domingo, 1 de dezembro de 2019

PARASITE - um filme de BONG JOON HO (Parasita)


de Alfredo Rollo.

Parasita, do ponto de vista da biologia, significa um organismo que se associa a outros para deles obter alimento ou algo que garanta a ele a sobrevivência, causando, na maior parte das vezes, grandes danos aos hospedeiros. Parasitismo é o nome dado a essa relação. Carrapatos, pulgas, vermes, e outros seres, são largamente conhecidos por suas características parasitárias.

Ocorre que o termo passou a ser empregado pelos seres humanos, para designar o indivíduo ou grupo que se aproveita de outras pessoas para explorar, abusar, manipular e viver às custas de suas riquezas e esforços. E é exatamente isso que o filme de Bong Joon Ho, cineasta coreano, tenta explicitar no filme, cujo nome, Parasita, retrata uma família em situação de grande precariedade, morando nos porões de um bairro pobre, atravessando um momento de extrema dificuldade financeira.
O filme começa com essa família praticamente sem recursos, que perde o sinal de wi-fi “parasitado” de outro lugar próximo de onde moram. Com isso, pode-se perceber o quanto o contato com o mundo virtual anestesia ou mesmo suprime a percepção do mundo que os rodeia, escape de uma realidade dolorida e portanto, desagradável e indesejada. Freud nos contava que as experiências incômodas e de ordem traumática, habitam os porões do inconsciente, sendo reveladas ou revividas através do que ele chamou de “o retorno do recalcado”. Este retorno se dá pelos chistes, sonhos, lapsos e atos falhos e também pela fantasia.
Não fica claro o histórico psíquico da família que aparece no início do filme, mas pode-se inferir que as ferramentas psíquicas utilizadas para lidar com os conflitos sociais, estão a serviço do trauma, uma vez que a repetição de posturas e soluções para lidar com a pobreza, passeiam pelos chistes e fantasias.
Mas quando o filho de Ki-taek recebe um convite para dar aulas de inglês a uma moça de uma família rica, todo um rol de estratégias de infiltração, falsificação e parasitismo social são utilizadas pelos familiares de Ki-taek, com o intuito de explorar a boa fé dos ricos contratantes. A partir dessa premissa, o embuste, a mentira, a perversidade tornam-se elementos necessários para efetivar o plano parasitário. À medida que o processo de simbiose vai acontecendo, as famílias vão perigosamente se aproximando e segredos terríveis são revelados, culminando num desfecho trágico e violento.
Parasita é um filme que joga na nossa cara a falência das classes sociais, a tragédia da vida cotidiana e a psique absolutamente comprometida a qual estamos à mercê. Metáfora do inconsciente e de suas vicissitudes, o roteiro prende e não solta nunca mais. Sem dúvida há uma exacerbação desta metáfora, retratada pelos porões e segredos entre as famílias, que resultam na expressão da pulsão de agressividade, elevada ao seu grau extremo, que rompe todas as barreiras egóicas e triunfa tragicamente, como uma advertência da insolubilidade a qual estamos mergulhados no momento social e político atuais.
Após um dramático final, a redenção dos personagens demonstra uma tentativa de reordenar e deslocar as pulsões que ainda restam. Diante de uma grande descarga de tendências psicopáticas que se materializaram, o gozo se transforma em poesia e o caminho para uma improvável sublimação se desenha a partir da figura totêmica do pai.
Embora traga o parasitismo como um mecanismo usado pelas classes sociais, como se fossem as responsáveis diretas deste fenômeno, o filme destaca nas entrelinhas, o verdadeiro e cruel parasita de nossos tempos, não como um indivíduo, mas como um sistema: o capitalismo e suas diversas expressões parasitárias, entre elas o neoliberalismo.
Apresentando situações completamente absurdas, mas ao mesmo tempo, perfeitamente plausíveis, Parasita, ao meu ver, fecha o ciclo de filmes que escancaram as chagas sociais e psicológicas da sociedade atual, iniciado com Bacurau e seguido por Coringa.
Necessário.

Alfredo Rollo é psicanalista - www.asrpsi.com.br
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sábado, 2 de novembro de 2019

Bacurau

de Christian Dunker

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Bacurau (2019), de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles pode ser visto como um filme previsível sobre a violência, particularmente no Brasil profundo do sertão onde o Estado só chega em nome da corrupção. Um nordeastern que reforça o preconceito de que nosso inimigo fala inglês, que o sul usa o nordeste para empreender sua miséria em estrutura de vídeo game, que a pobreza traz necessariamente violência e que todos os políticos são corruptos. Um filme que usa a paratopia, baseada no fato de que o enredo se passa no futuro, apenas para mostrar como o tempo não passa e que no fundo repetimos padrões do cangaço, da ditadura militar, da escravidão e do colonialismo. Resultado: em vez de recriar um presente a partir da sua exageração no futuro, como em Terra em Transe, por exemplo, estamos apenas mitificando o presente a partir da alegorização do passado.

