de Arnaldo
Domínguez de Oliveira
"Não
sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus,
mas infelizmente não o encontro." — José Saramago
“Quem
tem medo de formiga não assanha mangangá” –
Ditado Tupinambá
As
redes sociais da internet ficaram coloridas neste dia 26 de junho de
2015 comemorando uma “retomada” que para alguns significa
“invasão”. As pessoas decidiram homenagear toda forma de amor,
esse célebre informal, porque foi aprovada nos Estados Unidos uma
lei que garante a legitimidade das uniões homoafetivas. Mas isso não
é uma expressão da existência de deus, pelo contrário, senão o
resultado de uma longa e dolorosa luta que causou muitas perdas
humanas e muito sofrimento ao longo da história da humanidade, que é
uma história de horror.
Esse
acontecimento representa uma longa batalha que frutificou em otimismo
e eficácia, felizmente, como já havia acontecido na Argentina, no
Uruguai e depois no Brasil. Milhares de homens e mulheres que
enfrentaram com coragem a verdade diferente de seu modo de amar e de
gozar e venceram essa etapa.
Entretanto,
os extremistas religiosos dirão que essas mulheres que amam outras
mulheres não são as legítimas fabricadas pelo criador e esses
homens homossexuais tampouco são homens de verdade.
De
maneira semelhante à incessante e infrutífera procura de Saramago,
Diógenes de Sínope, o protocínico, homem-cão vagabundo, animal
político da Antiguidade, também procurava homens de verdade com sua
lanterna ateniensei.
Á diferença do que destacam os “fundamentalistas”, o autêntico
homem, para Diógenes, é aquele que continua sendo senhor de seus
desejos e vive racionalmente em harmonia com a natureza e é obvio
que o homem social urbanizado não é senão quem se comporta de modo
irracional e desumano. Na Crítica da Razão Cínica, Peter
Sloterdijk1,
também afirma que “...a psicanálise é um híbrido histórico.
Com sua fundamentação sexual patológica olha para o passado; com o
convencimento de que o inconsciente é algo produzido, ao futuro. À
maneira de um detetive cultural, deixa que a suspeita
precoce-burguesa de que o homem está baseado no animal se constitua
uma certeza”.2
(Página 391)
Já,
Abeguar, índio Tupinambá, herói trans temporal do filme
brasileiro dirigido por Luiz Bolognesi “Uma história de amor e
fúria”, garante que “Viver sem conhecer o passado é como
andar no escuro”. E assim, com essa lógica de cunho
psicanalítico, nos convida a acompanha-lo na sangrenta aventura que,
algum tempo depois, será denominada Brasil. Uma árvore! E ele, o
herói sem estátua, porque está do lado dos “perdedores”,
apenas mais um belo pássaro em extinção da fauna desta terra
tropical que Lévi-Strauss supôs que fosse “triste”.
Um
pássaro quiçá contrabandeado por aqueles transgressores da mata
que burlam o IBAMA.3
Tal
fantástico filme de animação foi produzido em 2013 e conta, na sua
dramaturgia, com as vozes de Camila Pitanga (Janaínas), Selton Mello
(os heróis Abeguar, Manoel Balaio o Professor Cau e, por fim, João
Cândido nº 3, um comunicador do futuro, que já havia desistido da
luta e engrossava o coral cínico dos pós modernistas que murmuram
“foda-se”) e Rodrigo Santoro (O Grande Cacique Piatã), dentre
outros/as.
O
amor não é só o que insiste e não cessa de não se escrever,
manifestado por essa mulher que se metaforiza reencarnando qual
objeto do desejo, Janaína. Quase um amor louco e é claro que
por um sorriso dela nosso herói será capaz de enfrentar os maiores
exércitos com a mesma presteza com que realizou seu rito de passagem
ao matar uma onça e tornar-se Guerreiro Tupinambá. O amor é pelo
seu povo, preservação da vida! Essa é a sina que o Deus Munhã lhe
conferiu ao dotá-lo da virtude do pássaro e da missão de conduzir
seu povo para a terra sem mal e distante do império de Anhangá, o
Anhanguera da destruição. Uma terra do além, que os hebreus
disseram prometida e os crentes, confirmando sua crença, garantem
que deus é fiel, porque sempre cumpre sua promessa (da casa própria
ou da salvação eterna?).ii
A
Sinopse do filme resume o seguinte:
“Um
homem (Selton Mello) com quase 600 anos de idade acompanha a história
do Brasil, enquanto procura a ressurreição de sua amada Janaína
(Camila Pitanga). Ele enfrenta as batalhas entre tupinambás e
tupiniquins, antes dos portugueses chegarem ao país, e passa pela
Balaiada e o movimento de resistência contra a ditadura militar,
antes de enfrentar a guerra pela água em 2096”.
