de
Arnaldo Domínguez
“Quiçá
morramos nesse instante em que nos demos conta, em que admitimos que
o
mal
tem uma estrutura lógica” (Santuário)
– Osvaldo Lamborghini, fevereiro, 21, 1983. Carta à César Aira.
A
feminilidade insuportável.
Esses amos e seu séqüito obediente!
Não podemos perdoá-los quando não sabem o que dizem.
O fato é que os humanos somos cruéis (nem sempre
frios) com relação à fragilidade própria ou dos ditos semelhantes
e sofremos de propensão ao bullying. Entretanto, nossa condição
temporária na existência – entre o gozo e a dor e, nos extremos
fundamentalmente, inter faeces et urinas – é
cercada por fragilidade e desamparo, oriundas dos mundos interno e
externo intimamente inter-relacionados.
Buscamos o aconchego do outro (Outro) através de vias
amorosas e/ou sexuais. Isso também se compra. E, tantas vezes –
quando fixados na compulsão à repetição – encontramos a série
do sofrimento e da desilusão. Muitos/as gozam disso desabonando o
novo que emergir. Dentre os quais, certamente, os fundamentalistas
que promovem a fidelidade absoluta do/ao Grande Outro. Amor extático
ao morto, pois ele seria o único capaz de cumprir as promessas.
Lamentavelmente este Ser mítico – meio touro – nada nos
prometeu. Em seus planos criadores não previu a nossa felicidade
terrena.
Inqüestionável e obscuro – pela via da negativa e da
projeção – exige em sacrifício um humano expiatório. Razões
promotoras de transformação de sujeitos em objetos (fóbicos,
fetiches, melancólicos, instrumentalizados para o Gozo do Outro).
Convertidos em signos denotativos do mal e da
banalidade.
Curto circuito.
A diferença homem – mulher não pode ser inserida no
inconsciente, afirmou Freud, ao referir-se à dimensão sádica do
coito quando descreveu as teorias sexuais infantis. Entretanto, a
saída do Complexo de Édipo se daria pela via da identificação às
instâncias parentais (ou substitutas), constituindo o núcleo do
super-eu, crítico e imperativo.
Chamou recentemente a minha atenção o relato de muitas
analisantes que sucedeu ao último “dia das mães”. Seus maridos
“estragaram” a comemoração. Num dos episódios (referidos na
clínica), tal situação conflitiva desencadeou a ruptura definitiva
da relação.
“Pode ocorrer – escreve Freud em Psicologia das
Massas – que o pai, numa postura feminina, seja tomado como objeto,
do qual as pulsões diretamente sexuais esperam sua satisfação, e
assim a identificação com o pai se torna precursora da ligação
objetal com o pai. O mesmo vale, com as substituições pertinentes,
para a filha pequena”.
O pai: que se gostaria
de Ser.
Que se gostaria de Ter.
Tal assertiva freudiana é, digo eu, assaz ambígua e
contraditória. Penso que Lacan ultrapassou-a ao afirmar: Nem to be
nem not to be. Ter (o falo simbólico), a condição adulta para
gozar da vida.
Voltando à clínica e sua soberania.
Um homem que sofria de grave sintoma fóbico vinculado à
chuva – e que, curiosamente, havia escolhido para morar uma região
serrana, chuvosa – quando se 'armava a tormenta', corria ao berço
do bebê, seu filho, e encostava sua cabeça no peito do infante.
Quem pudesse observar concluiria que esse pai era um herói protetor.
Todavia, muito envergonhado, confessou-me que – em verdade –
buscava nesse abraço a proteção do filho.
É isso que eu chamo de “Édipo Invertido”. Quando o
pai rivaliza com o filho, mesmo que tal abuso monte uma cena terna,
equiparando-se e lhe roubando o lugar que ele merece de fato e de
direito. “Meu pai me abraça, meu pai me ama”, acreditará. Não
só de espancamentos se constituem as perversões.
Há algo desta ordem nos estragos da comemoração
materna. E parece mais freqüente do que gostaríamos de admitir,
forçando-nos a reatualizar a teoria da sedução abandonada (?) por
Freud em 1897.
