Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem
é ela, quem é ela...
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto Controle
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto Controle
Esquadros, Adriana Calcanhoto (1982)
A
compressão pós-moderna do tempo-espaço colocou em questão nossa
capacidade intrínseca de perceber, interpretar e lidar com várias
realidades que se nos revelam a todo instante. Encontramos um
crescente desmerecimento da percepção humana em prol da realidade
tecnológica. Temos vivido um impacto significativo desta intensa
compressão sobre a economia, a política e a vida sociocultural. A
aceleração do giro na produção e no consumo vem influenciando as
formas de pensar, sentir e agir do indivíduo.
Consequentemente,
presenciamos a crescente volatilidade e efemeridade de modas,
produtos, ideias, valores e práticas sociais. O instantâneo e o
descartável permeiam nossa experiência, desde os recursos que
empregamos no dia-a-dia até nossa maneira de nos relacionarmos com o
tempo objetivo, compartilhado, medido pelos relógios e ciclos da
natureza; e o tempo subjetivo, cuja experiência e medida dependem da
história de vida, do funcionamento mental e da cultura em que cada
sujeito está inserido.
Hoje,
não identificamos mais nenhum valor perene que sirva de referência
às práticas socioculturais e pessoais: estamos diante de um
processo de fragmentação e ruptura do que denominamos sociedade.
É
com este cenário que David Cronenberg revela a fascinante, dura, e
às vezes nauseante realidade contemporânea em seu último filme:
Cosmópolis. Baseado no livro homônimo de Don DeLillo, considerado o
primeiro livro a retratar de forma fiel o século XXI, refletindo
sobre as importantes alterações nos paradigmas do espaço e do
tempo na contemporaneidade. Dirige a nossa atenção para um ponto,
fundamental: a tecnologia de que dispomos hoje interfere de maneira
direta em nossa relação com o tempo, na medida em que pretende, em
última instância, reduzir o tempo entre o aparecimento de uma
necessidade e o encontro com o objeto de sua satisfação.
Cronenberg
carrega suas tintas ao retratar não só o mundo corporativo, mas
especialmente a volatilidade dos mercados globais, a presença dos
gênios que viraram milionários ainda muito jovens e o vazio
interior que resulta na busca incessante por novas emoções.
Vemos
uma rua onde inúmeras limusines brancas estão estacionadas e um
jovem muito bem vestido começa um diálogo, a curta distância, com
o chefe da sua equipe de segurança. O curioso é que apesar de
próximos, eles se utilizam de pontos intercomunicadores inseridos em
suas orelhas. Este é Eric Packer (Robert Pattinson), o menino de
ouro do mundo financeiro, milionário, que diz ao chefe de segurança
que quer cortar o cabelo.
Começamos
a perceber a personalidade arrogante de Eric quando ele ouve o alerta
de que as ruas de Manhattan estão tumultuadas, algumas fechadas
porque o presidente está na cidade.
“– De
qual presidente estamos falando agora?” Pergunta Eric ao chefe de
segurança. Ele diz não se interessar pelo presidente do país e
simplesmente exclama: “– Eu preciso cortar o cabelo”! Qual é
o meu carro? Pergunta ele em meio a limusines, todas brancas,
aparentemente iguais!
Mas...
a sua limusine certamente está no páreo, competindo com todas as
outras: blindada, à prova de som, equipada com os mais sofisticados
aparelhos tecnológicos, ali ele monitora tudo e a todos e igualmente
é monitorado pelos seus agentes de segurança.
Eric
Packer vai recebendo pessoas e dialogando com elas, enquanto cruza
uma Manhattan agitada por movimentos anticapitalistas, em busca do
barbeiro que conhece desde a infância. Vivendo em um microcosmo,
Eric parece não possuir habilidades relacionais, parece um “objeto”
que troca informações com outros objetos. Não conseguimos perceber
nenhum traço de afetividade nele.
Existe
uma riqueza exuberante, excessiva, nos diálogos mantidos entre
Eric e seus visitantes.
