de
Henrique Senhorini
Bem que
este filme poderia se chamar de acordo com esta segunda opção: A
Árvore do Pai. E vou ficar nesse recorte que escolhi, a relação
pai e filho apresentada nesta película, para tentar dizer algo
sobre.
Mas,
de que pai estamos falando ? Do pai biológico, do pai da nossa
realidade compartilhada, do pai Imaginário? Daquele pai que faz a
função paterna? Ou daquele que faz a suplência? De um dos avatares
do Nome-do-Pai ? Ou do pai Simbólico, aquele que se faz presente no
discurso da mãe? Trata-se do pai vivo ou do pai morto ? Este último
é mais forte que o primeiro ? Ou podemos até pensar que se trata de
Deus, o Pai de todos nós, o Pai que poderia estar no campo do Real,
este último pensando com o auxílio da Françoise Dolto ?
Pois
bem, assim como nós, neuróticos “normais(?)”, circulamos no entorno
desse ponto de ancoragem – Nome-do-Pai - o filme também se
desenvolve em torno desse significante, ou melhor, desses
significantes pois, de acordo com Lacan - segundo Joël Dor, "os significantes Nome-do-Pai são
múltiplos" e só se torna um significante primordial na medida em
que, num dado momento, vem ocupar um lugar de destaque. Isso me faz
supor, bem provável, que este filme fora feito por um, no mínimo,
neurótico “normal”, também. Entretanto, é bom ressaltar que
não é da minha prática analisar o autor através de sua obra e sim
analisar a obra do autor.
E
o filme trás bem isso, a
relação de um pai (O'Brien
- Brad
Pitt) com seu primogênito
(Jack
- Sean
Pean).
Esse pai
que se
mostra forte, talvez
por repetir
o modelo de seu próprio pai ou pela
formação militar rígida
que recebera
passando
por uma guerra e sobrevivido
ou ainda por ambas?
E ele passou por mais
do que isso, pois
sua guerra foi
a Segunda Grande Guerra
Mundial, onde os homens foram testados até
seus limites como o
Jó da Bíblia, cujos
provérbios
são mencionados no início
do filme. E,
apesar de tudo,
conseguiu se
inserir
no “american way of life”. Será
que, por conta de sua
história, O´Brien
supôs
ter a verdade? Eu sei o que
é melhor para você !!! Sabia
mesmo? A propósito, alguém
sabe o que é melhor para o outro ???
Por
outro lado, será que esse
modelo adotado pelo pai,
um misto
de sargento do exército com
Deus, significava falta de
amor para com seus rebentos
? Ou simplesmente achou que era o melhor que poderia oferecer para se
tornarem um “vencedor” como ele? No
mínimo, era assim que ele
se apresentava, isso quando
não se travestia de senhor Deus do universo, do
seu universo familiar.
E
assim procedeu criando seus filhos, que começaram a enxergá-lo como
um ser supremo,
primeiro amando-o
para em seguida temê-lo,
o que estaria
de acordo com
o discurso de algumas
religiões.
Jack
tentava fazer a sua parte,
se esforçando
ao máximo
para agradar esse pai insaciável no quesito perfeição.
Deus - o verdadeiro? - era testemunha do esforço de Jack em querer ser um bom filho aos olhos desse pai, de querer ampliar sua tolerância, suas limitações humanas, pois recebia suas preces pedindo-lhe mais paciência e resignação.
Deus - o verdadeiro? - era testemunha do esforço de Jack em querer ser um bom filho aos olhos desse pai, de querer ampliar sua tolerância, suas limitações humanas, pois recebia suas preces pedindo-lhe mais paciência e resignação.
Apesar disso, por mais que tentasse, seu pai não reconhecia seu valor.
Este exigia
mais e mais
e mais perfeição. Não sei qual perfeição O'Brein
pretendia
que seu primogênito
alcançasse, pois ele próprio -
apesar de esconder isto
da família e, quiçá,
muitas vezes de si mesmo - sabia que, assim como qualquer outro mortal, era imperfeito, era
incompleto.