O ponto mais inaceitável de Bacurau é que ele consagra a moral da vingança e do ressentimento como única alternativa contra um estado de opressão e anomia, onde a vida vale pouco e a morte se contabiliza em gotas de gozo. Violência contra violência gera mais violência, mais polarização e no fundo sanciona a lei do mais forte, que supostamente queríamos reverter. Há uma teoria da transformação em jogo aqui: eu “viro” meu inimigo ao agir como ele age. Assim fazendo, perco toda a razão pois sanciono a lei proposta por ele, a lei da guerra. O inimigo vence quando me faz trair a razão emancipatória, baseada na organização do conflito pela palavra e pelas instituições civilizatórias de educação, urbanidade e civilidade. Por isso o filme repete o que há de pior na trilogia da qual faz parte. Tal como em O som ao redor (2013), em Bacurau nos sentimos presos às estruturas latifundiárias e sua retórica da transgressão libertadora. Tal como em Aquarius (2016), aqui nos percebemos imersos em um sistema da favorecimentos encoberto pelo governo onde a única saída é a sobrevalorização defensiva dos particulares: meu corpo, minha casa, minha família, minha história.

Tudo verdade… mas nem toda verdade.

Tudo realidade… mas com um traço de Real.

A chave para uma segunda leitura de Bacurau se encontrará na peça Casa Submersa, dirigida por Kiko Marques, com a Velha Companhia, em cartaz no Sesc Pompéia em São Paulo. Também aqui encontramos o fechamento de uma trilogia. Iniciada com Cais ou Da indiferença das embarcações (2012), que trata do amor interrompido pela emergência do Estado Novo, e seguida por Sinthia (2016) que trata do retorno do filho para a casa onde, para uma mãe que sempre quis ter uma menina agora encontrará seu filho tornado mulher. A trilogia realiza uma tematização transversal da política, primeiro com a intrusão de Vargas atrapalhando o grande amor de um casal, depois com a Ditadura Militar oprimindo o amor de um filho por sua mãe e agora, em Casa Submersa (2019), com a degradação de uma família à partir do assassinato do pai no contexto da corrupção política emergente. A protagonista Maíra vive um conjunto de efeitos pós-traumáticos, composto por dissociações, rupturas de memória, despersonalizações e desintegração de experiências de satisfação corporal, que é remetido ao passado violento de sua própria família – um passado que não cessa de não passar e que se reatualiza nas diversas figuras da incompreensão de si mesma. Tudo acontece como se essas irrupções sintomáticas, inclusive agressões e autoagressões, fossem uma espécie de patologia da memória, símbolos que esqueceram sua função rememorativa e sobretudo angústias que assim colocadas possuem pequena força transformativa.
Registro de Casa Submersa, nova montagem da Velha Companhia, dirigida por Kiko Marques (Nelson Kao/Divulgação).
Aqui nos lembramos das teses de Moisés e a religião monoteísta1, onde Freud postula que o trauma gera dois tipos de consequências. Os efeitos positivos são aqueles nos quais repetimos o evento traumático, fragmentando e retendo suas imagens e afetos coligados. Surgem pesadelos, acessos de angústia, bloqueios de memória e intrusão de imagens violentas, que, em seu conjunto, são reatualizações do ocorrido. Já os efeitos negativos do trauma são mais perigosos justamente porque mais difíceis de localizar. Eles aparecem como irrupções inexplicáveis de ódio e violência, reações de evitação e indiferença, que efetivam uma espécie de esterilização da palavra, trazendo desalento, desesperança e suspensão do laço com o outro. Se os efeitos positivos prolongam o trauma criando monumentos desconhecidos, os efeitos negativos transmitem-se pelo silêncio, como que a reproduzir um ato que nunca se realizou. As duas propriedades do trauma frequentemente se juntam para efetivar o que se poderia chamar de potência trágica da experiência traumática. Ou seja, ao negar e ao fugir do trauma fazemos acontecer de novo aquilo que mais queríamos evitar, assim como o jovem Édipo que foge de Corinto para proteger seus pais (adotivos) e acaba encontrando e matando seu pai (biológico, Laio), na encruzilhada de três fronteiras.