Levando
para a perspectiva do simbólico virtual dos dias de hoje,
constatamos que na tecnociência e no tecnocosmo contemporâneos, o
papel da linguagem propriamente dita é cada vez mais limitado e
dissociado entre a pura extensionalidade e a pura metaforicidade,
que, tanto uma quanto outra não permitem uma autêntica relação
ontológica de sentido. A informatização da ordem simbólica afeta
todos os aspectos da linguagem natural a ponto de ser substituída
por outra coisa que é conforme as exigências do reino técnico. A
natureza material da linguagem é transformada: de vocal ou gráfica
(dócil à audição e à visão), o signo se torna eletromagnético
e, simultaneamente, torna-se transmissível nos meios radicalmente
diferentes do meio natural do homem.
Em
“O Mundo Sem Limite” de Jean-Pierre Lebrun, que é um marco para
a clínica psicanalítica do social, vamos encontrar questionamentos
graves acerca da contemporaneidade: “A
sintaxe se alinha no registro binário”,
diz ele. O discurso informático faz funcionar a máquina, organiza o
crescimento do reino técnico: não ajuda o homem a estar no mundo,
ele o integra no reino técnico como um vetor, um elemento funcional
deste. O computador é fundamentalmente não dialético, está
fundado no princípio exclusivo de não-contradição. Com o sistema
binário é preciso escolher, é constantemente sim ou não.”
Citaremos
para continuar nossas reflexões, Hannah Harendt, que é conhecida,
sobretudo por seus trabalhos sobre o totalitarismo; ela afirma que:
“Uma
das características fundamentais do sistema concentracionário não
é o fato de que “tudo é permitido”, mas de que “tudo é
possível”!”
Ela dá destaque especial à capacidade do homem do sistema
totalitário de se cortar da experiência que, no entanto, dá
consistência e sentido ao pensamento. Essa emancipação do
pensamento com relação a si mesmo, que equivale a uma saída da
condição humana, será paga com um pesado tributo: a ruína de sua
faculdade de julgar.
Voltando
ao filme, enquanto a limusine de Eric Packer vai atravessando as ruas
de Manhattan, ele vai recebendo ali mesmo, em um espaço minúsculo e
sofisticado, os seus visitantes, que parecem ao nosso olhar,
oráculos contemporâneos que tentam interpretar o mundo para ele.
As cenas vão transcorrendo como o funcionamento psíquico do
processo primário que caracteriza o inconsciente: a energia psíquica
escoa livremente, passando de uma representação à outra, (de um
quadro a outro, de uma cena à outra) pelos mecanismos de
deslocamento e condensação, visando à satisfação imediata do
desejo.
Existe
uma riqueza de informação nos diálogos que Eric mantém com seus
consultores. Percebemos uma pressão ansiogênica sempre perpassando
a trama, expressa por exemplo, no diálogo que tem com sua chefe de
Teoria: “Precisamos
viver
no futuro, Eric!”
“É
o cibercapital que cria o futuro!”
“Tempo
é um ativo corporativo!”
Entretanto, começamos a perceber a condição de desamparo em que
ele se encontra, pois não percebe que não há garantias definitivas
para o que diz respeito à linguagem, sendo esta incapaz de fornecer
uma resposta última e inequívoca para questões essencias como a da
fragilidade da existência.
Cronenberg
revela em Cosmópolis o desamparo (hilflosigkeit)
correspondente à dimensão de fragilidade da linguagem, a sua
precariedade fundamental, dado que esta nunca consegue fornecer de
uma vez por todas as bases estáveis e definitivas de um mundo
simbolicamente organizado. A linguagem só é capaz de criar um mundo
à condição de continuamente recriá-lo.
Com
uma preocupação desproporcional com sua saúde, Eric faz check- up
todos os dias. Ele tem uma relação ambivalente e fragmentada com o
seu próprio corpo. É surreal a cena em que o médico examina sua
próstata, enquanto ele conversa com sua analista de finanças
(lembrando que a cena se desenrola dentro da limusine). Ao receber o
diagnóstico, o pobre rapaz rico fica preocupado: sua próstata é
assimétrica!
E
é, justamente por não perceber a assimetria da vida, por estar
olhando o tempo todo para o próprio umbigo, que a decadência de
Eric se torna possível. Vivendo de especulações financeiras,
parte para uma aposta de uma terrível incerteza na bolsa de valores,
e a trama do filme vai mostrando as angústias e contradições de
viver em um mundo dominado pelo fascismo econômico.