Como
no carteado que frequentava, estaria
esse pai apoiando-se numa
cosmovisão e nela
apostando todas
suas fichas? Seria
cosmovisão científica ou cosmovisão
religiosa ou conforme a
música ele escolhia a que melhor dançasse?
Estaria
ele com um
Royal Street Flash nas mãos ou com um simples parzinho mínimo?
Tratava-se de um blefe?
Em
1936 sai
publicado a 35ª
Conferência,
na qual
Freud aborda
o
tema “Westalnschauung” (mais
conhecido entre nós como
Cosmovisão) e
diz: “entendo,
então, que
uma
cosmovisão
é uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de
nossa existência, uniformemente, com base em uma hipótese superior
dominante, a qual, por conseguinte, não deixa nenhuma pergunta sem
resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo.”
e mais, “...acreditando-se nela, pode-se sentir segurança na vida,
pode-se saber o que se procura alcançar e como se pode lidar com as
emoções e interesses próprios da maneira mais apropriada.”.
Freud
fala
também
sobre as diferentes visões do cosmo, a científica e a religiosa, e
por se posicionar
como
um homem das ciências - que era - alinha
sua
criação, a Psicanálise, com
a
cosmovisão
científica,
mas sem
se esquecer de apontar
as dificuldades
em
situá-la
junto
com as
outras ciências positivistas, justamente por conta dos inúmeros pontos divergentes, provavelmente a começar pelo principal, o Inconsciente.
Mas,
retornando ao filme,
percebemos -
na medida que o
primogênito crescia,
crescia também
a
rigidez de
O'Brien, a disputa do amor
da mãe, a rivalidade fálica diante dessa mãe, o peso do
poder fálico paterno
que mantinha todos na
sua ordem, todos sob seu jugo -
que o
amor de Jack por seu pai
começava
se dissipar.
Pior que isso.
Ah,
tem na cena do almoço um
quase “closer”
no
prato de comida com
porções que não se misturam (cliché)... seriam indícios de
uma neurose obsessiva que o diretor quis passar?
Pois
bem, novamente voltando.... a sujeição que esse poderoso pai
exigia era tão violenta que o amor de outrora, ou o que restava
deste, foi - como numa metamorfose - se transformando em puro ódio.
Alguns dizem que é o outro lado da mesma moeda, será mesmo?
Ódio
esse que não ficou restrito ao pai, mas se espalhou atingindo os
outros, os amiguinhos, os vizinhos, os animais, enfim a sociedade, o
mundo (Ah... também dizem que a família é a célula mater da
sociedade) e acabou atingindo até a própria mãe.
Será porque
esta aceitava o poder opressor do pai sem contestação, sem proteger
seus filhos desse algoz? Aliás, ela se subjugava a qualquer
demonstração de poder fálico advindo do Outro. Vocês lembram
da cena na cidade, a da policia humilhando seus detentos?
Falando nisso, perceberam como Jack se identificava com os oprimidos?
O detento, o menino que sofrera queimaduras...
Eu
queria ficar restrito ao recorte pai-filho, mas não consigo me conter:
quando olho essa mãe não dá para não pensar numa forma de
masoquismo, num masoquismo moral, ou dá???
E vem
também a perda do amigo (que morre afogado) contribuir no aumento de
sua raiva, de sua indignação.
Aqui cabe mencionar uma frase de
Freud naquela mesma conferência. Diz, mais ou menos assim, que - de
acordo com a cosmovisão - as garantias de proteção e felicidade
estão ligadas aos requisitos éticos e que somente os que cumprissem
estes requisitos seriam recompensados e os que não cumprissem seriam
punidos.
Com a morte por afogamento do amigo, a verdade do pai - deus O´Brein cai de vez como ruínas para Jack. Bons e maus sofrem das mesmas vicissitudes da vida. O mundo era injusto !!! Provocação: é mesmo ???