Casa Submersa é parte de uma grande alegoria da água, que aparece como metáfora para o esquecimento, para a desaparição dos corpos e para o desejo desesperado de escapar da asfixia e encontrar ar para respirar. Aqui está o escafandrista que passa, como o coro nas tragédias antigas, murmurando, sofregamente, a verdade que não conseguimos apreender. Já Bacurau é parte da alegoria da seca. Metonímia do pequeno Brasil, formado por comunidades isoladas, natural e artificialmente: sem internet, sem lugar no mapa, sem a proteção o Estado, sem água, que tem que vir de fora. Aqui surge Lunga, o protagonista paratópico, meio curinga meio trickster, meio homem meio mulher, meio criança meio adulto, parte da comunidade, mas que vive fora dela.

Walter Benjamin definia a alegoria como a “facies hipocrática da protopaisagem da história”2Facies hipocrática é uma expressão que encontramos na medicina de Hipócrates para designar a cara típica que um paciente faz de tal maneira que, a partir de então, sabemos que não há mais cura possível e que a morte virá inexoravelmente. É como se alegoria nos permitisse ver, ainda que por um instante determinado, a paisagem completa da história, nos conferindo o distanciamento necessário para aprendê-la, do ponto de vista da totalidade, como uma unidade, mas ao preço de nada podermos fazer para mudá-la. Ora, esse instante é uma espécie de tratamento para o trauma. Ele permite realizar a perda, abrindo ao processo de luto, nos fazendo reconhecer o que realmente aconteceu e autorizando a experiência do acontecido. Ao mesmo tempo, permite introduzir a resposta que faltou ao trauma no momento de seu ocorrido, ainda que, e principalmente como uma resposta ficcional. Ou seja, é na conjectura criada por uma nova  forma de linguagem, neste caso o cinema e o teatro, que podemos inventar o que poderia ter sido para que hoje não continuarmos a ser obrigatoriamente o que somos.

Chegamos assim ao momento em que Freud e Benjamin se encontram para enfrentar o nosso problema brasileiro de última hora: como enfrentar a violência sem gerar mais violência? Como retratar e nomear a violência sem usar a linguagem reificada e consagrada da estetização a violência. Como não repetir com a estética da violência o que um dia fizemos com a estética da fome? A questão se desdobra para todas nossas maiores contradições sociais: pobreza, racismo, opressão de gênero, segregação cultural e social. A teoria freudiana do trauma é enunciada em um texto conhecido por realizar uma inversão fundamental na teoria psicanalítica da identidade: não é a família que vem primeiro e depois aparecem os estrangeiros. No início está o estrangeiro, o Unheimlich3, o corpo estranho, o infamiliar. A família é a sutura para essa indeterminação primária. A tese de que Moisés era egípcio e não judeu sintetiza essa teoria.

A teoria benjaminiana da alegoria se dá no contexto de uma pesquisa sobre a violência. Há a violência da transgressão das leis (o crime por exemplo), mas há também a violência daqueles que instituem, aplicam e manipulam as leis administrando suas exceções. Podemos caracterizar essa segunda forma de violência como uma alternância calculada entre, por um lado, a mão pesada que pune, mata e destrói em nome da lei entendida como purificação e ordem, e por outro, a mão que oculta, protege e prestidigita, tipicamente em favor dos poderosos. Por isso Benjamin se pergunta se não haveria uma terceira forma de violência, capaz de suspender a inversão simples entre violência de Estado e violência contra o Estado. Esse terceiro tipo de violência ele nomeia violência divina. Nela uma margem não se conecta com a outra e a divisão entre familiar e estrangeiro é suspensa, ainda que por um instante. Para entender a violência divina é preciso conectá-la com a teoria da alegoria. Ou seja, ela é uma violência posta em estrutura de ficção, não é uma violência na realidade, muito menos a legitimação da violência realística que já está em curso. Trata-se uma violência Real, em sentido lacaniano, que permite destruir e negar produtivamente os dualismos que operam na constituição simbólico-imaginária de nossa realidade. A violência Real não é traumática no mesmo sentido da violência que viola corpos e famílias, que impõe rupturas e supressões na história. Ela é a violência que advém da descoberta do estrangeiro dentro de si mesmo. Ela perturba a identidade entre o trauma e seu retorno convidando à inserção de um fragmento de reparação ou de suplemento na experiência. Por isso seu traço semiológico de reconhecimento sinaliza a insegurança ontológica na identidade dos egos e a indeterminação na relação de propriedade dos entes. O que o trauma da morte violenta de alguém cria é a identidade entre as duas coisas, forçando a identificação entre o trauma realístico e o trauma Real. Por isso sua cura depende de como conseguimos separar as duas coisas que estão soldadas, por exemplo, na mesma imagem. Inversamente, isso nos abre para essa pesquisa sobre a verdade e o real, também chamada luto.