Eric
simboliza o que o capitalismo tem de pior. Em uma das cenas, fica
evidente a sua ganância e o quanto o outro não lhe importa.
Sua
consultora de arte, interpretada por Juliette Binoche, lhe oferece um
quadro de Marc Rotko. Packer não se interessa pela obra de arte. É
pouco. Ele quer comprar a capela inteira (onde está o quadro), que
pertence ao mundo.
A
cena de sexo entre sua consultora de arte e Eric, é no mínimo
curiosa! Vivem em um universo desenfreado de gozo, o que só revela a
outra face de suas experiências de desamparo. A limusine é um mundo
bizarro! Ali ele faz transações comerciais, transações
filosóficas, tem relações sexuais, bebe alcoólicos, come
amendoins! Há uma miscelânea de tudo! Contrariando um velho ditado
mineiro
que diz: "Onde se ganha o pão, não se come a carne!”.
Com
as palavras de Plastino (2002), “A
ambivalência entre Eros e destruição, característica da natureza
humana, delimita o contexto conflitante no qual se insere a
experiência do homem, tornando imprescindíveis as práticas sociais
capazes de, por um lado, permitir a administração democrática dos
conflitos e, por outro, orientar o processo de socialização dos
indivíduos de maneira a buscar a hegemonia do movimento erótico. A
inserção social do sujeito humano supõe a aceitação, obviamente
mais afetiva que racional, da alteridade, vale dizer, a compreensão
da existência de um outro diferente que constitui um limite para a
onipotência narcísica do sujeito.”
No vínculo primitivo, o sujeito constrói seu narcisismo,
indissociável da figura materna, na indiferenciação do eu ideal.
Quando não superada, essa posição inicial, o sujeito inibe seu
processo de socialização. Socialização que convém pensar como um
processo cujo ponto
de partida é
o eu ideal, seu percurso, as sucessivas experiências de castração
sofridas pelo sujeito, e seu desfecho,
a substituição do eu ideal pelo ideal do eu. Nessa perspectiva, a
experiência de castração é vista como humanizante por meio do
qual o sujeito é levado a abandonar a exclusividade do investimento
libidinal em seu próprio eu, a fim de aceitar a alteridade e os
limites representados por ela.” É
aqui que percebemos o comportamento anômalo de Eric.
Freud,
em “O mal-estar na civilização”, diz que o desamparo é uma
condição psíquica em que o sujeito não pode contar com a proteção
da figura do pai. Sentindo saudades dessa proteção que um dia ele
experimentou, o sujeito deve transpor um limiar crucial sem contar
com seu apoio, uma vez que a figura do pai, aquele que gera amparo, é
o representante psíquico do sistema normativo instituído.
Eric
busca reviver esse momento de proteção no esforço obstinado para
chegar ao barbeiro do outro lado da cidade, onde o seu pai o levava
desde criança
Aqui
faremos um recorte: se antes buscávamos a eternidade pela adoração
dos Deuses, hoje acreditamos encontrá-la ocupando o lugar da própria
divindade. A mídia que, no mundo globalizado, fornece informações
aos quatro cantos do planeta, em uma velocidade espantosa, nos
confere a ilusão da onisciência. A tela do computador e a internet
permitem que estejamos em vários lugares e com várias pessoas ao
mesmo tempo, o que nos faz acreditar em nossa própria onipresença.
A capacidade de criar e recriar rapidamente novos objetos leva-nos a
crer em nossa ilimitada onipotência.
Pensamos
que a presença ausente de um governante (presidente) no filme nos
remete a algumas reflexões: algumas vezes somos levados a crer que o
saber leva espontaneamente ao poder, esperamos que se encontre em
posição de autoridade aquele cujo saber é o mais competente,
erroneamente produzindo a crença de que esse saber esclarecido é a
melhor garantia para bem governar.
Entendemos,
conclusivamente, que nenhum saber, mesmo que amplamente esclarecedor,
pode autorizar o lugar do governante. Quando o sábio tem acesso ao
poder, se torna rei; troca de ofício e deixa de ser sábio, pois o
lugar do saber não é o lugar do poder.
CULTIVAR
O MAL-ESTAR OU CIVILIZAR A CULTURA?
"Deixa-me
sofrer o tremendo
castigo
de minha temeridade!