Este
homem desafiou o Grande Piatã (pai da horda) ao tratar de impedir
que seus guerreiros enfrentassem os portugueses em Bertioga e foi
expulso da aldeia. Desde a copa das árvores, observou o festim
canibalesco em que os guerreiros Tupiniquins foram comidos e alguns
portugueses também.4
Esses colonizadores de além-mar já haviam fundado São Sebastião
do Rio de Janeiro e em nome da Santa Cruz capturaram os índios
sobreviventes do massacre para torna-los escravos nas plantações de
cana de açúcar.
A
nação Tupinambá foi dizimada? Nossos amigos de Olivença garantem
que não! Entretanto, exclama Abeguar, “Como se fosse possível
escapar!”
Isso
vale para todos/as nós: “A única maneira de vencer Anhangá é
não desistir nunca!”.
Quando
Freud escreve, no Futuro de uma Ilusão: "A humanização da
natureza deriva da necessidade de pôr fim à perplexidade e ao
desamparo do homem frente a suas forças temíveis, de entrar em
relação com elas e, finalmente, de influenciá-las. (…) O homem
primitivo não tem escolha, não dispõe de outra maneira de pensar.
É-lhe natural, algo inato, por assim dizer, projetar exteriormente
sua existência para o mundo e encarar todo acontecimento que observa
como manifestação de seres que, no fundo, são semelhantes a ele
próprio”, eu lhe questiono: teremos nos afastado tanto dessa
pré-história subjetiva? E ele responde: Mas não há dúvidas que o
infantilismo está destinado a ser superado. “Os homens não podem
permanecer crianças para sempre; têm de, por fim, sair para a vida
“hostil.”
“Freud
afirma acerca dos homens que eles não são criaturas gentis, que
desejam ser amadas, que se defendem apenas quando atacadas, mas são
criaturas dotadas de uma poderosa agressividade. Para eles, o próximo
não é naturalmente um objeto de seu amor, mas sim alguém que os
tenta a satisfazer sobre ele sua agressividade, por exemplo, ao
explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, ao utilizar
dele sexualmente sem consentimento, ao apoderar-se de suas posses, ao
causar-lhe sofrimento e matá-lo. Daí a frase: “homo homini
lúpus””.5
Segundo
Thomas Hobbes, movido pelo instinto de autopreservação, o indivíduo
busca dominar os outros, conduta esta que dá ensejo à “guerra de
todos contra todos”.
Do
lado dos “ganhadores”, neste filme, se destacam os Bandeirantes,
também o Patrono do exército brasileiro, coronel Luiz Alves de Lima
e Silva, que depois do genocídio do cangaço seria transformado em
barão e a posteriori do genocídio do Paraguai, em Duque, se não me
equivoco. E virou estátua! E a batalha do Cerro Corá, na qual as
crianças paraguaias se fantasiaram com bigodes para intimidar aos
inimigos brasileiros e morreram degoladas,6
tornou-se nome de uma Rua intransitável de São Paulo, pela qual
circulamos – se é que isso pode ser dito assim – sem lembrar de
que se trata. Porque estamos correndo, buscando pegar um lugar no
futuro, quem sabe? Chico Buarque?7
Os
rebeldes sempre são considerados “escória”, lamentavelmente uma
escoria que tende a se acomodar, sobre tudo depois das últimas
sangrentas ditaduras da América Latina (que sempre precisará de
ridículos tiranos, Caetano?8).9
Em 2012 a nossa Associação Etcétera e Tal, psicanálise e
sociedade, conjuntamente com os remanescentes da cultura Tupinambá
de Olivença, organizou o Seminário sobre “O Medo” que aconteceu
durante o “Seminário Caboclo Marcelino” naquela localidade do
sul do Estado da Bahia. Foi uma riquíssima e inesquecível
experiência para nós, os urbanos.iii
Desse
encontro surgiu um manifesto que também aspira transformar-se em LEI
que proteja a vida.
