domingo, 4 de fevereiro de 2018

Mãe! - de Darren Aronofsky

de Eliana Holtz

Durante o filme, foi um trajeto confesso, angustiante e um tanto indigesto. Não é um filme que se assista despretensiosamente, é recheado de simbolismos, metáforas, representações, carece um olhar mais nas entrelinhas, por isso é um filme pouco palatável, não sei ainda se gostei ou não do “prato”.

Resumidamente, mas muito resumidamente mesmo, trata-se de um casal, ele poeta famoso, que perde sua inspiração para escrever, ela sua esposa que faz de tudo para que ele encontre novamente a tal inspiração. Vivem em uma casa “nascida” no meio do nada, o que já faz uma alusão bíblica da criação, quando a Bíblia nos conta que “a terra era sem forma e vazia” lá em Gênesis, embora o filme nos ofereça interpretações dessa natureza não é sobre isso o meu engasgo.

Os personagens não têm nome, e nisso já fui pinçada, o nome é algo que nos identifica, nos diferencia nos conta a nossa própria história, é da natureza humana dar nome às coisas, o bebê nasce e logo recebe um nome, aliás ele já é assunto bem antes de nascer, é sempre alvo dos desejos de seus pais. No filme também tem um bebê, filho do poeta e de sua esposa, não havia fala sobre o bebê, nem desejos sobre ele, nem nome para ele.

Outro aspecto importante é sobre o ambiente e seus desdobramentos, tudo foi se tornando um caos permissivo, concedido, acatado, aceito. Se no nascimento de uma nova vida, não houver amparo o bastante, a morte é o destino, a física e a psíquica. Há quem, no entanto, esteja a mercê de outras forças maiores, guerras, desastres, fome, pobreza, mas ainda assim há o braço materno ali, mas o que me rasgou mais um pouco, foi perceber que há situações as quais deixamos que aconteçam, por exemplo, o desamparo emocional.

Nós somos seres capazes de edificar e destruir.

A esposa sozinha, cuidava de tudo na casa, desde os mais simples afazeres domésticos até as mais “pesadas” tarefas como as de reforma, sim, ela é quem reformava a casa do poeta, e me pareceu como uma gestação, a casa como um útero, e a esposa um grande cordão umbilical ligada ao corpo do marido, essa imagem mental foi outra coisa que me pinçou. Para ela, ele era tudo, sua existência era a existência do marido, uma devoção insana e meio psicótica. Ela sentia o pulso da casa, quando se encostava nas paredes, uma simbologia da simbiose.

Nesse sentido, sem levantar bandeiras, pensemos um pouco nas condições da mulher, “essa espécie ainda envergonhada”, como diz Adélia Prado em Licença Poética, vista como objeto pelo marido, como um corpo que pode gerar o que ele deseja, como alguém que o ame indiscriminadamente, sem nome, sem identidade, sem desejos próprios, sem escolhas, sendo guiada pelas obrigações e pelo amor adoecido.

Ela entregue nas mãos de um narcisista incontido, ele apenas amando o amor que ela sente por ele, tudo isso apresentado em “pratos” delicados, regado a molho de sorrisos e pequenos abraços, para fazer uma analogia a indigestão que vem a todo tempo ao longo da película. Condição de muitas mulheres ainda, a de objeto, ponto final neste assunto, que isso é polêmico. Tem ainda quem faça das “tripas coração” e o entregue cegamente a qualquer “amor” que aparece disfarçado de ideal, em algumas cenas aparece essa representação em forma de uma pedra estranha, brilhante, parecida com um coração, que fica exposta na prateleira de uma estante da casa, bonita, mas sem vida.

Podemos parar para pensar que buscamos o ideal, mas sempre iremos nos relacionar com o real, ou encaramos isso ou seguimos na fantasiosa e histérica busca pelo perfeito. Teria mais coisas para dizer, mas honestamente é difícil até de organizar a escrita sobre esse filme, há gente bem mais competente nisso, então, termino aqui pensando em mais um ponto, a palavra e seu poder, para o bem e para o mal. Eu, que sou dada a poesia, gosto de escrever e publicar meus ensaios com os versos, sempre fico às voltas com o que isso pode provocar no interior das pessoas, porque em mim, faz um reboliço.

A palavra chega nua, e há quem vista nela suas roupas, para outros ela deve ser despida, para o poeta do filme o importante era ser adorado a qualquer preço. (sabe-se lá o que ele escrevia!) Nós só existimos na presença do outro, em certa medida todos somos narcisistas também, uns mais outros menos, mas acho que cabe a pergunta aqui: O que de fato queremos do outro com o qual nos relacionamos? Pretendemos, reconhecimento por nossos atos de amor, dedicação, cuidado? Sermos chamados pelos nossos nomes, sabendo que isso nos diferencia de todas as outras pessoas e assim nos torna, de novo, únicos para alguém? Queremos possivelmente o devido respeito e apoio aos nossos desejos, causas, iniciativas e sonhos? Queremos ser vistos em nossa individualidade mesmo que não estejamos sozinhos? Queremos ser adorados? Queremos alguém ideal? (Em tempo: vamos acordar! isso não existe!). Claro, são apenas rasas hipóteses, pois há sempre algo mais profundo que talvez nem saibamos ainda, com diz Dr. Freud:

“Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente? Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu transformação ou tradução para algo consciente. A cada dia, o trabalho psicanalítico nos mostra que esse tipo de tradução é possível.” 

O que nós queremos do outro? 

Eliana Holtz - Pedagoga, Psicopedagoga com formação em Letras por escolha e poetisa e Psicanalista por amor a palavra. Obras publicadas em Antologias Poéticas: “Casa lembrada, Casa perdida” - Editora AG; “Sentido Inverso” -Editora Andross; “Palavras Veladas” -Editora Andross. Livro Banco de Talentos/FEBRABAN. Conceioneiro para a Língua Portuguesa-Portugal: “Se eu fosse lua, fazia uma noite”. Antologia Poética da Câmara Brasileira de Jovens escritores-RJ. “Além da Terra, além do céu” - Editora Chiado Portugal/Brasil; Casa brasileira de Jovens escritores- RJ- “Os mais belos poemas de amor”. É brasileira, natural de São Paulo, Capital.

Trailer do filme

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