domingo, 4 de novembro de 2012

Não Amarás - de Krzysztof Kieslowski

de Leila Oliveira
Este filme faz parte do “O Decálogo", série de 10 episódios baseados em cada um dos dez mandamentos da Bíblia.
Um filme concebido para ser uma vingança de uma mulher mais velha, contra um adolescente voyeur, que lhe atazanava a vida, mas acabou sendo recebido como um grande filme sobre o amor, não só no Brasil onde venceu a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 1998, como em todo mundo.
Kieslowski é mais conhecido do publico pela Trilogia das Cores: A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e a Fraternidade é Vermelha.
Me chamou a atenção o nome original do filme: “Pequeno filme sobre o amor”, um titulo de filme com o nome “filme”.
Em português, “Não Amarás”. Duas palavras que também me chamaram a atenção: O tempo do verbo: 2ª pessoa do futuro e o seu corte: Não.
O que vem presentificar o sujeito além do verbo. O imperativo Não, da ordem do predestinado, do definido vai sendo observado em vários aspectos do filme.
Temos a mulher como foco principal. Ela é vigiada, observada com um olhar certeiro e certo de um rapaz de 19 anos, através de uma luneta emoldurada pelas janelas tanto de um lado quanto do outro.
Ela é ao mesmo tempo presença/ausência. Presença buscada com tempo e hora marcados através desta lente, guiada e controlada nas suas pequenas necessidades, na sua rotina e enganada com falsos bilhetes, avisos ou sinais que vem do outro sem que ela saiba. Todos esses aparelhos como a luneta, o relógio, o telefone, a janela, circunscreve em torno dela um campo de gozo decifrado pelo olhar de Tomek. que despertado pelo suposto excesso de gozo que ela usufrui (a cena de sexo com o namorado) desperta nele esse gozo escópico, para usufruir dele também.
Saber do gozo do outro. Lacan interroga: O que é o gozo? O gozo é aquilo que não serve pra nada, ele é apenas uma instancia negativa. O gozo do outro não é signo do amor.
O que Tomek pode saber do gozo de Magda? E Magda do gozo de Tomek? Não é possível saber, mesmo assim é preciso que o sujeito tente construir sinais em torno disso;
O signo é um efeito daquilo que se supõe, enquanto tal, de um funcionamento do significante. Este efeito é o sujeito. Signo não é portanto signo de alguma coisa, mas de um efeito. pag.68, mais ainda.
Mas os aparelhos de Tomek operam e insistem em um constrangimento constante e crescente, cada vez mais, aproximar da mulher, e ela se vê de repente desalojada de sua alienação ao cotidiano onde não havia lugar para o amor. Mas o amor se impõe com todos os seus aparatos e ela não pode recusá-lo. Ela se vê apreendida pelo outro em seu desejo, esse outro que sabe muito bem de sua vida, de sua solidão, de sua falta (cena do choro diante do leite derramado) e aí ela começa a responder tentando apreendê-lo com seu saber. Até então, mulher da vida, mulher imagem, mulher de nome ou nome de mulher? Pois seu nome anterior era “BLMM”, bunda linda mexe muito”, até ser nomeada como Magda.
A mulher mais velha, a mãe do amigo de Tomek, parece comandar o destino dele, ou melhor, do homem. Mostra o Miss Polônia na Tv, lhe dá permissão para levar alguma garota em casa, fala da namorada árabe do filho e etc. Mas tudo isso em um duplo sentido pois teme que ele a abandone em sua solidão. Ela tenta barra-lo na paixão que sente com relação á aquela estranha mulher, impedindo, dificultando seu acesso ás informações sobre o fato ocorrido, sobre o hospital, até mentindo sobre o telefone, que diz que lá não tinha telefone.
Curiosas são suas palavras a Tomek, quando pergunta porque as pessoas choram. Ela responde: Choram porque não aguentam mais... a vida. De que vida ela fala? Uma vida de renuncias que precisa ser suportada no exilio, na solidão, na vida que não arrisca á contingência do amor? É preciso arriscar ás contingencias do amor para que ele subsista como necessário: aí então, o amor se impõe no caminho do sujeito desejante. Lacan diz isso.
Apesar de todos os aparatos que Tomek usa, ele quer chegar mais perto, ver sem aparelhos, sentir de perto aquela mulher, rompendo a moldura. Passa a entregar o leite como uma possibilidade de estar frente a frente com esta mulher.. Ele não recusa, não recua, sustenta sua investida, mesmo correndo o risco de perda total.
E neste momento do encontro onde é forçado a dizer o seu nome, não sabe explicitá-lo. Ele só quer amar, mais ...ainda.
Amar e ser amado? Tomek se posiciona frente ao desejo e arrisca ao convite do sorvete e mais outro convite de ir á sua casa. Ele conta como a espiona, e as estratégias para vê-la de perto, ou seja toda a aparelhagem do seu amor: Lacan diz: “Não é do defrontamento com esse impasse, que é posto á prova o amor?” pag.197
Ela tenta ensinar-lhe na posição de dona da verdade e diz: “Pois então aí está tudo o que representa o amor” Frente a isso ele não suporta a vida, se esgota em sangue corta os pulsos.
O gozo vence o sujeito, é preciso instaurar de novo o “Não”, atuado pela tentativa de suicídio, e pelas interceptações da velha mulher: Não, não, não.
Ao final há uma troca de posições : Tomek agora é que vive nas fantasias de Magda, ocupando o lugar dele, toma distancia de seu drama e se coloca no lugar do outro na tentativa de saber sobre a verdade do amor. Marcado pelo não, pela fantasia, o amor testemunha a verdade do sujeito.
Belo Horizonte, 27/10/2012
Leila Oliveira é Psicanalista
Trailer do filme