Mais do que a regressão da biopolítica para a necropolítica e do círculo fechado e inversivo entre soberania e violência, o que Bacurau, lido junto com Casa Submersa, propõe é uma oniropolítica, ou seja, a restauração de nossa capacidade de sonhar, de olhar para o lado e de coabitar várias temporalidades contraditórias. Uma oniropolítica, como redefinição de nossas formas de desejar, vem se insinuando no trabalho dramatúrgico recente de Denise Fraga, em Eu de Você, no recente livro de Vera Iaconelli4, nos estudos anteriores de Tales Ab’Saber5, no último livro de Vladimir Safatle6 e nas pesquisas recentes do grupo de Miriam Debieux Rosa e Rose Gurski na clínica do traumático, ou de Jaime Guinsburg na crítica literária.

O resgate da língua do pai negro comida pelos peixes, em Casa Submersa, ou o retorno de Teresa para o funeral de sua avó (assim como o anúncio da retomada dos enforcamentos públicos no Vale do Anhangabaú), em Bacurau, devem ser lidos como uma alegoria cuja potência reside justamente na indeterminação da identidade e do sentido da mensagem. Seriam uma alusão ao assassinato da língua do pretês, como queria Lélia Gonzalez? Seria Teresa uma versão rediviva de Marielle Franco? Os enforcamentos e as desaparições estão acontecendo novamente, mas seriam eles os mesmos? Daí a importância de analisar tais produções como sonhos e não por seu valor prescritivo, em chave literal. Enquanto as imagens oníricas forem memes de repetição da miséria da violência permaneceremos submetidos ao empuxo para contemplá-las em posição de obediência, como se fossem uma nomenclatura que teríamos que repetir em nome da vida ou da morte, da paz ou da guerra.

É justamente por não sabemos se as pílulas tomadas pelos moradores de Bacurau são de anestesia ou de coragem, se são para acordar ou para dormir, que encontramos um novo caminho em formação na nossa relação com as imagens. Por isso, ainda que as armas estejam nos museus, nas escolas e nas igrejas desertas (e ainda que suas portas se encontrem abertas), não sabemos mais como usá-las em nosso próprio tempo. Os sonhos possuem essa propriedade reparadora de alterar nossa relação com o tempo. Eles nos fazem perguntar como o hoje, o ontem e o amanhã habitam a construção da mesma imagem. Com isso, demandam um trabalho de leitura e construção que chamamos desejo. Afinal, as imagens não são apenas imaginárias, mas também simbólicas, quando nos permitem reencontrar a história de nossos desejos, e ainda, quando bem postas e bem lidas, capazes de indicar o lugar do real. É exatamente o contrário não simétrico dessa relação pedagógica e ortopédica com as imagens, com as palavras e com o tempo, que encontramos nas atitudes de estupidez calculada de Bolsonaro ou no discurso tosco que o subvenciona no varejo. Não importa o olhar, não importa o lugar de onde se vê, não importam as vozes que falam, múltiplas em uma narrativa… tudo o que interessa são objetos malévolos, imagens de poder e glória cooptadas pelos inimigos naturais.


É muito importante lembrar que Bacurau e Casa Submersa foram pensados antes da emergência deste encolhimento democrático que vivemos. Filme e peça foram precedidos primeiro em 2013 e depois em 2016 pela construção de uma série sobre violência e história. Se ambos parecem proféticos e ilustrativos para 2019 é porque fecham um ciclo que já estava anunciado por nossas práticas de esquecimento e negação da história. É porque a repetição do trauma se anunciava mais forte do que a reparação. Eles surgem como uma facies hipocrática do presente pois foram capazes de pensar o presente antes que ele fosse presente. E só o fizeram porque nos trazem uma teoria do tempo subversiva e uma nova relação com a imagem que é crítica… se não divina.

Notas

1 Sigmund Freud, “Moisés y la religión monoteísta” [1939], Obras completas de Sigmund Freud, Vol. XXIV (Buenos Aires, Amorrortu).
2 Walter Benjamin, Origem do drama barroco alemão (tradução, apresentação e notas de Sérgio Paulo Roanet, São Paulo, Brasiliense, 1984), p. 188.
3 Sigmund Freud, O Infamiliar [1919] (trad. Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares, Belo Horizonte, Autêntica, 2019).
4 Vera Iaconelli, Como criar filhos no século XXI (São Paulo, Contexto, 2019).
5 Tales Ab’Saber, O sonhar restaurado (Campinas, Editora 34, 2005).
6 Vladimir Safatle, Dar corpo ao impossível: o sentido da dialética a partir de Theodor Adorno (Belo Horizonte, Autêntica, 2019).

Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, 2015). Seu livro mais recente é Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros (Boitempo, 2015), também vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Psicologia e Psicanálise. Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

FONTE (autorizada pelo autor)

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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

CORINGA - joker

de Isloany Machado
**Alerta de (MUITO) spoiler**
Todos os que acompanham minhas resenhas de filme sabem que não está entre minhas preferências os de super-heróis. Primeiro por sempre ser algo muito surreal, segundo, e por isso mesmo, meu raciocínio não conseguir acompanhar todo o enredo, terceiro porque, não acompanhando, minha memória não funciona para que eu possa assistir as continuações. Pois bem, já assisti vários do Batman e sabia da existência do Coringa, mas então hoje fui ao cinema pela segunda vez assistir sobre sua história (eu nunca fui ao cinema duas vezes para ver o mesmo filme).
Logo no começo, primeira cena, Arthur Fleck está se pintando de palhaço, um sorriso forjado com os dedos e uma lágrima descendo pelo rosto. Não se trata daquela famosa lágrima desenhada, é uma real, que desce discretamente. Ele trabalha para uma empresa que “fornece" palhaços para eventos em geral. São tempos de violência gratuita, da banalidade do mal (salve Hannah Arendt), e Arthur é espancado por um grupo de meninos na rua. O motivo: porque querem lhe roubar a placa(?); porque só querem sacaneá-lo mesmo(?); sabe-se lá o que explica o prazer em causar dano gratuitamente ao outro. Ele leva uma bronca do patrão porque o cliente se queixou de seu sumiço, ao passo que ganha uma 38 do colega de trabalho.
Corta para a conversa com a assistente social que o "atende", e a pergunta de Arthur é: "É impressão minha ou o mundo está ficando mais maluco?”.
Arthur veio ao mundo sob a seguinte sentença: "aquele que nasceu para fazer rir e trazer alegria”. Sua mãe o chama de "Feliz”. O local onde trabalha se chama Haha’s e seu slogan é "coloque um sorriso nessa cara”. Há um imperativo à felicidade, à alegria, ao riso indispensável, a que Arthur obedece, tanto se tornando palhaço, como sonhando em ser comediante, mas, sobretudo, colocando o imperativo no real com seus ataques de riso a que ele chama de distúrbio neurológico. E todos perguntam, quando acontece: “do que você está rindo, idiota? Não tem graça". São tentativas de cumprir o destino do dizer da mãe, agora uma senhora que é cuidada (alimentação, banho, etc) por Arthur, desde cedo “o homem da casa”. Ambos vivem uma loucura a dois, para ficar mais chique, folie à deux. A mãe vive repetidamente questionando por que Thomas Wayne não responde suas cartas. Ele, um homem importante, quer se candidatar a prefeito (sim! o pai do Batman!), ela, uma mulher que trabalhou na casa dos Wayne há trinta anos.
Vamos para o segundo momento em que Arthur está de novo como um objeto a ser batido, espancado, gratuitamente. Ele acaba de ser demitido porque a arma cai de sua perna no meio de uma apresentação num hospital infantil. "É um adereço, faz parte do show", mas seu chefe não acredita e o demite aos berros, por telefone. No metrô, três babacas, os típicos cidadãos de bem de Gotham (nada que lembre nossos cidadãos de bem por aqui) estão assediando uma moça e Arthur começa a gargalhar. Não tem graça, nunca tem. Os três homens começam a espancá-lo e ele reage matando os três a tiros. É difícil admitir isso, mas a gente torce e sente um alívio quando ele consegue se levantar do espancamento brutal e mata os três. Talvez isso seja material para a polêmica em torno do filme, de que incitaria à violência. Mas me parece que a arte imita a vida mais do que o contrário, e se sentimos um certo gozo na cena, é porque podemos fantasiar ao invés de ir ao ato (salve a arte!). Depois disso, ele