Brein cai de vez como ruínas para Jack. Bons e maus sofrem das mesmas vicissitudes da vida. O mundo era injusto !!! Provocação: é mesmo ???

E com o ódio transbordando sobre aquele que exercia poder soberano, assim como na horda primeva do mito científico freudiano Totem e Tabu, o parricídio seria somente uma questão de oportunidade para sua concretização. E essa hora propícia chegou com a cena do carro... que tentação (quem tenta-a-ação?) bastava soltar o macaco que sustentava o carro sobre o pai para sua vez chegar. Chegar a hora e a vez de assumir o lugar de O'Brien, de assumir o poder sobre os demais. Na sua fantasia, seria a hora de ter o falo ou de ser o falo?

Mas, caso o matasse, como ele ficaria sem esse pai ? Como ele ficaria, na sua fantasia, sem os limites impostos de forma impiedosa por esse pai? Esses limites que o barrava, porém, concomitante, o protegia principalmente de si mesmo, do seu lado obscuro?
De repente, o medo pode ter contido o assassinato do pai, visto que a cena presenciada na cidade (a da policia) provavelmente causou desdobramentos. Talvez, percebera que um Outro poderia tomar o lugar do pai, um Outro vestido de policial que não usasse a Lei simbólica do pai imaginário e sim a lei do estado que, aos seus olhos, poderia ser mais insuportável e cruel que a de O'Brien. Optou pela Lei simbólica do Pai.

Porém, logo percebeu que nem precisou matar seu pai para este morrer, pois o mesmo cometeu uma espécie de Harakiri. A morte simbólica desse pai-deus imaginário foi anunciada pelo próprio O´Brien, quando relata quão tolo havia sido, talvez por acreditar em demasia no “american way of life”, no estilo de vida americano. Até hoje alguns ainda creem nisso e ou sofrem disso ou por conta disso?

Bem, a notícia que o rei estava nu, mais a queda do bezerro de ouro, parece que suscitou em Jack uma autorização que ele poderia ultrapassar esse pai desempregado. Um fracassado na visão norte-americana. Termo esse já adotado, também, em terras tupiniquins. E assim o fez, se tornando bem sucedido – e reconhecido - naquilo em que seu pai mais se apoiava e falhou, no capital.
Jack chegou no topo, atingiu o Olimpo do capitalismo. Estava enfim no Nirvana? Porém, não conseguia sentir-se assim completo. A completude fugazmente se mostrou como alucinação, pois algo faltava.... algo sempre iria faltar. E, de repente, seu irmão morto começou a se fazer mais presente na sua ausência... De repente, Jack começou a desconfiar que escolhera, talvez, o desvio equivocado.
Tem a sensação que precisa desconstruir para poder reconstruir um novo, um diferente. Semelhante ao processo de análise, recorda, revivi e elabora. Liga para o pai, numa tentativa de reconciliação. Uma reconciliação com seu passado para modificar seu próprio futuro? Com seu pai?
Ressignificar sua história, suas lembranças parece ser sua nova aposta, uma nova escolha ? Talvez, seja necessário chegar até o ponto do desvio, ou um pouco antes, para enfim escolher outro rumo, um outro destino para sua história?

Escutei uma vez que reconhecemos um bom marinheiro naquele que passou por mares revoltos e não por mares calmos. Será ?

E, aproveitando, alguém saberia dizer, ou melhor, poderia afirmar e apontar qual o melhor caminho para o Jack seguir ? Reformulando: há alguém que possa escolher pelo outro sem tirar-lhe a competência - e a responsabilidade - de escolher por si próprio? Alguém se habilita ???

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