domingo, 6 de maio de 2012

Amor e Ódio

um filme de Roselyne Bosh/2010
por   Heloisa Grobman

Amor e Ódio é um filme que retrata a ocupação nazista na França, ambientado em Paris no ano de 1942. Na bela cidade o contraste entre a alegria anterior dos judeus franceses e o golpe de Hitler sobre eles, negociado com o governo francês.

A crença nos ideais franceses e a luta por estes havia assegurado estas famílias de enfim estarem acolhidas e protegidas pelo país. É exatamente isto que dificulta o reconhecimento e fuga da situação apesar das notícias, um sentimento de esperança, que vai atravessar o enredo, personagens e público, do início ao final do filme.

Dos personagens, alguns marcam "corpo e alma" da ocasião, como o ex-combatente que acredita na gratidão e proteção francesa à sua família, sua mulher judia e seus filhos dos quais um irá sobreviver,” Jo” . De outro grupo familiar, a mãe morre durante a ocupação e de seus filhos, o pequeno "Nono" também será personagem que marcará os sentimentos de esperança e de amor que persistem durante o processo.

Retirados de suas casas, mais de 20 mil judeus, crianças, mulheres, idosos e mesmo aqueles que estavam hospitalizados são levados a um ginásio em Paris, onde passam alguns dias até que as negociações entre Hitler e o governo francês chegam a cabo, quando então são levados para campos de concentração ao leste da Europa. A trajetória até o extermínio passa pela separação de homens, mulheres e crianças e assim as famílias se desfazem e a cada passo vão percebendo seu destino cruel .

Momentos de alegria e soltura entre os personagens, enquanto juntos no ginásio e no primeiro campo de concentração, são bem retratados em cenas nas quais as crianças brincam, as famílias jogam cartas e dançam os casais e crianças empolgados pela música, em meio à fome e a repressão dos soldados, exemplo do sentimento de amor e esperança nutrido pelos ideais franceses nos judeus que moravam neste país na ocasião. Este detalhe se torna fio condutor da história, e nos faz questionar as diferentes vivências do holocausto, em acordo com as diferentes culturas de cada povo judeu na Europa, levado ao extermínio por Hitler.

Personagens fundamentais no enredo, o médico judeu que levado no grupo para a mesma finalidade, tem a permissão de tratar os doentes, e a enfermeira protestante que acompanhará as crianças até o penúltimo momento, quando se perde delas e do pequeno Nono.

O final comovente com alguns sobreviventes fugitivos, personagens que melhor representavam os sentimentos de amor e de esperança, quer pela íntegra oposição aos  nazistas ou pela total inocência do que viviam.

No “pano de fundo”, Hitler é interpretado em constantes festas e reuniões sociais, é menos fanático e mais consciente do que faz do que costumeiramente representado em outros filmes e documentários. As relações com os governantes franceses revelam a preocupação destes quanto à imagem que abalada traria perda de poder e abalo econômico para França, que até então cedia sua população judia em nome de uma pretensa barganha de liberdade temendo os próximos avanços nazistas no país, que de fato ocorreram.

Lançando um olhar foucaultiano, vemos um discurso intrínseco centrado no anti-semitísmo, e além , fazendo “borda”, uma disposição extradiscursiva  determinante do  evento histórico, ou seja, comparando com outros eventos de segregação e perseguição na história, os mesmos  interesses econômicos, políticos e religiosos como condições de possibilidade.

Este olhar sobre crime e doença com origem em determinantes sociais, é coincidente com o entendimento de Lacan (1966):

                    “Nem o crime nem o criminoso são objetos que possam ser concebidos fora de uma referência sociológica”
(em Os Escritos –“ Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia”).

Podemos considerar neste sentido os aspectos econômicos da Alemanha pós 1ª Guerra, sua necessidade de reerguer-se economicamente, como condição para a inversão do sentimento de inferioridade em exacerbação nacionalista, a “raça ariana” sonho enaltecido por Hitler entra como aspecto “religioso” visto por este ângulo, no sentido em que faz efeito de verdade sem crítica, capaz de doutrinar os soldados e forças de guerra alemãs às maiores barbáries e crimes contra a humanidade.

A sociedade européia neste clima, após a 1ª Guerra, ofendida em suas condições “civilizatórias”, em sua lógica burguesa, organizada desde a consolidação da burguesia enquanto classe política e economicamente dominante; permite o crescimento do nazismo, e assim o papel de “bode-expiatório” para os judeus, enquanto de fato é no interior de cada país e no conjunto destes em desenvolvimento capitalista, que as diferenças sociais ameaçam a própria estabilidade das classes dominantes.

Vemos este fenômeno bem representado pelo comportamento dos soldados no filme, muitas vezes empáticos com os judeus aprisionados, com o mesmo sentimento de dominação e sujeição, próprio da hierarquização militar.
Ressaltar o aspecto político-econômico como condição tanto para a 1ª como para a 2ª guerra, torna-se necessário para o entendimento mais aproximado das figuras de “corpo e alma” daquele momento, atravessadas pelas formas sociais, civilizatórias e de religião, produto e produtoras de subjetividades.


Cada personagem em Amor e Ódio oferece um recorte subjetivo, e nesta multiplicidade o espectador pode identificar-se e realizar, ou seja, ter uma percepção quase própria do que foi vivido no Holocausto, mais do que conhecer apenas como fato histórico e passado.  

Heloisa Grobman é Psicanalista com experiência em Psicopatologia, Filosofia, Desenvolvimento Infantil e em Políticas Públicas com ênfase na Saúde Mental.

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