por Heloisa Grobman
Amor e Ódio é um filme que retrata
a ocupação nazista na França, ambientado em Paris no ano de 1942. Na bela
cidade o contraste entre a alegria anterior dos judeus franceses e o golpe de
Hitler sobre eles, negociado com o governo francês.
A crença nos ideais
franceses e a luta por estes havia assegurado estas famílias de enfim estarem
acolhidas e protegidas pelo país. É exatamente isto que dificulta o
reconhecimento e fuga da situação apesar das notícias, um sentimento de
esperança, que vai atravessar o enredo, personagens e público, do início ao
final do filme.
Dos personagens, alguns marcam
"corpo e alma" da ocasião, como o ex-combatente que acredita na
gratidão e proteção francesa à sua família, sua mulher judia e seus filhos dos
quais um irá sobreviver,” Jo” . De outro grupo familiar, a mãe morre durante a
ocupação e de seus filhos, o pequeno "Nono" também será personagem
que marcará os sentimentos de esperança e de amor que persistem durante o
processo.
Retirados de suas casas, mais de
20 mil judeus, crianças, mulheres, idosos e mesmo aqueles que estavam
hospitalizados são levados a um ginásio em Paris, onde passam alguns dias até
que as negociações entre Hitler e o governo francês chegam a cabo, quando então
são levados para campos de concentração ao leste da Europa. A trajetória até o
extermínio passa pela separação de homens, mulheres e crianças e assim as
famílias se desfazem e a cada passo vão percebendo seu destino cruel .
Momentos de alegria e soltura
entre os personagens, enquanto juntos no ginásio e no primeiro campo de
concentração, são bem retratados em cenas nas quais as crianças brincam, as
famílias jogam cartas e dançam os casais e crianças empolgados pela música, em
meio à fome e a repressão dos soldados, exemplo do sentimento de amor e
esperança nutrido pelos ideais franceses nos judeus que moravam neste país na
ocasião. Este detalhe se torna fio condutor da história, e nos faz questionar
as diferentes vivências do holocausto, em acordo com as diferentes culturas de
cada povo judeu na Europa, levado ao extermínio por Hitler.
Personagens fundamentais no
enredo, o médico judeu que levado no grupo para a mesma finalidade, tem a
permissão de tratar os doentes, e a enfermeira protestante que acompanhará as
crianças até o penúltimo momento, quando se perde delas e do pequeno Nono.
O final comovente com alguns
sobreviventes fugitivos, personagens que melhor representavam os sentimentos de
amor e de esperança, quer pela íntegra oposição aos nazistas ou pela total inocência do que
viviam.
No “pano de fundo”, Hitler é
interpretado em constantes festas e reuniões sociais, é menos fanático e mais
consciente do que faz do que costumeiramente representado em outros filmes e
documentários. As relações com os governantes franceses revelam a preocupação
destes quanto à imagem que abalada traria perda de poder e abalo econômico para
França, que até então cedia sua população judia em nome de uma pretensa
barganha de liberdade temendo os próximos avanços nazistas no país, que de fato
ocorreram.
Lançando um olhar foucaultiano,
vemos um discurso intrínseco centrado no anti-semitísmo, e além , fazendo
“borda”, uma disposição extradiscursiva
determinante do evento histórico,
ou seja, comparando com outros eventos de segregação e perseguição na história,
os mesmos interesses econômicos,
políticos e religiosos como condições de possibilidade.
Este olhar sobre crime e doença
com origem em determinantes sociais, é coincidente com o entendimento de Lacan
(1966):
“Nem o crime nem o
criminoso são objetos que possam ser concebidos fora de uma referência
sociológica”
(em Os Escritos –“ Introdução teórica às funções da psicanálise
em criminologia”).
Podemos considerar neste sentido
os aspectos econômicos da Alemanha pós 1ª Guerra, sua necessidade de
reerguer-se economicamente, como condição para a inversão do sentimento de
inferioridade em exacerbação nacionalista, a “raça ariana” sonho enaltecido por
Hitler entra como aspecto “religioso” visto por este ângulo, no sentido em que
faz efeito de verdade sem crítica, capaz de doutrinar os soldados e forças de
guerra alemãs às maiores barbáries e crimes contra a humanidade.
A sociedade européia neste clima,
após a 1ª Guerra, ofendida em suas condições “civilizatórias”, em sua lógica
burguesa, organizada desde a consolidação da burguesia enquanto classe política
e economicamente dominante; permite o crescimento do nazismo, e assim o papel
de “bode-expiatório” para os judeus, enquanto de fato é no interior de cada
país e no conjunto destes em desenvolvimento capitalista, que as diferenças
sociais ameaçam a própria estabilidade das classes dominantes.
Vemos este fenômeno bem
representado pelo comportamento dos soldados no filme, muitas vezes empáticos
com os judeus aprisionados, com o mesmo sentimento de dominação e sujeição,
próprio da hierarquização militar.
Ressaltar o aspecto político-econômico
como condição tanto para a 1ª como para a 2ª guerra, torna-se necessário para o
entendimento mais aproximado das figuras de “corpo e alma” daquele momento,
atravessadas pelas formas sociais, civilizatórias e de religião, produto e
produtoras de subjetividades.
Heloisa Grobman é Psicanalista com experiência
em Psicopatologia,
Filosofia, Desenvolvimento Infantil e em Políticas Públicas com ênfase na Saúde
Mental.
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