de Luiz
Fabio Antonioli
Assisti
hoje e recomendo o filme "Sete Dias em Havana / Siete Días en
La Habana". O filme é transnacional, produção cubana,
espanhola, francesa. São sete capítulos, cada um nomeado e
ambientado em um dos dias da semana, e dirigido por um diretor
diferente. Nessa composição, é de se esperar um resultado
irregular, mas apenas um dos episódios pareceu fora de contexto.
Ainda que mais não fosse, vale pelas imagens de Havana em 2012. O
próprio formato de várias narrativas fez lembrar o "Suíte
Havana" (dir.: Fernando Pérez, 2003). A diferença é que em
Suíte Havana cada personagem interpretava a si próprio.
a. "Lunes" (episódio: 'El Yuma') é dirigido pelo ator porto-riquenho Benício del Toro, idealizador e coordenador do projeto. Assunto: um jovem norte americano recém-chegado a Cuba para estudar cinema vai passear pela cidade; seu motorista/guia vai apresentando realidades com as quais um americano jamais sonharia. Mesmas ruas, dois olhares de lugares diferentes. O final do episódio é muito bem desenvolvido e particularmente engraçado, quando a pessoa que acompanharia o jovem em uma "noche loca" sai do hotel - e se despede do porteiro, com toda a dignidade.
b. "Martes" (episódio: 'Jam Session') é do argentino Pablo Trapero, o mesmo de "Carancho / Abutres", "Elefante Blanco" e "Família Rodante". Assunto: um diretor de cinema sérvio vai a Havana para receber um prêmio. Mas não consegue estar lá: passa todo o tempo bêbado, tentando sem sucesso um contato por telefone celular com a Sérvia para resolver um problema com a namorada... a música cubana vai fazer a ancoragem desse estrangeiro, por fim. O diretor sérvio Emir Kusturica, que também tem uma banda musical, interpreta a si próprio (totalmente autobiográfico). Bela fotografia para as cenas musicais espontâneas das "descargas" (jam sessions) cubanas.
c. "Miércoles" (episódio: 'La Tentación de Cecilia') é do espanhol Julio Medem, de "Lucía y el Sexo". Assunto: a linda cantora Cecília vai ter de escolher entre a sua vida de dificuldades, ao lado de seu companheiro cubano, ou aceitar o convite tentador de um empresário (o ator Daniel Brühl, de 'Good-Bye, Lenin') para ir se apresentar na Espanha. O interesse de Cecilia pelo empresário é pessoal? Ou ela estaria mirando aquilo que ele representa (a possibilidade de deixar para trás sua vida difícil em Cuba)? A tentação de Cecília encontra uma resposta, provisória, no fim deste episódio - mas só se resolve em outro episódio ('Dulce Amargo'), no qual o personagem já não é central.
d. "Jueves" (episódio: 'Diary of a Beginner') é do palestino Elia Suleiman, de "O Que Resta do Tempo". O diretor interpreta a si mesmo: um palestino que chega a Havana para entrevistar o presidente Castro. O segmento inteiro diz respeito à situação da espera. Contemplativo e intimista, bela fotografia. Enquanto espera a tramitação burocrática, Suleiman passeia pelo Malecón, pelo zoológico e pelos corredores do Hotel Nacional... apenas para se deparar com pessoas estáticas, até mesmo de costas para seu campo de visão, ou animais escondidos. Mas essa primeira mirada não dá conta do todo de sua experiência cubana já em andamento: a questão se resolve quando o personagem se dá conta de que a espera não é algo estático, e percebe já ter encontrado respostas para as perguntas que ainda nem havia feito. Ou então, ter se deparado com novas questões.
e. "Viernes" (episódio: 'Ritual') é do francês Gaspar Noé, de "Irreversible". Na minha opinião, ele não foi feliz nessa participação. Escolheu uma abordagem exótica, com aquele olhar de europeu que não entende nada para além dos seus limites de conhecimento. Se alguém tiver de ir ao banheiro durante o filme, essa é a hora. A iluminação do ritual afro é ruim, a trilha sonora "exótico-pitoresca". Tedioso e previsível, na linha "Macumba para turista". O inesperado casal de meninas até pode convocar a resposta dos pais de uma magia ritual africana... mas, que eu saiba, os orixás não são ortodoxos quanto à heterossexualidade. Oportunidade perdida.
