sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Menino do Pijama Listrado

por Teresa Cabral


O filme é repleto de simbolismos, de meias verdades, de luz e sombra. O clima é tenso e o conteúdo denso.
As cenas que retratam a crueldade, a manipulação, o controle, a mentira e outros sentimentos destrutivos, e nem por isso menos humanos, contrastam com os vários momentos de generosidade, de cuidado, de disponibilidade e abertura para a amizade, o encontro com o diferente e a troca.
Pareceu-me impossível não pensar sobre a questão do bem e do mal. Geralmente é mais fácil ver o mal no outro. Mas, esquecemos que o mundo externo é um reflexo do nosso mundo interno. Portanto, se há maldade no mundo, consequentemente deve haver maldade em mim.
Qual a minha responsabilidade e a de cada um de nós em relação ao mal que existe ao nosso redor e no mundo que vivemos? Tema delicado, complexo e polêmico. Mexe em valores, moralidade, ética... Talvez seja melhor deixar para uma outra oportunidade.
Voltando ao filme: Bruno, um menino de 9 anos, olha pela janela de seu quarto e descobre ao longe uma moradia estranha, muito diferente das que está acostumado a ver. Sua curiosidade é atiçada e o local torna-se uma mina a ser explorada.
Muitas personagens nos chamam a atenção: o cozinheiro, que num gesto de cuidado socorre Bruno quando este, cai no quintal. Bruno descobre que o cozinheiro não deve ser um bom médico, afinal, ele descasca batatas! A simplicidade com que a criança entende o mundo. O constrangimento da mãe, ao saber que um nazista cuidou do seu filho. Várias facetas de um mesmo espectro.
A avó sempre muito crítica e consciente do que está acontecendo na Alemanha, com o seu filho, com sua família. Lembra-nos Cassandra da mitologia grega, que fala das suas visões e é desacreditada por todos! Uma mulher de sentimentos?
O pai sempre frio e distante, cumprindo sua missão. Será que realmente acredita que o que está fazendo é o melhor? Ou é o mais conveniente? O que será que passa pelo sentimento e razão de tão imponente e altivo militar?
Para Jung, a função sentimento é valorativa. Com ela fazemos afirmações de avaliações, ela confere o valor . Uma pessoa com função sentimento bem desenvolvida, tem a capacidade de sentir as coisas como boas ou más, feias ou bonitas, justas ou injustas. Pessoas com essa função empobrecida ou mal desenvolvida, não conseguem reagir às situações com julgamento valorativo adequado.
A função sentimento, por vezes tão desvalorizada, é essencial para a superação do mal. Por outro lado, o mal pode ajudar no incremento do desenvolvimento da função sentimento. Se não houvesse mal, não haveria reações de sentimento , o que é um grande paradoxo. Portanto, o mal tem uma função, e com ele temos muito a aprender. Talvez, para nos humanizarmos, o confronto com o mal seja absolutamente necessário.
Novamente, um aspecto polêmico. Especialmente para a cultura judaico cristã, onde ser bom é fundamental e imprescindível. Mas será que o ser humano já tem nível de consciência suficiente para ser totalmente bom e eliminar o mal? Será que um dia o mal será eliminado? Sem o mal, como a função sentimento será desenvolvida? Vários aspectos para refletir.
Então, Bruno conhece Shmuel – o garoto do pijama listrado. Nasce uma grande amizade, onde todas as diferenças culturais e ideológicas não são levadas em conta. Os diálogos são de profunda sensibilidade e ingenuidade. Mesmo quando Bruno nega conhecer seu amigo, o sentimento se faz presente e a culpa vem como uma possibilidade de reparação. A amizade se fortalece, e o desejo de ajudar o amigo sela o destino dos dois.
O nazismo é uma das grandes chagas da humanidade, sem dúvida. Uma grande ferida que ainda hoje, sangra e comove, todas as pessoas com função sentimento minimamente desenvolvida. Porém, continuamos a lidar no dia a dia com índices elevados de miséria, regimes políticos ditatoriais que desrespeitam a dignidade humana, preconceitos de todos os tipos, capitalismo selvagem. Descaso dos mais variados matizes, parecem debochar da dor e o sofrimento humano, ou melhor, dos seres vivos. Os animais, e a natureza também não são poupados.

Teresa Cristina Cabral é psicóloga e supervisora clínica de orientação junguiana.