por Henrique
Senhorini
As
Horas - premiado filme do diretor Stephen
Daldry (que já havia
dirigido o bom filme Billy
Elliot e mais
tarde O Leitor),
baseado no livro de Cunningham que
se inspirou no famoso Mrs.
Dalloway de Virginia
Woolf.
Num
primeiro momento, pensei muito em tratá-lo como via preferencial
para discutir sobre a mulher e o feminino. Em seguida, sobre a
depressão e a melancolia. Depois sobre o tema Morte (tão difícil de aceitar, porém é "a finalidade de toda vida"). Por fim - após alguns anos deixando-o
descansar - escolhi um outro víeis para ler o filme:
“Eu
mesmo compro as flores.”
Essa frase aparece no filme (como significante mestre?) iniciando as três histórias de mulheres que possui o livro Mrs. Dalloway (outro significante?) como baliza, condutor e entrelaça-dor das histórias apresentadas, cada uma delas, em lugares e épocas distintos seguindo uma linha temporal:
a)
Anos 20 – Virginia Woolf – Inglaterra
b)
1951 – Laura Brown – Las Vegas (USA)
c)
2001 – Clarissa Vaughan – NY (USA)
Além
dessa frase, que também inaugura o livro, percebemos que outras
questões também significativas – algumas já citadas acima -
perpassam as histórias, como a tristeza, a melancolia, a depressão,
o suicídio. Mais a questão do feminino, sexual e a homoafetiva.
Para não perder o bonde, na psicanálise há diferenças entre
homossexualidade e homoafetividade?
Porém,
o que me chamou mais a atenção foi a problemática da escolha.
E
não se trata de uma escolha qualquer, mas, no mínimo, das mais
importantes: como viver? como morrer? mais ainda, viver ou morrer?
Escolher
é quase sempre muito difícil e complicado, pois ela - a escolha -
já traz consigo uma perda, uma renuncia. Por isso, há uma grande
evitação em escolher, em tomar decisão por uma alternativa entre tantas outras. Tanto é assim, que muitos ficam com a escolha de não escolher – a
preferida pelos neuróticos histéricos e obsessivos. Esses últimos
então sofrem e mais sofrem...
Bem,
vejamos algumas cenas.... Primeiro no caso de Virginia Woolf:
tem
a cena do passarinho morto: “parece tão tranquilo”; “vivo uma
vida que não desejo viver. Minha vida foi tirada de mim”; “não
se pode ter paz evitando a vida”; “Até loucos gostam de ser
convidados para festa”. E …“não posso mais ficar atrapalhando
tua vida”.
Woolf,
diante das alternativas em ceder ou em não ceder de seu desejo, faz
sua escolha: a morte.
Na
segunda história, a dona de casa Laura demonstra todo seu
desconforto em ocupar a posição social (como era esperado na época)
de boa esposa, dona de casa e mãe com sua mudez...e mais a questão
da homossexualidade transbordando. E por não conseguir outras
alternativas para suportar a insuportabilidade que se apresenta na
sua condição de mulher ideal, faz sua escolha: a morte.
Já
na terceira história, a da editora Clarissa, percebemos todo um
amor, carinho, afeto, cuidado que ela tem para com Richard. Este –
muito doente e com a vida super limitada por conta da aids - fica
entre merecer ou não o reconhecimento. Mas, não era pelo Outro
fundamental. Decide pela morte. (Poderíamos entrar aqui numa
outra discussão sobre Richard: Houve falhas significativas de
investimento libidinal em seu narcisismo primário ou no secundário?
Mas, vamos deixar para um outro momento.)
Cabe
algum tipo de julgamento, seja de ordem moral, religioso, social e
cultural sobre essas escolhas?
Escolheram
erroneamente?
Tinham
liberdade de escolha?
Como
analistas podemos apontar uma escolha ao paciente?
(é
bom lembrar que ao analista cabe apenas esclarecer pontos, questionar
essa escolha, até dar sustentação para que essa possa ser refeita.
Porque o analista aposta que a posição subjetiva do sujeito pode
ser modificada, refeita, desconstruída e reconstruída,
re-inventada... Porém, cabe ao sujeito escolher por si mesmo.)
Em
“Mal-estar da civilização”, Freud afirma a necessidade de cada
um salvar-se a sua maneira frente à dureza da vida, me fez
pensar - mais uma vez – sobre a questão da escolha:
O
que leva um sujeito a fazer uma escolha, especificamente escolher a
morte?
Aqui
podemos até evocar a noção do livre-arbítrio, mas será válida?
Interessante
que essa questão sobre o livre-arbítrio suscitou outras tantas:
- Somos realmente livres para escolher?
- Ou estamos escolhendo através do modo que fomos constituídos, juntamente com nossa historicidade, com nossa herança genética, ancestral, com nosso ambiente e mais o acidental?Isso sem contar as nossas fantasias, a nossa realidade psíquica que é mais decisiva para nós que a realidade objetiva, concreta, factual.De acordo com Freud, “A livre escolha... não é propriamente uma escolha livre...”
(Freud
nos ensina que o tipo da resposta de nossas escolhas depende da
especificidade de cada sujeito e da singularidade da interação
entre constituição psíquica e circunstâncias do ambiente e da
história de cada um.)