corre, aturdido e entra num banheiro público. Lá se desenrola uma dança que parece quase involuntária, quase tanto quanto seu riso. Uma cena que me fez arrepiar inteira e eu queria abraçar aquele ator por ter escolhido ser ator e fazer aquilo tão bem. O assassinato no metrô causa rebuliço em Gotham e o candidato a prefeito e empresário Wayne (o entojado) diz: “o problema dessas pessoas que fazem esse tipo de coisa é que não suportam as pessoas bem-sucedidas como nós, já que eles continuam sendo meros palhaços”. Arthur ouve esta fala que está sendo transmitida na televisão. Wayne é chamado a dizer algo, pois os três rapazes eram funcionários de sua empresa.
Em seu caderninho de piadas para o show de stand-up comedy que está preparando, escreve: "A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você aja como se não tivesse uma”. Na conversa com a assistente social, ela sempre lhe faz as mesmas perguntas e ele diz: “Você não escuta o que eu digo. Sempre pergunta como eu me sinto, se tenho pensamentos ruins. Eu sempre tenho pensamentos ruins. Sempre me senti como se não existisse. Você não me ouve". E parece que não ouve mesmo. Ao fim deste encontro, ela lhe dá a notícia de que a verba do programa de saúde foi cortado e, portanto, é o último atendimento. “E como vou conseguir meus remédios?". A pergunta cai no vazio.
A mãe de Arthur pede a ele que poste mais uma carta para Wayne. Ele decide abrir a maldita carta para saber o que tanto esta mulher tem a dizer. Ela pede ajuda: “somente você pode ajudar a mim e a seu filho". Estarrecido, aos berros, Arthur quer saber se aquilo é verdade. A mãe diz que na juventude, quando ela trabalhava na casa dele, se apaixonaram, mas ele achou melhor não ficarem juntos por questões sociais e que a fez assinar uns papéis. E nós ficamos sem saber se é delírio (eu ia dizer “se é verdade ou delírio”, mas um delírio não é uma verdade?). Pois Arthur vai até Wayne, que nega a paternidade e ainda diz que sua mãe é uma louca, que o adotou quando ainda trabalhava para sua família, mas que foi internada num sanatório depois. Decidido a saber de sua verdade (tanto quanto o pobre Édipo que acaba vendo justo aquilo que mais temia enxergar), vai ao sanatório e descobre que sua mãe foi diagnosticada como psicótica, que tinha um filho adotivo (ele) a quem deixava sofrer maus tratos por parte de seus namorados. Nessa cena, tudo acontece muito rápido e as questões que ficam são: a mulher era realmente louca? Ela adotou mesmo o menino ou foi obrigada a assinar papéis falsos segundo a versão da poderosa família Wayne? Se acaso não era louca, ela ficou a partir dali, a ponto de permitir que seu filho sofresse abusos físicos: “Eu nunca o ouvi chorar, ele sempre foi um garotinho tão feliz".
Ser feliz é o imperativo do Outro materno a quem Arthur está absolutamente alienado, sem corte, sem castração, foracluído. Uma psicose não tem como causa as mazelas sociais, ainda que a maneira como a loucura é tratada (ainda) seja um grave problema social, sim. Estando fora do discurso, Arthur se coloca fora da lei e, para romper com o imperativo da mãe, precisa matá-la no real. Enquanto um “neurotiquinho" qualquer passaria anos em análise, deitado no divã, matando o Outro aos poucos, Arthur faz uma passagem ao ato e diz, enquanto a sufoca com o travesseiro: “É muito difícil tentar ser feliz o tempo inteiro. Eu nunca fui feliz nesta minha vida desgraçada. Lembra quando você dizia que meu riso era um distúrbio? Eu descobri que não é, eu sou assim mesmo". Édipo mata o pai sem saber que é seu pai. Arthur mata a mãe porque sabe (o saber psicótico é intransitivo).
Para saber o desfecho (mais do que já abri meu bocão) vocês precisarão ir ao cinema, até porque minhas palavras não conseguem transmitir o impacto que o filme causa. Não relatam sobre a atuação do Joaquin Phoenix (CASA COMIGO, JOAQUIN??). Tenho para mim que ele ganhará o Oscar de melhor ator.

