terça-feira, 28 de maio de 2024

Pra não dizer que não falei de Bebê Rena

de Marcelo Veras


A série traz um labirinto em que os personagens se perdem entre o desejo e o gozo. 

O desejo aparece sempre de forma errática para Donny, ele quer ser um comediante, mas fracassa sempre, ele sente atração por Teri mas sempre faz as escolhas erradas, a obsessão de Martha igualmente o divide permanentemente, como pode desejá-la se sente tanta repulsa, qual a condição de sua fantasia?

Ou seja, suas escolhas nunca são livres pois estão amarradas em um gozo que ele não consegue abandonar. Por isso o abuso sexual pelo Diretor perdura por tanto tempo, ali há uma reiteração de um gozo traumático que vem de algo muito mais precoce.

Freud muito cedo cunhou a expressão Atentado sexual. Isso ocorre no caso Emma: “Com oito anos, ela entrou por duas vezes em uma loja para comprar guloseimas e o vendedor apalpa seus órgãos genitais. Apesar do primeiro incidente, ela retornou à loja e, em seguida não mais voltou. Em seguida ela se culpava por ter voltado na loja, como se ela tivesse querido provocar um novo atentado” (Freud em uma carta à Fliess de 25 de setembro de 1895). Esse trauma deixa marcas. No caso de Emma, anos mais tarde, ela desenvolve uma inibição, marca no corpo do sujeito do primeiro atentado. O que Freud salienta é que na clínica dos sujeitos abusados na infância, escutamos sempre uma acusação do sujeito a si mesmo, a situação do abuso não coloca o outro como culpado exclusivo.

Os fracassos de Donny são no fundo uma punição por uma situação em que ele se inclui como responsável. Todos que atuam nessa clínica sabem como é difícil conseguir que o paciente perdoe a si mesmo, pois a culpabilidade quase sempre é inconsciente. Não basta punir os abusadores, também é fundamental ultrapassar essa dimensão da vergonha. Finalmente, a condição erotomaníaca de Martha não faz dela a grande vilã da série, concluímos os capítulos inclusive com uma certa benevolência ou absolvição da personagem. Enfim, se fizessem uma continuação para a série eu daria o nome de A infância de Donny.

Marcelo Veras é psicanalista, psiquiatra e professor da Especialização em Teoria Psicanalítica da UFBA, da Especialização em Psicanálise e Saúde Mental da PUC Paraná e da Especialização em Psicanálise de Orientação Lacaniana da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública.

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