A
lei desde suas formas mais primitivas evidenciadas no totem e nos
tabus, até as mais complexas, como o moderno código penal, tem a
função de controlar o pulsional em cada sujeito. Em Êxodo
20:3-17, podemos ter acesso aos mandamentos revelados a Moisés. A
violência, por exemplo, é coibida com a lei “não MATARÁS”.
A
proibição de três desejos pulsionais em especial parece estar na
base constitucional do processo civilizatório: O canibalismo; O
incesto; A ânsia de matar.
Então,
fica comprovado que “Enquanto os homens não saibam amar temos
que obrigá-los”, como disse o Jurista italiano Francesco
Carnelutti.10
Por
outro lado, salve-se que puder. Já teremos chegado nesse ponto?
Alguns
alarmistas afirmam que sim e para confirmação, por exemplo, a crise
aquática já começou!
Cabe
a nós todos/as apelarmos para a lei e a força sugeridas por
Maquiavel, quando for preciso, e lutar é preciso, numa revolução
pela “retomada” da pulsão de vida articulada à pulsão de
morte, em função da vida! E que o slogan da batalha desta Pátria
Educadora, além de incluir questões como Gênero e Identidade no
Plano Educacional brasileiro seja “água e comida para todos”.
E que essa enunciação circule pelas veias abertas da América
Latina.iv
1
Biblioteca de Ensayo Siruela.
2
Homens da sociedade burguesa iniciaram no século XVIII a
domesticação definitiva do animal inferior através da razão e da
moral. Ordem e Progresso, disseram!
3 Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
4
Pedrinho o matador, no Brasil (2012), matou o próprio pai, além de
mais 100 vítimas, e comeu o coração.
5
Celia Regina N. de Souza - A lei e o desejo – Interlocução entre
direito e psicanálise. Jus Brasil.
6
Osvaldo Lamborghini, escritor argentino, escreveu sobre os
degoladores do exército argentino que atuaram na guerra do
Paraguai: uma tropa de elite. Na atualidade essa atrocidade é
cometida publicamente pelo Estado Islâmico para nossa impotência e
perplexidade.
7
Sinal Fechado.
8
Podres Poderes.
9
Las grandes huelgas
Autor:
Felipe Pigna - Una de las primeras huelgas concretadas en el
territorio argentino se produjo en 1868. En plena Guerra del
Paraguay un grupo de trabajadores de distintos astilleros de la
provincia de Corrientes se negó a construir embarcaciones
destinadas a las fuerzas de la Triple Alianza argumentando que no
contribuirían a la matanza de sus hermanos.
10
Celia Regina N. de Souza - A lei e o desejo – Interlocução entre
direito e psicanálise. Jus Brasil
“Una
vez exclamó a grandes voces: ¡Venid aquí, hombres! Y cuando éstos
se acercaron, les golpeó con su bastón al tiempo que profería las
siguientes palabras: “Hombres he dicho y no inmundicia”.
"…
[a religião é] um sistema de doutrinas e promessas que, por um
lado, lhe explicam os enigmas deste mundo com perfeição invejável
e que, por outro lado, lhe garantem que uma Providência cuidadosa
velará por sua vida e o compensará, numa existência futura, de
quaisquer frustrações que tenha experimentado aqui. O homem comum
só pode imaginar essa Providência sob a figura de um pai
ilimitadamente engrandecido. Apenas um ser desse tipo pode
compreender as necessidades dos filhos dos homens, enternecer-se com
suas preces e aplacar-se com os sinais de seu remorso. Tudo é tão
patentemente infantil, tão estranho à realidade, que, para
qualquer pessoa que manifeste uma atitude amistosa em relação à
humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca
será capaz de superar essa visão da vida. Mais humilhante ainda é
descobrir como é vasto o número de pessoas de hoje que não podem
deixar de perceber que essa religião é insustentável e, não
obstante isso, tentam defendê-la, item por item, numa série de
lamentáveis atos retrógrados." — Sigmund Freud – O
Futuro de uma Ilusão.