f. "Sábado" (episódio: 'Dulce Amargo') é do diretor cubano Juan Carlos Tabío, de "Morango e Chocolate". Um grande corte no dia a dia de uma família cubana comum, com suas dificuldades e as maneiras de superação. A mãe da família combina seu emprego formal com atividades informais (a muito custo) para manter a família, em meio a apagões e desabastecimentos em um quadro de embargo econômico... além disso, administra um marido alcoólatra, uma filha que parece apenas interessada em assistir televisão, e outra às voltas com uma decisão secreta; como se fosse pouco, ela também atua como comentarista regular de um programa televisivo, falando sobre... como se manter zen em meio às atribulações cotidianas. Ou seja, quem foi ao banheiro ou foi comprar pipocas no "Viernes", que esteja de volta para o "Sábado", que vale por dois dias!
g. "Domingo" (episódio: 'La Fuente') é do diretor francês Laurent Cantet, de "Entre os Muros da Escola". Podia ser no Brasil, tranquilamente: doña Marta sonha com a Virgem, que lhe revela que é preciso fazer uma fonte, para aí instalar seu altar, para então realizar uma grande festa em sua homenagem. Mas, sendo Cuba tão igual ao Brasil, a Virgem (católica) é uma dublê da Oxum (africana): grandes mães de duas matrizes tão distintas de pensamento, em sobreposição tranquila e sem problemas. Aqui, o corte no cotidiano cubano já não é no nível familiar, mas na pequena comunidade de um prédio, envolvida no mutirão para atendimento do pedido dessa mãe de todas as mães.
Vários personagens entrecruzam as narrativas, o que parece ainda mais interessante para indicar que as estórias de uns não excluem as de outros. Bem, se eu escrevi tanto é porque recomendo muito. Não gosto de espiar o que vai acontecer antes da sessão de cinema, e só consulto os sites dos filmes depois; mas isso é critério de cada um.
a. "Lunes" (episódio: 'El Yuma') é dirigido pelo ator porto-riquenho Benício del Toro, idealizador e coordenador do projeto. Assunto: um jovem norte americano recém-chegado a Cuba para estudar cinema vai passear pela cidade; seu motorista/guia vai apresentando realidades com as quais um americano jamais sonharia. Mesmas ruas, dois olhares de lugares diferentes. O final do episódio é muito bem desenvolvido e particularmente engraçado, quando a pessoa que acompanharia o jovem em uma "noche loca" sai do hotel - e se despede do porteiro, com toda a dignidade.
b. "Martes" (episódio: 'Jam Session') é do argentino Pablo Trapero, o mesmo de "Carancho / Abutres", "Elefante Blanco" e "Família Rodante". Assunto: um diretor de cinema sérvio vai a Havana para receber um prêmio. Mas não consegue estar lá: passa todo o tempo bêbado, tentando sem sucesso um contato por telefone celular com a Sérvia para resolver um problema com a namorada... a música cubana vai fazer a ancoragem desse estrangeiro, por fim. O diretor sérvio Emir Kusturica, que também tem uma banda musical, interpreta a si próprio (totalmente autobiográfico). Bela fotografia para as cenas musicais espontâneas das "descargas" (jam sessions) cubanas.
c. "Miércoles" (episódio: 'La Tentación de Cecilia') é do espanhol Julio Medem, de "Lucía y el Sexo". Assunto: a linda cantora Cecília vai ter de escolher entre a sua vida de dificuldades, ao lado de seu companheiro cubano, ou aceitar o convite tentador de um empresário (o ator Daniel Brühl, de 'Good-Bye, Lenin') para ir se apresentar na Espanha. O interesse de Cecilia pelo empresário é pessoal? Ou ela estaria mirando aquilo que ele representa (a possibilidade de deixar para trás sua vida difícil em Cuba)? A tentação de Cecília encontra uma resposta, provisória, no fim deste episódio - mas só se resolve em outro episódio ('Dulce Amargo'), no qual o personagem já não é central.