Por
muito que eu sofra,
nunca
serei privada de uma bela morte."
Sófocles
- Antígona, I, 20
Eric
Packer tem algo estranho do “macho-alfa” e do pai da horda
primeva. Ele casou-se com Lucile sem conhecê-la direito, mas como
era um bom contrato familiar, já que a família dela é muito rica
também, dá-nos a impressão de ter sido um “bom negócio”.
Percebemos que o sexo com sua esposa é raro, mas ele busca, ao mesmo
tempo, fazer um exercício frenético de sua sexualidade com outras
mulheres, como por exemplo, com a agente novata de sua equipe de
segurança pessoal. Eric quer viver intensamente as emoções, mesmo
que elas sejam sórdidas. Depois de um contato sexual com ela, ele
tenta convencê-la a atirar nele com uma arma de alta voltagem,
querendo antecipar a sensação mortal. Ao mesmo tempo que desafia a
morte, ele sente que tem o controle sobre ela.
Vamos
acompanhar uma cena onde um ativista acerta uma torta com chantilly
no rosto de Eric. É interessante este manifesto. (Lembrei-me do
“beijoqueiro dos anos 80”) O confeiteiro Andre Petrescu quer
mostrar ao mundo as falhas de segurança e acertar os ícones do
capitalismo, representantes da ordem em vigor. Ele relata que já
alvejou várias personalidades. É curioso o olhar de gozo desse
confeiteiro! Ali a intenção é de exposição e lançamento do
sujeito no grotesco. “A
minha missão é sabotar o poder e a riqueza.”
“Eu
deixei passar o presidente para te acertar! Você é um manifesto
importante, difícil de mirar! Sou um pintor gestual das tortas de
creme!
Estamos diante daquilo que Birman chamou de sociedade do espetáculo.
Eric
vivencia a experiência do sinistro (estranho), quando percebe que
pode estar em ameaça real de assassinato. A angústia do real se
produz pelo desmapeamento provocado no registro do eu. Sua
subjetividade entra na incerteza e na imprevisibilidade, uma vez que
não pode mais contar com seus operadores de regulação.
Inicialmente percebemos Eric entrando em um processo de
despersonalização e desrealização, desmapeando os enunciados
instituídos sobre ele e o mundo.
A
primeira vez que percebemos alguma emoção em Eric é quando ele se
enfurece com o confeiteiro. Ódio. Um ódio que irrompe com toda
força e o torna violento. Então ele surra Petrescu. E...
estranhamente, ele experimenta do chantilly que ainda ficou em seu
rosto.
Quando
ele percebe que não tem controle sobre os códigos de segurança das
armas compradas para protegê-lo e que está assujeitado à proteção
e ao risco simultaneamente, ele se vê sem saída e comete um
assassinato: na suspeita persecutória de que seu chefe de segurança
também pode querer matá-lo, ele o mata primeiro!
Quando
chega ao barbeiro, encontramos um fato: ali, naquele cenário, nada
mudou! Tudo está como antes esteve: a barbearia, o barbeiro, as
cadeiras, espelhos, calendários na parede, tudo ali permanece da
mesma forma de quando frequentava o local com seu pai.
Enquanto
está ali, o barbeiro lhe conta que seu pai o obrigou a entrar no
carrinho (um brinquedo sobreposto à cadeira de barbeiro para
distrair crianças) e ele se recusou a entrar ali. Então ele foi
colocado em uma cadeira tradicional para adultos e permanecer ali
enquanto seu cabelo é cortado. Aqui entra uma questão: ele
reconhece ou não a lei? Onde entrou ou não o interdito paterno?
Na
contemporaneidade, não podemos mais nos ater a noções estanques de
passado, presente e futuro. Vivemos, sobretudo, de relações
dialéticas entre os vários estratos do tempo. O presente é futuro
do passado; o futuro é o presente-passado de nossas fantasias; o
passado é matriz de todos os outros tempos e, como toda mãe, nos
acompanha pela vida afora.
Quando
seu motorista denuncia a ausência do chefe de segurança, o barbeiro
preocupa-se e lhe oferece uma arma. Eric diz que precisa sair, sem se
importar com o próprio cabelo que está cortado apenas de um lado,
ficando assimétrico!
