sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Blue Jasmine

de  Priscilla Cheli
O filme nos conduz através da história uma mulher rica, que perde todo o seu dinheiro e é obrigada a morar em São Francisco, com sua irmã, Ginger, interpretada por Sally Hawkins, em condições financeiras muito diferentes da que estava habituada. Como se diz popularmente, Jasmine perde o dinheiro, mas não perde sua pose. Portanto, tal mudança, a faz mergulhar em um universo que ela se nega constantemente em digerir.
Logo no início do filme, Jasmine, a protagonista interpretada por Cate Blanchett, já mostra um traço muito significativo. Ela está num avião e passa todo trajeto a falar e contar a mesma história para ela mesma. Esse “ela mesma”, ora é encarnado em algum corpo que se põe próximo a ela ora no puro nada, na própria ausência.
Ao estilo Woody Allen, Jasmine vive um “colapso nervoso”, sempre regado de uma boa dose de tagarelice, como uma forma de externar tal estado. Ela revive suas lembranças se ausentando completamente do presente e travando diálogos do passado em sua memória. Enquanto isso, nós, expectadores, vamos sendo convidados a conhecer sua história.
Sua fala é vazia, não se endereça a ninguém, não há outro. É um falar por falar. Não há, aparentemente, nem mesmo um sujeito. E parece que foi assim que Jasmine viveu.
Vinha de um casamento no qual era mimada pelo marido, interpretado por Alec Baldwin. Aparentemente, seu único dever era usar suas “habilidades sociais”. A crença em tais habilidades a alienavam num mundo particular. Participava de ações filantrópicas, cujas quais a faziam sentir-se diferentes das demais socialites, sabia como receber amigos e realizar festas. Neste mundo particular, sentia-se protegida, imunizada contra qualquer preocupação mundana. Uma vida, que para ela, aspirava a perfeição.
Sua irmã, Ginger, por sua vez, representava o avesso de seu mundo, ou seja, mostrava o suburbano, a falta de classe e de nobreza. Em suma, simbolizava tudo aquilo que Jasmine não queria ver, nem saber.
Debruçada em sua alienação, Jasmine fazia questão de não perceber o que todos ao seu redor já estavam cansados de enxergar: ela era frequentemente traída pelo marido, todo seu universo luxuoso não provinha de um homem perito em honestidade, muito menos, esbanjador de filantropia, como ele gostava de afirmar e ela de acreditar.
Mesmo se em alguns momentos, ela arriscasse uma espiada para fora de sua crença, poucas palavras do marido eram suficientes para conduzi-la novamente ao seu mundo cor-de-rosa.
A história vira as avessas quando Hal, o marido, decide deixá-la por uma au pair de uma amiga do casal. Jasmine toma uma decisão que põe seu mundo a perder. Ela denuncia o marido ao FBI, ele vai preso e na prisão se suicida. Ela se vinga daquele que a tirou de sua alienação.
Desprovida de qualquer recurso financeiro, pois tudo lhe foi tomado pelo Estado, e sozinha, pois o filho de seu ex-marido, ao se deparar com toda a realidade, envergonha-se perante os amigos de ter uma pai corrupto e deixa tudo para trás, Jasmine recorre a Ginger.
Perdida e sem rumo, mergulha muitas vezes em sua fala vazia. Vivendo por um hiato a lembrança prazerosa de sua alienação. Ou seria mais acertado falarmos a lembrança de seu gozo aparentemente perdido?
Jasmine fica face a face com tudo aquilo que jamais quisera saber. Convive diariamente com sua irmã, com os sobrinhos “mal educados”, no sentido literal da expressão, pois os meninos não receberam a educação que ela considerava adequada e ainda com o novo namorado de Ginger, um homem simples e rústico, que, no entanto, demonstra muito afeto a irmã.
Na tentativa de sair daquele mundo, a protagonista passa a trabalhar como secretaria em um consultório odontológico a fim de manter um curso de computação, que a permitiria se formar em design de interiores em um curso online. Esse curso representa a possibilidade de retomar sua vida como era anteriormente e lhe lançaria num mercado de luxo, na inserção em meios de pessoas da mesma classe social que ela não aceitava em abrir mão de pertencer.
Em uma festa de uma colega de curso, Jasmine conhece um homem bem sucedido e educado. Ela se vê diante da possibilidade de se cercar de todo aquele antigo mundo novamente. Utiliza de todas as suas habilidades e o conquista. Assegura-se apenas de vestir-se na tão conhecida antiga imagem, escondendo seu passado e recriando uma história. Mostra-se uma mulher de alta classe, viúva de um médico, e bem sucedida como design de interiores. Na tentativa de não o perder, se perde. Logo ele descobre qual realmente era sua história e Jasmine volta a falar com ninguém sobre como era seu mundo, sozinha em um banco publico, lembrando que tocava Blue Moon quando conheceu seu ex-marido.
Ginger, por um momento, se influencia pelas críticas da irmã, como alguém que não tem nada e se conforma com o pouco que tem. Nesta mesma festa, conhece um homem, se ilude momentaneamente com a possibilidade de ter uma vida diferente, porém descobre que ele era casado. Volta ao seu rustico, porém afetuoso namorado, e parece de acordo consigo mesma em seguir sua vida como era antes da chegada da irmã.
O filme nos daria margem a vários recortes que permeariam diferentes formas de olhar. Um desses recortes nos leva aos conceitos de alienação e separação. Sabemos que um processo não existe sem o outro e que ambos ocorrem concomitantemente. Se há alienação é porque há separação. A alienação é um mergulho no desejo do Outro, e nele abre-se mão do ser. Porém, ao escolher o ser, abre-se mão do sentido e do tornar-se sujeito. Afinal, “o sujeito é o desejo do Outro”. Na separação, o sujeito se divide tal como o Outro. Ambos são faltantes e é dessa operação que nasce a possibilidade de desejar.

Poderíamos pensar que, enquanto Jasmine encontrava-se em seu estado de alienação, agarrada a sua identificação imaginária, nada queria saber sobre si mesma? Quando decide se separar, quando rompe essa cola com o Outro, cai de seu estado seguro e protegido, e, muito embora entre em colapso, algo de seu desejo aparece. Algo é posto em funcionamento. Todavia, não se sustenta. Seria o velho gozo, atropelando e fazendo-a cair novamente em seu “nada quero saber sobre mim mesma”?
Trailer oficial do filme fazer

Priscilla Cheli é psicanalista com pós-graduação em psicologia clínica pela PUC-SP.

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