sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

On Your Way - reflexões

 de Fátima Penha de Medeiros


O curta-metragem, com apenas seis minutos de duração, “On Your Way”, dirigido por Thomas Sali, trás a cena de duas pessoas caindo do céu, em queda livre, atraídas, inexoravelmente, pela gravidade da Terra.

Entendo que trata-se de uma metáfora sobre a condição do ser humano, enquanto ser mortal, e sua forma original de lidar com esse saber sobre si.

O filme trás a gravidade como representação da morte; a queda em si representando a trajetória da vida e suas lutas vãs ou seja, o caminho; os corpos caindo, somos nós, viventes caminhando em direção à morte.

Esse curta metragem, inteligente e impactante, me inspirou a escrever este texto reflexivo sobre a vida, o caminho e a morte.

Qual é o seu caminho? Existe uma definição possível que descreva o que é a vida? O que fizemos com a morte?

A cena do filme, onde o casal em queda livre, prende-se à pedaços da nave, que também está em queda livre, nos mostra como o ser humano agarra-se a objetos efêmeros na vã tentativa de iludir-se sobre a sua condição. Aparentemente, nascemos para a vida, mas o destino da vida é a morte e o caminho, entre um e outro, se resume, no final das contas, em passar o tempo criando subterfúgios, fórmulas capazes de nos enganar, sobre o real de que não há, sequer, um único caminho capaz de dar fuga ao encontro final…

Associei essa cena à tragédia de Édipo, onde ao tentar fugir de seu destino, marcado pelo oráculo, ele vai direto a seu encontro e o realiza, independente de sua vontade.

O ser humano luta contra essa ideia, contra a sua verdade, utilizando todos os recursos possíveis, dentro da sua condição de seres da linguagem, seres falantes, faltantes, criativos e imaginariamente curativos. Às vezes fantasiando a possibilidade de uma vida eterna, juventude eterna, beleza eterna, outras vezes apenas acreditando, esperando, lendo uma poesia, assistindo um filme, amando, bebendo e falando com um amigo, saboreando os pratos favoritos, curtindo um momento, olhando a lua, o mar, o sorriso de alguém ou uma lágrima, rindo ou chorando, sabotando seus sucessos ou deixando que eles aconteçam; vencendo, perdendo, pagando com dinheiro, pagando com o corpo, comprando, vendendo, tentando dominar o tempo, o feio e o belo.

Enfim, ter o falo, objeto da completude, que levaria, se fosse possível de ser conquistado, à morte do sujeito do desejo, mas com sorte, ele sempre escapa, contemplando apenas a eterna insatisfação do sujeito mortal. Tudo isso é o caminho, é a vida e também a morte. Por mais rotas de fuga que possamos criar, a morte é nosso destino inexorável e haveremos de cumpri-lo.

Então, o que é mesmo a vida? A vida é a morte? Sim! Mas não é só isso! Existe também um espaço de tempo, o tempo de uma queda livre do céu, um caminho, o seu caminho.

O significante “morte”, nos ensina Lacan, não existe no inconsciente, afinal, a morte é sempre do outro, só experimentamos a morte quando morremos e não voltamos para formular seu significado, junto ao nosso analista. Ainda bem! Assim, ninguém sabe o significado da morte, possivelmente, o que a torna um tabu. Tabu quase sempre assusta.

Poderia a morte, se não fosse expulsa da consciência, ser objeto de desejo às avessas, igual a tantos objetos que criamos/compramos no dia a dia e que custam tão caro, pois pagamos com nosso corpo, com nosso tempo de vida, o tempo da queda, a fim de seguirmos desejantes e usufruirmos do caminho? Quem sabe, percorrer o caminho sem fugir da morte e usá-la como combustível, um norte, na melhor forma, como dizia Lacan, em conformidade com o seu desejo!

Afirmo: isso não é fácil! A parte "em conformidade com o seu desejo" é a mais difícil, afinal somos sujeitos divididos.

O que você faz no seu tempo de queda? Se agarra a algo que também está em queda livre, como você? Existe algo entre o céu e a gravidade que não esteja em queda livre? O tempo é curto, mas é o que temos.

Fátima Penha de Medeiros é psicanalista.

filme completo