Eric
agora não se preocupa mais em apostar contra as moedas nas bolsas ou
perder sua fortuna. Ele parece obstinado a encontrar quem quer
matá-lo. Nesse ponto do filme nos perguntamos
quem quer promover o assassinato de Eric e por quê? Ele sabe que
existe alguém espreitando-o, que o conhece e que sabe quem ele é, o
que faz, sabe tudo sobre sua vida. Mas, quem é esse outro
desconhecido para ele mas que o conhece tão bem? Conhece seus
sistemas de defesa e segurança? Quem decifrou seus códigos e
deixou-o vulnerável?
Quando
o motorista vai guardar a limusine porque a noite já vai alta, Eric
o acompanha, ele quer saber o que acontece quando todos dormem. Para
onde vão as limusines?
E
aqui entramos em um momento de clímax do filme.
Na
rua, um tiro ecoa pelos ares e acerta um táxi perto de Eric. Ele
“sabe” que está perto de encontrar seu antagonista.
O
cenário é desolador: miséria, decadência, caos e suspense.
Eric,
agora, vai perseguir aquele que o ameaça.
Vamos
entrar com ele em um prédio imundo... e arrombar uma porta. Com a
arma em punho Eric vê um homem com um pano na cabeça sair de um
banheiro! Ele é Richard Sheets. Sheets, com a devida tradução para
o português: merda! (Aqui é Paul Giamati, em uma interpretação
magistral.)
"O
que faz aqui?”
Questiona Packer.
“Não
é essa a pergunta!”
Diz o homem.
A
cena é fascinante pois o homem, tal como a Esfinge para Édipo,
propõe um enigma à Eric !
“Quero
matá-lo para fazer algo importante na vida! Você não me reconhece?
Diga
quem pensa que sou.”
Eric
não sabe. Ele diz que ele próprio havia se tornado um enigma.
“Não
consegui perceber uma tendência... Não consegui entender o
Yuan!(nome
de uma moeda e que naquele momento tem a supremacia sobre as outras)”
“Então
você pôs tudo a perder? Questiona
Richard Sheets que não suporta ser chamado por este nome, e quer ser
um outro, Benno Levin.
E
o diálogo vai seguir um curso sobre a vida e a morte.
Este
homem, na verdade, trabalhou com análise de moedas na Packer
Capital, era funcionário das empresas de Eric, diz que de qualquer
maneira precisa matá-lo, tem motivos justos para isso, a começar
pela opinião de que ele é repulsivo e insanamente rico.
“O
crime não tem consciência! Seu crime está na sua cabeça! A
violência precisa de um fardo!”
Aqui
Eric ardilosamente vai procurando palavras para operacionalizar
Sheets, como se fosse sorrateiramente acessando seus significantes de
maneira a controlá-lo.
Surpreendentemente,
Eric atira na própria mão! Fazendo-se então estigmatizado!
Richard
prontamente pega um tecido para ajudar a estancar o sangue. E diz que
Eric fez as análises do Yuan seguindo os padrões da natureza, a
harmonia cruzada, o número áureo. E diz que Eric não conseguiu
enxergar que a resposta estava em seu próprio corpo, a resposta
estava em sua próstata! O Yuan não tinha nenhuma tendência de
simetria! O yuan era assimétrico como sua próstata e ele não
conseguiu perceber.
“Mas
o meu fungo manda matá-lo!" Grita Sheets.
“Você
conversa mesmo com seu fungo? Eu já vi pessoas que conversam com
Deus!..."
Manipula perversamente Packer.
“Eu
queria que você fosse o meu Salvador!"
Exclama Richard.
Nesse
ponto, Sheets, mesmo armado, já foi capturado pelo narcisismo
aspirante de Eric, que num ato, em um simulacro, se torna um deus!
Conseguiu acesso aos códigos delirantes dele. Eric, com um estigma
na mão, com um furo no real se identifica com o próprio Salvador
dos Cristãos
Concluindo
para não concluir
Cosmópolis
retrata toda a dimensão trágica da experiência humana do
sofrimento – pathei
mathos,
um sofrimento que comporta a possibilidade de transformação do
vivido em sabedoria.
Rosália
Maia é psicanalista, psicóloga.
Especialista em Teoria e Clínica Psicanalítica. Pesquisa as
novas formas de subjetivação na atualidade.
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