d. "Jueves" (episódio: 'Diary of a Beginner') é do palestino Elia Suleiman, de "O Que Resta do Tempo". O diretor interpreta a si mesmo: um palestino que chega a Havana para entrevistar o presidente Castro. O segmento inteiro diz respeito à situação da espera. Contemplativo e intimista, bela fotografia. Enquanto espera a tramitação burocrática, Suleiman passeia pelo Malecón, pelo zoológico e pelos corredores do Hotel Nacional... apenas para se deparar com pessoas estáticas, até mesmo de costas para seu campo de visão, ou animais escondidos. Mas essa primeira mirada não dá conta do todo de sua experiência cubana já em andamento: a questão se resolve quando o personagem se dá conta de que a espera não é algo estático, e percebe já ter encontrado respostas para as perguntas que ainda nem havia feito. Ou então, ter se deparado com novas questões.
e. "Viernes" (episódio: 'Ritual') é do francês Gaspar Noé, de "Irreversible". Na minha opinião, ele não foi feliz nessa participação. Escolheu uma abordagem exótica, com aquele olhar de europeu que não entende nada para além dos seus limites de conhecimento. Se alguém tiver de ir ao banheiro durante o filme, essa é a hora. A iluminação do ritual afro é ruim, a trilha sonora "exótico-pitoresca". Tedioso e previsível, na linha "Macumba para turista". O inesperado casal de meninas até pode convocar a resposta dos pais de uma magia ritual africana... mas, que eu saiba, os orixás não são ortodoxos quanto à heterossexualidade. Oportunidade perdida.
f. "Sábado" (episódio: 'Dulce Amargo') é do diretor cubano Juan Carlos Tabío, de "Morango e Chocolate". Um grande corte no dia a dia de uma família cubana comum, com suas dificuldades e as maneiras de superação. A mãe da família combina seu emprego formal com atividades informais (a muito custo) para manter a família, em meio a apagões e desabastecimentos em um quadro de embargo econômico... além disso, administra um marido alcoólatra, uma filha que parece apenas interessada em assistir televisão, e outra às voltas com uma decisão secreta; como se fosse pouco, ela também atua como comentarista regular de um programa televisivo, falando sobre... como se manter zen em meio às atribulações cotidianas. Ou seja, quem foi ao banheiro ou foi comprar pipocas no "Viernes", que esteja de volta para o "Sábado", que vale por dois dias!
g. "Domingo" (episódio: 'La Fuente') é do diretor francês Laurent Cantet, de "Entre os Muros da Escola". Podia ser no Brasil, tranquilamente: doña Marta sonha com a Virgem, que lhe revela que é preciso fazer uma fonte, para aí instalar seu altar, para então realizar uma grande festa em sua homenagem. Mas, sendo Cuba tão igual ao Brasil, a Virgem (católica) é uma dublê da Oxum (africana): grandes mães de duas matrizes tão distintas de pensamento, em sobreposição tranquila e sem problemas. Aqui, o corte no cotidiano cubano já não é no nível familiar, mas na pequena comunidade de um prédio, envolvida no mutirão para atendimento do pedido dessa mãe de todas as mães.
Vários personagens entrecruzam as narrativas, o que parece ainda mais interessante para indicar que as estórias de uns não excluem as de outros. Bem, se eu escrevi tanto é porque recomendo muito. Não gosto de espiar o que vai acontecer antes da sessão de cinema, e só consulto os sites dos filmes depois; mas isso é critério de cada um.
Luiz Fabio Antonioli é arquiteto, formado pela FAU-MACK e mestre em Projeto, Espaço e Cultura,
pela
FAU-USP. Atualmente, pesquisa a produção de espaços urbanos para
exposição de arte (ECA-USP)
e,
paralelamente, a produção de arte em espaços urbanos (FAU-USP),
sempre na perspectiva de
abordagens
transdiciplinares para a investigação do fenômeno arquitetônico.