Seminário
lança manifesto em apoio à causa indígena: Evento será
finalizado hoje com caminhada que lembra os Mártires do Massacre do
Rio Cururupe e o Índio Marcelino
Aléxis
Góis, colaborador da Agência Jovem em Ilhéus (BA)
A
última roda de conversa do IV Seminário Internacional de História
e Cultura Indígena: Índio Caboclo Marcelino teve como tema as
“Perspectivas, Ações e Lutas dos Povos na Latino américa”.
Durante o evento, foi lançado um Manifesto em Apoio à Causa
Indígena, para reforçar a importância da luta dos povos
originários, em especial dos Tupinambá de Olivença, que vivem um
processo recente de retomada de seu território no sul da Bahia. A
cobertura do Seminário está sendo realizado por indígenas que
participaram de laboratório de apropriação de Artes e
Tecnologias, promovido pela Oca Digital, projeto da ONG Thydêwá e
Cardim Projetos e Soluções Integradas, com o Patrocínio da
Telefônica/Vivo e do Fundo de Cultura da Secretaria de Cultura da
Bahia.
Manuel
Rozental, indígena do povo Nasa, da Colômbia, ressaltou que não
adianta ter um discurso em favor da causa indígena se as mentes
estiverem colonizadas pelo pensamento capitalista. “Também temos
de retomar o nosso território do imaginário”, afirma Rozental,
que é médico e Professor nas Universidades Novo Fiat Viaggio da
Colômbia e do Canadá. Também participaram da roda de conversa
anciões, caciques, e representantes de diversas instituições e
organizações, como a professora francesa Dra. Esther Fernandes
Rose Katz, do Instituto de Recherche pour le Developpeçent-IRD e os
argentinos Ana Zabala, psicanalista integrante da Instituição
Abuelas de Plaza de Mayo, Arnaldo Dominguez de Oliveira,
psicanalista coordenador do Curso de Formação em Psicanálise do
Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo e fundador da
Associação Etcétera e Tal, Psicanálise e Sociedade.
O
evento será finalizado amanhã com a 12ª Caminhada Tupinambá em
Memória aos Mártires do Massacre do Rio Cururupe e ao Índio
Marcelino, com concentração a partir das 8h, em frente á Igreja
de Nossa Senhora da Escada, em Olivença.
Segue
texto da minuta do Manifesto, que será finalizado de forma
colaborativa por meio do blog do Seminário.
“Manifesto
em apoio à causa indígena:
Entre
os dias 27 a 29 de setembro de 2012 estiveram reunidos na Terra
Indígena Tupinambá de Olivença, por ocasião do IV Seminário
Internacional de História e Cultura Indígena: Índio Caboclo
Marcelino – Histórias, Culturas e Lutas dos Povos Indígenas do
Brasil e da América Latina, membros dos povos Tupinambás, Pataxó,
Pataxó Hã-hã-hãe, Pankararu, Kariri Xocó, Xocó e
representantes de distintas instituições e organizações que ora
assinam este manifesto em apoio à causa indígena, em especial à
luta do povo Tupinambá:
-
Pela demarcação imediata da Terra Indígena do povo Tupinambá de
Olivença;
-
Pela de intrusão imediata de seu território;
-
Pelo direito de viverem de acordo com a sua cultura;
-
Pelo direito à educação diferenciada;
-
Pelo direito à saúde diferenciada;
-
Pelo fim da criminalização e da perseguição ao povo Tupinambá,
em especial de suas lideranças;
-
Pela autogestão do território indígena, proteção e respeito aos
recursos naturais.
Afirmamos
que a Terra é Mãe e assim ela deve ser compreendida e reconhecida
como um direito originário dos povos indígenas. Consequentemente,
exigimos do Estado brasileiro que faça valer a legislação das
quais é signatário, especialmente a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e a Constituição Federal de 1988.
Aqueles
que estão de acordo chacoalhem o maracá ou batam palmas.
Aldeia
Gwarani Taba Atã, Território do povo Tupinambá de Olivença, 29
de setembro de 2012.”
iv
Aproveito este final para homenagear o “necessário”
recentemente falecido Eduardo Galeano.
Filme Completo: https://www.youtube.com/watch?v=wdkqo_M1gw8
Trailer do Filme
Arnaldo Domínguez de Oliveira é Psicanalista e Professor do CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos, fundador do PROJETO ETCÉTERA E TAL... Psicanálise e Sociedade, conselheiro da Biblioteca Popular de Itaquaciara D.Nélida e médico de formação.
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