de Eliana
Holtz
Durante o filme, foi um trajeto confesso,
angustiante e um tanto indigesto. Não é um filme que se assista
despretensiosamente, é recheado de simbolismos, metáforas, representações,
carece um olhar mais nas entrelinhas, por isso é um filme pouco palatável, não
sei ainda se gostei ou não do “prato”.
Resumidamente, mas muito resumidamente mesmo,
trata-se de um casal, ele poeta famoso, que perde sua inspiração para escrever,
ela sua esposa que faz de tudo para que ele encontre novamente a tal
inspiração. Vivem em uma casa “nascida” no meio do nada, o que já faz uma
alusão bíblica da criação, quando a Bíblia nos conta que “a terra era sem forma
e vazia” lá em Gênesis, embora o filme nos ofereça interpretações dessa
natureza não é sobre isso o meu engasgo.
Os personagens não têm nome, e nisso já fui
pinçada, o nome é algo que nos identifica, nos diferencia nos conta a nossa
própria história, é da natureza humana dar nome às coisas, o bebê nasce e logo
recebe um nome, aliás ele já é assunto bem antes de nascer, é sempre alvo dos
desejos de seus pais. No filme também tem um bebê, filho do poeta e de sua
esposa, não havia fala sobre o bebê, nem desejos sobre ele, nem nome para ele.
Outro aspecto importante é sobre o ambiente e
seus desdobramentos, tudo foi se tornando um caos permissivo, concedido,
acatado, aceito. Se no nascimento de uma nova vida, não houver amparo o
bastante, a morte é o destino, a física e a psíquica. Há quem, no entanto,
esteja a mercê de outras forças maiores, guerras, desastres, fome, pobreza, mas
ainda assim há o braço materno ali, mas o que me rasgou mais um pouco, foi
perceber que há situações as quais deixamos que aconteçam, por exemplo, o
desamparo emocional.
Nós somos seres capazes de edificar e destruir.
A esposa sozinha, cuidava de tudo na casa,
desde os mais simples afazeres domésticos até as mais “pesadas” tarefas como as
de reforma, sim, ela é quem reformava a casa do poeta, e me pareceu como uma
gestação, a casa como um útero, e a esposa um grande cordão umbilical ligada ao
corpo do marido, essa imagem mental foi outra coisa que me pinçou. Para ela,
ele era tudo, sua existência era a existência do marido, uma devoção insana e
meio psicótica. Ela sentia o pulso da casa, quando se encostava nas paredes,
uma simbologia da simbiose.
Nesse sentido, sem levantar bandeiras, pensemos
um pouco nas condições da mulher, “essa espécie ainda envergonhada”, como diz
Adélia Prado em Licença Poética, vista como objeto pelo marido, como um corpo
que pode gerar o que ele deseja, como alguém que o ame indiscriminadamente, sem
nome, sem identidade, sem desejos próprios, sem escolhas, sendo guiada pelas
obrigações e pelo amor adoecido.
Ela entregue nas mãos de um narcisista
incontido, ele apenas amando o amor que ela sente por ele, tudo isso apresentado
em “pratos” delicados, regado a molho de sorrisos e pequenos abraços, para
fazer uma analogia a indigestão que vem a todo tempo ao longo da película.
Condição de muitas mulheres ainda, a de objeto, ponto final neste assunto, que
isso é polêmico. Tem ainda quem faça das “tripas coração” e o entregue
cegamente a qualquer “amor” que aparece disfarçado de ideal, em algumas cenas
aparece essa representação em forma de uma pedra estranha, brilhante, parecida
com um coração, que fica exposta na prateleira de uma estante da casa, bonita,
mas sem vida.
Podemos parar para pensar que buscamos o ideal,
mas sempre iremos nos relacionar com o real, ou encaramos isso ou seguimos na
fantasiosa e histérica busca pelo perfeito. Teria mais coisas para dizer, mas
honestamente é difícil até de organizar a escrita sobre esse filme, há gente
bem mais competente nisso, então, termino aqui pensando em mais um ponto, a
palavra e seu poder, para o bem e para o mal. Eu, que sou dada a poesia, gosto
de escrever e publicar meus ensaios com os versos, sempre fico às voltas com o
que isso pode provocar no interior das pessoas, porque em mim, faz um reboliço.
A palavra chega nua, e há quem vista nela suas
roupas, para outros ela deve ser despida, para o poeta do filme o importante
era ser adorado a qualquer preço. (sabe-se lá o que ele escrevia!) Nós só
existimos na presença do outro, em certa medida todos somos narcisistas também,
uns mais outros menos, mas acho que cabe a pergunta aqui: O que de fato
queremos do outro com o qual nos relacionamos? Pretendemos, reconhecimento por
nossos atos de amor, dedicação, cuidado? Sermos chamados pelos nossos nomes,
sabendo que isso nos diferencia de todas as outras pessoas e assim nos torna,
de novo, únicos para alguém? Queremos possivelmente o devido respeito e apoio
aos nossos desejos, causas, iniciativas e sonhos? Queremos ser vistos em nossa
individualidade mesmo que não estejamos sozinhos? Queremos ser adorados?
Queremos alguém ideal? (Em tempo: vamos acordar! isso não existe!). Claro, são
apenas rasas hipóteses, pois há sempre algo mais profundo que talvez nem
saibamos ainda, com diz Dr. Freud:
O que nós queremos do outro?
Eliana
Holtz - Pedagoga, Psicopedagoga com formação em Letras por escolha e poetisa e
Psicanalista por amor a palavra. Obras publicadas em Antologias
Poéticas: “Casa lembrada, Casa perdida” - Editora AG; “Sentido Inverso”
-Editora Andross; “Palavras Veladas” -Editora Andross. Livro Banco de
Talentos/FEBRABAN. Conceioneiro
para a Língua Portuguesa-Portugal: “Se eu fosse lua, fazia uma noite”. Antologia Poética da Câmara Brasileira de Jovens escritores-RJ. “Além da
Terra, além do céu” - Editora Chiado Portugal/Brasil; Casa brasileira de Jovens
escritores- RJ- “Os mais belos poemas de amor”. É brasileira, natural de São
Paulo, Capital.
Trailer do filme
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