Isloany Machado
 é psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Dispensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros “Costurando Palavras: contos e crônicas crônicas” (2012); “Em defesa dos avessos humanos” e do romance “Nau dos amoucos” (2017). É a mãe do Adriano.


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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Lykke-Per - UM HOMEM DE SORTE

(com spoiler)
de Isloany Machado
Um amigo* me recomendou o filme Um homem de sorte (disponível na Netflix, dirigido por Bille August) e eu, vasculhando minhas anotações, resolvi que assistiria ontem. Baseado no livro “Lykke-Per”, do autor dinamarquês Henrik Pontoppidan, o filme conta a história de Peter Andreas Sidenius, um jovem de família cristã, que decide romper com a linhagem clerical e seguir seu sonho de ir para Copenhague cursar engenharia. A primeira cena do filme mostra Peter recebendo a notícia de sua aprovação na faculdade. Em seguida, frustrado com a escolha do filho, o pai faz uma oração em família pedindo a deus que mantenha o rapaz perto de seus ensinamentos, uma fala toda baseada na culpa e ameaça da fúria divina. Mas quem está furioso é Peter, que quer se libertar de sua origem religiosa tão pobre e austera. Numa discussão, o pai o amaldiçoa após o rapaz dizer que sempre se sentiu um "exilado e sem-teto" naquela casa: "Exilado seja aquele que desafia o Senhor!”. É uma cena carregada de muito ódio entre pai e filho.
Na partida, o vento da liberdade lhe tocando o rosto durante a viagem de trem (é um filme de época). Na faculdade, uma ideia obstinada: encontrar outras formas de obter energia elétrica (recursos naturais: água e vento) que não dependam do uso do carvão. Uma constante: o ódio a tudo que remete ao pai e ao cristianismo. Peter, que é muito pobre, conhece uma família de ricos judeus, fica de olho na filha mais nova, mas acaba flertando com a mais velha depois que ouve o irmão dela dizer que, por ser primogênita, a herança é maior. Isso nos dá uma visão do quanto Peter, ou Per, como passam a chamá-lo, é um homem ambicioso.
Jakobe, a filha mais velha da família judia, é muito inteligente e está noiva, mas se apaixona pelo jovem gênio e rompe o noivado. Quando ele passa um tempo na Áustria, ela lhe escreve cartas apaixonadas, às quais ele não responde. A moça chega a ir encontrá-lo e passam uns dias juntos, tempos depois ele regressa e oficializam o noivado (Jakobe está grávida, mas não diz nada a ele porque quer lhe fazer uma surpresa). Nesse meio tempo, o pai de Per morre, e a mãe vem morar na mesma cidade que ele (Copenhague) porque quer ficar perto do filho mais velho, irmão de Per que também é clérigo, como o pai.
O futuro sogro tem bons contatos e coloca Per para falar diretamente com um homem do governo, um ministro, que poderia autorizar a execução de seu projeto de energia hidrelétrica e eólica, mas quando este homem, um ex-militar de idade avançada, corrige sua postura: “Endireite as costas!", o ódio flui na expressão facial de Per e tudo está Per-dido. Ambos se insultam, o jovem o chama de velho louco e mais. Um tempo depois, o sogro organiza um consórcio de pessoas ricas que estão a fim de financiar a execução do projeto, mas ainda assim dependeriam da aprovação do tal ministro. Per recusa-se, cara-a-cara com o homem, a pedir perdão a ele por tê-lo insultado, e diz que quem lhe deve pedido de desculpa é o ministro. Mais uma vez: tudo Per-dido.
A mãe de Per morre e seu corpo será transladado de navio para o interior, de onde vieram. O irmão não poderá acompanhar o féretro (ó, falei difícil!) por motivos de trabalhos oficiais e pede a Per que o faça. Ele se recusa, mas, de última hora, decide ir. Reencontrar-se com suas “raízes", o lugar onde sempre morou e que o remetia a toda culpa cristã, à austeridade do pai, etc, logo depois de ter fracassado em seu projeto de vida, faz uma reviravolta na cabeça de Per. Chega a ter uma terrível crise de angústia e questiona o vigário que enterrou sua mãe: "será que é por causa da maldição de meu pai?". Volta para Copenhague, rompe o noivado com Jakobe que, devastada, faz um aborto discretamente em outra cidade. Tempos depois ela decide abrir uma escola para crianças carentes, longe da lógica cristã da culpabilização e do ódio, pois diz ter visto de perto o que a austeridade é capaz de fazer com uma pessoa.
Completamente perturbado e em dívidas com a família dela, volta para o interior, se casa com a filha do vigário e tem com ela três filhos. Anos depois está abençoando o filho mais velho, conferindo se as orelhas estão limpas, mandando que endireite as costas. A esposa lhe pede: “não seja tão duro com ele". Na comemoração de aniversário desse filho, Per se vê como sempre: um exilado. E então foge também dessa mulher e, inclusive de sua posição de pai, para viver sozinho no meio do nada, onde reencontrou-se com suas raízes a partir da própria solidão.
O filme não é uma lição de moral sobre a importância da humildade, como o pai de Per tanto queria fazê-lo engolir goela abaixo. É sobre a quase impossibilidade que temos de romper com aquilo que somos, com a alienação ao Outro. A obstinação e genialidade de Per o levam para longe do pai, mas as raízes do ódio estão tão fincadas nele que o fazem perder qualquer chance de realizar seu sonho. Por ódio ele se move para longe do pai e pelo mesmo ódio, torna-se algo bem parecido com ele. Os caminhos da pulsão nos levam a percorrer sempre as mesmas veredas em busca de um objeto que não existe. E sobre o amor, Per foi amado pelas mulheres, mas não sei se amou alguma delas. Ele, que se movia pelo ódio, talvez não soubesse o que era o amor, talvez não soubesse uma forma diferente de amar que não fosse odiando.
Extra 1: O nome do filme, "Um homem de sorte”, tem a ver com os ricos judeus dizerem que Per era um homem afortunado por sua genialidade.
Extra 2: Já mais velho e adoecido por um câncer, Per faz contato com Jakobe. Ela vai até ele, que a chamou porque quer lhe dar todo o dinheiro que conseguiu juntar na vida para que ela aplique na escola. Ele pergunta: “eu a magoei muito?”, ao que ela responde: “Eu não mudaria nada na minha vida. Foi por ter conhecido você que pude ser quem eu sou". Talvez Jakobe tenha amado sozinha, mas, como disse Lacan, “quem ama nunca está sozinho". Encontros assim são raros, da ordem do milagre, como também diria Lacan, ou, "são mais difíceis do que ganhar na mega sena", como diria minha analista.
(* Fui eu, Henrique, esse amigo...rs.)