Com a morte por afogamento do amigo, a verdade do pai - deus O´Brein cai de vez como ruínas para Jack. Bons e maus sofrem das mesmas vicissitudes da vida. O mundo era injusto !!! Provocação: é mesmo ???
E com
o ódio transbordando sobre aquele que exercia poder soberano, assim
como na horda primeva do mito científico freudiano Totem e Tabu, o
parricídio seria somente uma questão de oportunidade para sua
concretização. E essa hora propícia chegou com a cena do carro...
que tentação (quem tenta-a-ação?) bastava soltar o macaco que sustentava o carro sobre
o pai para sua vez chegar. Chegar a hora e a vez de assumir o lugar
de O'Brien, de assumir o poder sobre os demais. Na sua fantasia, seria a hora de ter o falo ou de ser o falo?
Mas,
caso o matasse, como ele ficaria sem esse pai ? Como ele ficaria, na
sua fantasia, sem os limites impostos de forma impiedosa por esse
pai? Esses limites que o barrava, porém, concomitante, o protegia principalmente de si mesmo, do seu lado obscuro?
De
repente, o medo pode ter contido o assassinato do pai, visto que a
cena presenciada na cidade (a da policia) provavelmente causou
desdobramentos. Talvez, percebera que um Outro poderia tomar o lugar
do pai, um Outro vestido de policial que não usasse a Lei simbólica
do pai imaginário e sim a lei do estado que, aos seus olhos, poderia
ser mais insuportável e cruel que a de O'Brien. Optou pela Lei
simbólica do Pai.
Porém, logo percebeu que nem precisou matar seu pai para este morrer,
pois o mesmo cometeu uma espécie de Harakiri. A morte simbólica
desse pai-deus imaginário foi anunciada pelo próprio O´Brien, quando relata
quão tolo havia sido, talvez por acreditar em demasia no “american
way of life”, no estilo de vida americano. Até hoje alguns ainda
creem nisso e ou sofrem disso ou por conta disso?
Bem, a notícia que o rei estava nu, mais a queda do bezerro de ouro,
parece que suscitou em Jack uma autorização que ele poderia ultrapassar esse pai desempregado. Um fracassado na visão
norte-americana. Termo esse já adotado, também, em terras
tupiniquins. E assim o fez, se tornando bem sucedido – e
reconhecido - naquilo em que seu pai mais se apoiava e falhou, no
capital.
Jack
chegou no topo, atingiu o Olimpo do capitalismo. Estava enfim no
Nirvana? Porém, não conseguia sentir-se assim completo. A
completude fugazmente se mostrou como alucinação, pois algo
faltava.... algo sempre iria faltar. E, de repente, seu irmão morto começou a se fazer mais presente na sua ausência... De repente, Jack começou
a desconfiar que escolhera, talvez, o desvio equivocado.
Tem
a sensação que precisa desconstruir para poder reconstruir um novo,
um diferente. Semelhante ao processo de análise, recorda, revivi e
elabora. Liga para o pai, numa tentativa de reconciliação. Uma
reconciliação com seu passado para modificar seu próprio futuro? Com seu pai?
Ressignificar sua história, suas lembranças parece ser sua nova aposta, uma nova escolha ? Talvez, seja necessário chegar até o ponto do desvio, ou um pouco antes, para enfim escolher outro rumo, um outro destino para sua história?
Ressignificar sua história, suas lembranças parece ser sua nova aposta, uma nova escolha ? Talvez, seja necessário chegar até o ponto do desvio, ou um pouco antes, para enfim escolher outro rumo, um outro destino para sua história?
Escutei
uma vez que reconhecemos um bom marinheiro naquele que passou por
mares revoltos e não por mares calmos. Será ?
E,
aproveitando, alguém saberia dizer, ou melhor, poderia afirmar e
apontar qual o melhor caminho para o Jack seguir ? Reformulando: há
alguém que possa escolher pelo outro sem tirar-lhe a competência -
e a responsabilidade - de escolher por si próprio? Alguém se habilita
???
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