Quero aproveitar, aqui, para homenagear e agradecer
devidamente ao meu pai, quem, nessas datas simbólicas, combinava
comigo o secreto com o que eu surpreenderia a minha mãe – afinal,
criança e sem mesada... - deixando assim a constância de que o
lugar de filho me pertencia. Digamos que corrigiu o estrago narcísico
do nome (que demorei a torná-lo próprio). Nem tudo pode dar certo.
Porém, eu pude escolher o cartão que tinha inscrita a dinâmica
estrutural: “madrecita mía”. Mulher dele.
Dinâmica
esta facilitadora da ambivalência afetiva bilateral fundamental ao
Complexo e sua dissolução e que me habilitou para amar homens,
mulheres, bichos e a terra, planeta água. Claro que não tod@s!
Amar, como disse Rilke aproximadamente, sendo o encontro
das fragilidades que em lugar de se hostilizarem, se protegem.
Contudo, há – em todos os pais – um quê de
inversão edípica. Experiência revivida em cada nova filiação,
assim como os analistas revivemos algo da própria análise em cada
atendimento. Contratransferência calculada, digamos. Tem outra, a
incalculável.
Que pode tornar-se negativa e daninha. Sobre tudo quando
insiste qual interesse exclusivo.
O interesse exclusivo do homem pela mulher também é
algo que merece esclarecimento psicanalítico. Como tudo o que for
excludente e forçado. Ou, ou.
Sempre pode ocultar algo da ordem do fetichismo para
além do investimento parcial embutido no amor. Ou do canibalismo,
primeira identificação. Decifra-me ou te devoro! (Uma analisante
demandava ameaçadora ao sujeito do suposto saber: decifra-me ou “me”
devoro! E eu situei ali o ativo esforço da satisfação masoquista).
Analistas que se “chocam” - ou que temem uma
reviravolta em suas cenas primárias quando se deparam com certas
montagens fantasmáticas dos analisantes, cada vez mais atuadas no
mundo da janela virtual - e que prefeririam envia-los/as para
além-mar para ver se encontram por lá – bem longe – seus
destinos funestos, como escrevera Freud ao triestiano Weis
referindo-se a seu primo irreverente, também inscrevem-se nesta
categoria da inversão.
Isso não significa que minha proposta seja a de atingir
o extremo (masoquista) de suportarmos qualquer coisa. Risco que
sempre corremos com nossa oferta-demanda na posição de objeto.
Há limites! Isto disse uma analista ao expulsar um
analisante que, ao depois, concluiu comigo a sua análise. E ali
soubemos que os limites dela esbarraram na moral de um curto
circuito. O que também representa uma das aporias perigosas deste
nosso método nada inofensivo.
Finalizo com uma questão inspirada em Collete Soler e
transformada por mim.
Porquê não seria possível, um homem, oferecer-se como
objeto para outro – o mesmo vale para uma mulher e outra – sem
que com isto se busque o sofrimento?
Será sempre uma perversão?
Não existirá a perspectiva de que o amor seja por
outro? Semelhante na falta (duas carências), mas, definitivamente,
outro. O que implica em não negar as diferenças.
E então, por fim, tenhamos que chamá-los de “héteros”
apesar da famigerada e combatida “homosexualität”. A mais
abominável das perversões.
Restará, para nossa sorte, um ponto cego – de
hamartia – na psicogênese e no genoma que batem no coração da
condição humana, demasiadamente humana.
E
com isso tod@s
teremos que savoir
e
faire.
Itaquaciara, Itapecerica da
Serra, 19 de maio de 2012.
ARNALDO
DOMÍNGUEZ é psicanalista e professor do CEP - Centro de Estudos
Psicanalíticos, fundador do PROJETO ETCÉTERA E TAL... Psicanálise
e Sociedade, conselheiro da Biblioteca Popular de Itaquaciara
D.Nélida, colaborador da Escola da Causa Analítica e integrante do
Instituto Tempos Modernos Brasil e Argentina.