Bem,
eu disse que na segunda história, a dona de casa Laura escolheu a
morte e morreu. Vocês podem argumentar – com propriedade – que
ela não morreu. Mas insisto... ela morreu para seu filho e para
aquele tipo de vida que levava. Trata-se de uma morte simbólica?
Porém,
a morte foi bem concreta para a primeira história tanto quanto para
última história.
E,
mais uma vez, fui socorrido. Desta vez, remetido para o texto
freudiano de 1913, O tema dos três escrínios, encontrei
bases para pensar que a escolha no suicídio se colocou “no lugar
da necessidade, do destino”.
Retornando
ao filme, Virginia Woolf deixa claro toda a sua insatisfação com a
vida limitada e aprisionada que levava em várias passagens, mas tem
uma em especial, na qual ela diz: “Vivo uma vida que não desejo
viver. Minha vida foi tirada!”
Estaria
Virginia fazendo um trabalho de reconhecimento e elaboração da
castração, da sua condição faltante? Não é justamente através
do modo como se enfrenta a castração que fazemos nossas escolhas?
E
ela se mata !!!
“Desta
maneira, o homem supera a morte, que reconheceu intelectualmente. Não
é concebível maior triunfo da realização de desejos.” diz Freud
em “O tema dos três escrínios” no qual mostra a escolha mais
singular, mais única do sujeito: o desejo.
E
diz mais: “Faz-se uma escolha onde, na realidade, há
obediência a uma compulsão...”.
Percebam
que Freud utiliza o termo obediência e não determinismo.
Mas,
vamos voltar ao filme, na história do Richard. Cenas densas com sua
Clarissa Mrs. Dalloway. Sua paixão, sua amada, sua mãe? Não era
assim que ela se apresentava? Amorosa, cuidadosa e cuidadora?
E
Richard, perante a encruzilhada que se formou – além de todas as
suas limitações na vida prática - em aceitar ou não – através
de um prêmio – o reconhecimento da sociedade, revive intensamente
a dor do abandono, do desamparo e da falta. E podemos pensar, como
hipótese: Um prêmio pode reconhecer o que não foi reconhecido pelo
Outro fundamental? Dá para fazer suplência? Richard responde com
seu ato sua escolha: a morte!
Nesse
ponto, podemos nos aproveitar, para o caso do Richard, de uma
interpretação - nas palavras de Freud, de uma forma
alegórica superficial – no texto de 1913, ao Rei
Lear (de Shakespeare) na qual ele apresenta as três
relações inevitáveis que um homem tem com uma mulher: “a mulher
que o dá à luz, a mulher que é a sua companheira e a mulher que o
destrói; ou que elas são as três formas assumidas pela figura da
mãe no decorrer da vida de um homem - a própria mãe, a amada que é
escolhida segundo o modelo daquela e por fim a Terra Mãe, que mais
uma vez o recebe.”
(o
modelo também pode ser substituído por seu oposto)
Então,
Richard saltou para ir ao encontro da mãe? Ao reconhecimento materno
que não lhe foi dado? Foi atrás de as Horas? As Horas seria um
significante mestre?
Bem, M.Cunningham foi
leitor de Virginia Woolf que por sua vez foi
leitora de Freud e este leitor de Shakespeare. Nós somos leitores de
Shakespeare, de Virginia Woolf, de Cunningham,
de Freud e de seus leitores... E sabemos: isto produz
efeitos...Efeitos de transmissão..
Penso
que é aí que as histórias fundem-se de vez, tornando-se uma só história.
Também,
segundo uma leitura de Karin de Paula, outra coisa interessante
é notar a linha de articulação entre os personagens do filme, de
diferentes universos e tempos, nos é encaminhada a partir de alguns
elementos que são grampos que prendem as estórias; que parecem
produzir as estórias... a estória como efeito desses grampos, de
alguns significantes. Por ex.: “ Acho que eu mesma vou comprar as
flores” é o primeiro deles... Esses
grampos são significantes por que estão implicados não pelo que
representam, mas pelas novas representações que produzem. São
elementos que geram novas ligações...novas experiências... Ao
longo do filme podemos ter esta impressão que a história é outra e
ao mesmo tempo, uma leve impressão de que algo se repete... Algo que
os faz e nos faz confiante e aterrorizados ao mesmo tempo...
ainda em cima...
As Horas na mitologia
As Horas na mitologia
No
texto “O tema do três escrínios”, Freud – por conta de uma
interpretação – é levado para a mitologia grega, na qual
deusas-irmãs estavam relacionadas entre si. As Horas eram
originalmente deusas das águas do céu. Responsáveis pela chuva e o
orvalho e pelas nuvens, das quais a chuva cai. Como as nuvens eram
vistas como algo que fora tecido, essas deusas passaram a ser
conhecidas como fiandeiras, atributo que depois passou a ser dado às
Moiras. Com o tempo, o
simbolismo das Moiras foi se
modificando e passaram a representar a força misteriosa do destino.
A primeira representa o acidental, que está incluído na
regularidade do destino, corresponde à experiência. A
segunda é a disposição inata. Já
a terceira e última representa, por sua vez, o
‘inelutável’, aquele que não se pode lutar, ou seja, a Morte.
A divindade existe para lembrar ao homem da
sua condição mortal. Além disso, Freud lembra que as grandes
deusas-mães dos povos orientais parecem ter sido tanto deusas da
vida e da fertilidade, quanto deusas da morte.
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