Isloany Machado é psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Dispensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros “Costurando Palavras: contos e crônicas crônicas” (2012); “Em defesa dos avessos humanos” e do romance “Nau dos amoucos” (2017). É a mãe do Adriano.
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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

QUE HORAS ELA VOLTA?

de Isloany Machado
**Alerta de spoiler**
Quantas pessoas precisaram me dizer para assistir esse filme antes que eu pudesse fazê-lo? Em uma escolha (quase) ao acaso, Que horas ela volta? me fez chorar. 
Em essência, o filme diz sobre o não-lugar, o não-pertencer, conta sobre as diferenças estabelecidas entre as classes sociais. Regina Casé (sim, aquela do Esquenta!) faz a personagem principal, uma empregada doméstica que deixou o nordeste e foi para São Paulo ganhar a vida, trabalhar para sustentar a filha de dez anos que deixou por lá, sob os cuidados de outra pessoa. Mora num quartinho na casa dos patrões, faz trabalhos domésticos e cuida de Fabinho, da mesma idade de sua filha. 
Empregada não come à mesa junto com os patrões, não usa a piscina, mesmo sendo "quase da família", como diz Dona Bárbara, a patroa. A paz de todos é abalada quando Jéssica, a filha da empregada, decide ir para São Paulo para prestar o vestibular de arquitetura na FAU-USP. O que a mãe tem de subserviente, a filha tem de corajosa, dedicada e estudiosa. Além disso, Jéssica não se coloca em momento algum como inferior às pessoas da casa, o que faz com que sua mãe a tome por "sem-noção", abusada. Ela conversa com os patrões de sua mãe em pé de igualdade, fala de arte e arquitetura. Questiona a subserviência da mãe, se exaspera quando descobre que ela nunca entrou na piscina. 
A patroa, Bárbara, passa a não suportar sua presença, e o ápice do mal-estar é representado pelo pedido dela de que a piscina fosse esvaziada após Jéssica ter entrado junto com seu filho, o Fabinho, com a desculpa de que "um rato" havia sido encontrado. É, sim, para os burgueses é melhor uma piscina vazia do que "cheia de ratos". Jéssica vai embora depois que a patroa da mãe proíbe sua livre circulação pela casa. Até que consigam um lugar para morar juntas, Val permanece na casa dos patrões. Jéssica passa na primeira fase do vestibular, Fabinho não. Pela primeira vez, tomada de alegria e orgulho da filha, Val entra na piscina (cuja água está pelo joelho), num ato de insubordinação, e liga para a moça, dizendo de seu orgulho. A cena é tão linda que me fez chorar.
Para além de uma crítica social das diferenças de classes, o que mais me tocou foi o deslocamento das maternidades. Val deixa a filha pequena no nordeste, nas mãos de outra pessoa. Bárbara, a patroa sempre ausente, deixa Fabinho nas mãos de Val e ambos estabelecem de fato uma relação mãe-filho. Val somente consegue se desvincular dele e de seu emprego quando, fracassado no vestibular, Fabinho vai para um intercâmbio na Austrália. Ao mesmo tempo, descobre que Jéssica tem também um filho que deixou no nordeste (haja repetição), Jorge (elas não se falavam há mais de três anos, por isso não sabia). Assim, Val, que só pôde ser mãe de Fabinho, ou seria seu Falinho(?), o substitui por Jorge, o neto. Não são abandonos maternos, mas deslocamentos.
O que me doeu pessoalmente foi a impossibilidade dessa mulher em ser mãe da menina, mas isso é problema meu (haja divã). Que horas ela volta? Talvez não volte porque não possa, talvez porque não queira. O desejo sempre está em outro lugar.
Isloany Machado, 12.02.2019

Isloany Machado é psicóloga clínica, psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum do Campo Lacaniano de MS. Revisora de textos na Oficina do Texto. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Dispensadora da ciência e costuradora de palavras por opção. Autora dos livros “Costurando Palavras: contos e crônicas” (2012), “Em defesa dos avessos humanos” e do romance “Nau dos amoucos” (2017). Mãe do Adriano. 
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