de Isloany Machado
E
neste dia das crianças eu vou falar de um filme que assisti ontem e
que me deixou com uma sensação de estar implodida, inundada por um
sentimento desconhecido. Um buraco que tem que ser preenchido com
palavras. Trata-se do filme Trash
– a esperança vem do lixo. Gravado
no Brasil, de direção estrangeira, com destaque para Selton Mello e
Wagner Moura. Mas pra meus olhos o destaque foi para os três atores
mirins, por isso escrevo pra comemorar o dia das crianças.
O
contexto do filme é um lixão onde vai parar uma carteira muito
valiosa, não pelo dinheiro que contém nela, mas por guardar um
segredo de um poderoso político. Tão poderoso que coloca a polícia
a seu serviço para ir até o lixão encontrar a bendita carteira.
Acontece que um garoto já encontrou e dividiu o segredo com seu
amigo. Inicia-se a investigação tanto dos policiais, quanto dos
garotos, que não confiam no policial –personagem de Selton Mello.
São três meninos, um que encontrou a carteira, outro que sabe o
segredo, e um terceiro, o Rato, que vive dentro do esgoto, fede e tem
feridas no corpo que nunca saram. Uma bela metáfora para dizer o que
é a miséria, o que é estar à margem, como feridas que nunca
fecham.
Uma
das cenas mais pesadas é quando um dos garotos, justamente o que
encontrou a carteira, é levado pela polícia e, num efeito “montanha
russa” dentro da viatura, é jogado de um lado a outro pelos
próprios solavancos propositais dados por seus algozes. Ele escapa
vivo (tal como uma barata em que se pisa, pisa, e ela insiste em não
morrer). Quando questionado sobre o porquê de estar levando a
investigação adiante, ele simplesmente diz: “porque é certo”.
Então,
eu não diria que a
esperança vem do lixo,
mas sim que vem da infância. A não ser que o lixo esteja colocado
aí como fonte de vida, de desejo. O nada. O resto. O lixo. De onde
não se acredita que pode haver algo além, é justamente daí que a
vida pulsante renasce. O grande desafio é vencido pelas crianças,
pela infância, lugar onde está todo o nosso “lixo”, tudo o que
deveria estar esquecido, mas insiste, persiste. Quanto ao desejo,
deveríamos ser assim: faço porque é o certo, e nada mais. É o
certo no sentido moral? Nem de longe! Esse certo tem a ver com
a verdade de
cada um. Bem, devo dizer que não acredito em verdades, quanto menos
nas absolutas.
Por
isso o filme me tocou tanto. Porque pude ver ali, mais uma vez e
sempre, que a infância é o meu lugar. Como diz Mia Couto,
“velhos são aqueles que não visitam as suas próprias variadas
idades”. Não quero crescer nunca, porque quando a gente
cresce o coração fica duro, se corrompe. E só gosto de gente que
não tem medo de ser assim, mergulhada na sua pequenez. Somos
pequenos diante da imensidão do mundo, dos Outros, dos desejos. Mas
por trás dessa imensidão há uma outra, há uma vastidão de
matéria da mais elevada qualidade: um nada corporificado, cheio de
substância, de sustança. Estar no lugar da infância –
questionador, perguntador – pode ser perigoso. Há verdades que
preferiríamos não saber. Mas o que mais tentamos sufocar embaixo do
tapete, é isso mesmo que volta, se revolta e quer saber.
Desejo
feliz dia das crianças para todos aqueles que não perderam a
capacidade de amar, que não pararam de perguntar, pois estar no
lugar da infância, pra mim, é justamente isso.
Isloany
Machado, 11 de outubro de 2014.
Trailer do filme
Isloany Machado é Psicanalista, Escritora e Professora da UFMS. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – MS. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora da ciência e costuradora de palavras por opção, é autora do livro “Costurando Palavras” (ed. Life, 2012) e fundadora do blog www.costurandopalavras.com.br
Um comentário:
Excelente! parabéns!
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