Este filme faz parte do “O Decálogo", série de 10 episódios baseados em cada um dos dez mandamentos da Bíblia.
Um
filme concebido para ser uma vingança de uma mulher mais velha,
contra um adolescente voyeur, que lhe atazanava a vida, mas acabou
sendo recebido como um grande filme sobre o amor, não só no Brasil
onde venceu a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 1998,
como em todo mundo.
Kieslowski
é mais conhecido do publico pela Trilogia das Cores: A Liberdade é
Azul, A Igualdade é Branca e a Fraternidade é Vermelha.
Me
chamou a atenção o nome original do filme: “Pequeno filme sobre o
amor”, um titulo de filme com o nome “filme”.
Em português, “Não
Amarás”. Duas palavras que também me chamaram a atenção: O
tempo do verbo: 2ª pessoa do futuro e o seu corte: Não.
O
que vem presentificar o sujeito além do verbo. O imperativo Não, da
ordem do predestinado, do definido vai sendo observado em vários
aspectos do filme.
Temos
a mulher como foco principal. Ela é vigiada, observada com um olhar
certeiro e certo de um rapaz de 19 anos, através de uma luneta
emoldurada pelas janelas tanto de um lado quanto do outro.
Ela
é ao mesmo tempo presença/ausência. Presença buscada com tempo e
hora marcados através desta lente, guiada e controlada nas suas
pequenas necessidades, na sua rotina e enganada com falsos bilhetes,
avisos ou sinais que vem do outro sem que ela saiba. Todos esses
aparelhos como a luneta, o relógio, o telefone, a janela,
circunscreve em torno dela um campo de gozo decifrado pelo olhar de
Tomek. que despertado pelo suposto excesso de gozo que ela usufrui (a
cena de sexo com o namorado) desperta nele esse gozo escópico,
para usufruir dele também.
Saber
do gozo do outro. Lacan interroga: O que é o gozo? O gozo é aquilo
que não serve pra nada, ele é apenas uma instancia negativa. O gozo
do outro não é signo do amor.
O
que Tomek pode saber do gozo de Magda? E Magda do gozo de Tomek? Não
é possível saber, mesmo assim é preciso que o sujeito tente
construir sinais em torno disso;
O
signo é um efeito daquilo que se supõe, enquanto tal, de um
funcionamento do significante.
Este efeito é o sujeito. Signo não é portanto signo de alguma
coisa, mas de um efeito. pag.68, mais ainda.
Mas
os aparelhos de Tomek operam e insistem em um constrangimento
constante e crescente, cada vez mais, aproximar da mulher, e ela se
vê de repente desalojada de sua alienação ao cotidiano onde não
havia lugar para o amor. Mas o amor se impõe com todos os seus
aparatos e ela não pode recusá-lo. Ela se vê apreendida pelo outro
em seu desejo, esse outro que sabe muito bem de sua vida, de sua
solidão, de sua falta (cena do choro diante do leite derramado) e aí
ela começa a responder tentando apreendê-lo com seu saber. Até
então, mulher da vida, mulher imagem, mulher de nome ou nome de
mulher? Pois seu nome anterior era “BLMM”, bunda linda mexe
muito”, até ser nomeada como Magda.
A
mulher mais velha, a mãe do amigo de Tomek, parece comandar o
destino dele, ou melhor, do homem. Mostra o Miss Polônia na Tv, lhe
dá permissão para levar alguma garota em casa, fala da namorada
árabe do filho e etc. Mas tudo isso em um duplo sentido pois teme
que ele a abandone em sua solidão. Ela tenta barra-lo na paixão que
sente com relação á aquela estranha mulher, impedindo,
dificultando seu acesso ás informações sobre o fato ocorrido,
sobre o hospital, até mentindo sobre o telefone, que diz que lá não
tinha telefone.
Curiosas
são suas palavras a Tomek, quando pergunta porque as pessoas choram.
Ela responde: Choram porque não aguentam mais... a vida. De que vida
ela fala? Uma vida de renuncias que precisa ser suportada no exilio,
na solidão, na vida que não arrisca á contingência do amor? É
preciso arriscar ás contingencias do amor para que ele subsista como
necessário: aí então, o amor se impõe no caminho do sujeito
desejante. Lacan diz isso.
Apesar
de todos os aparatos que Tomek usa, ele quer chegar mais perto, ver
sem aparelhos, sentir de perto aquela mulher, rompendo a moldura.
Passa a entregar o leite como uma possibilidade de estar frente a
frente com esta mulher.. Ele não recusa, não recua, sustenta sua
investida, mesmo correndo o risco de perda total.
E neste momento do
encontro onde é forçado a dizer o seu nome, não sabe explicitá-lo.
Ele só quer amar, mais ...ainda.
Amar
e ser amado? Tomek se posiciona frente ao desejo e arrisca ao convite
do sorvete e mais outro convite de ir á sua casa. Ele conta como a
espiona, e as estratégias para vê-la de perto, ou seja toda a
aparelhagem do seu amor: Lacan
diz: “Não é do
defrontamento com esse impasse, que é posto á prova o amor?”
pag.197
Ela
tenta ensinar-lhe na posição de dona da verdade e diz: “Pois
então aí está tudo o que representa o amor” Frente a isso ele
não suporta a vida, se esgota em sangue corta os pulsos.
O
gozo vence o sujeito, é preciso instaurar de novo o “Não”,
atuado pela tentativa de suicídio, e pelas interceptações da velha
mulher: Não, não, não.
Ao
final há uma troca de posições : Tomek agora é que vive nas
fantasias de Magda, ocupando o lugar dele, toma distancia de seu
drama e se coloca no lugar do outro na tentativa de saber sobre a
verdade do amor. Marcado pelo não, pela fantasia, o amor testemunha
a verdade do sujeito.
Belo
Horizonte, 27/10/2012
Leila
Oliveira é
Psicanalista
Trailer do filme