“Tudo, todas
as coisas que eu entendo,
eu entendo somente porque amo”.
Leon
Tolstoi.
A
moralidade é uma resposta perversa no neurótico, no sentido de
perversão de caráter. Assim, ao situá-la em tal campo, considero
que tal resposta representa uma “contra-vontade” manifesta e
atuada, semelhante ao que Freud teorizou na Comunicação Preliminar.
Trata-se do
negativo da expressão do desejo. Por exemplo, a mãe de uma jovem
analisante disse-me, com ostensiva reprovação: “Ela é muito
sensual!”. Corroborando a reação, também descrita por Freud,
desse momento em que a sexualidade da filha está em clara ascensão
e a da mãe, em declínio.
O
que denominou-se “Homofobia”, com o propósito de definir a
formação reativa originada no preconceito e intolerância contra
aqueles/as sujeitos que amam e/ou gozam de modo diferente ao exigido
pelas convenções morais, não pertence, definitivamente, ao
capítulo das fobias, senão, das perversões.
A
fobia é um sintoma que se instaura no sujeito perante o declínio da
função paterna e o aumento da onipotência materna. Abordaremos e
aprofundaremos de modo multidisciplinar esta questão, numa Jornada
sobre “Mal-estar na cultura: o medo”,
que realizaremos em São Paulo e em Ilhéus, no próximo mês de
setembro, junto à comunidade indígena Tupinambá.
Nessa
particularidade o pequeno Hans foi sagazmente revelador. Seu pai,
cúmplice e amoroso, demandante do reconhecimento e da aprovação do
Outro e sua (bela) mãe, insaciável e insatisfeita, pronta para
devorar o seu produto.
Freud
apresenta-nos a atitude do discípulo das quartas-feiras, pai de Hans
– na Análise de uma fobia em um menino de 5 anos, texto publicado
em 1909 – cindida entre o 'carinho afetivo' e o 'interesse
científico'.
Estariam, Freud,
Max e Herbert Graf (Hans) em busca de reconhecimento e de amor?
Uma importante
perspectiva de “fixação” ao significante, o que situa tal busca
do lado do inconsciente estruturado como uma linguagem, ou seja, mais
próximo do amor que do mais além do princípio do prazer (Gozo, em
Lacan), é apresentada por Elisabeth Roudinesco no dicionário da
psicanálise que elaborou com Plon.
O
sintoma de Hans consistia no temor dele com respeito à queda e a
mordida dos cavalos. Quando completou seu 3º ano de vida Hans ganhou
um cavalo de balanço, significativo presente do Professor Sigmund
Freud, amigo da família. Herbert, o Grande Hans, morreu aos 70 anos
de idade, vítima de uma queda e sofrendo de uma lesão das vias
urinárias (wiwi-macher: o faz-pipi). Afecção que certamente o
“morderia” ao urinar.
Dentre
muitas contribuições importantes, o Professor também procurava
neste relato de caso que supervisionava (embora Herbert dissesse, no
final de sua vida, que o pai era apenas o intermediário da sua
análise infantil), a psicogênese da homossexualidade masculina.
Finalmente pode constatar, com alívio (?), que Hans se transformara
num “homem de verdade” (?) com tendência viril a poligamia.
Me
resulta preocupante – para dizer o mínimo – que muitos/as
psicanalistas permaneçam prisioneiros da moral (vitoriana?), logo,
surdos psiquicamente, e escrevam que os homens são polígamos por
natureza (próximos do pólo do gozo no matema lacaniano do fantasma:
$<>a).
Isto confirmaria o que afirmou Lacan, que “o amor é a perversão
polimorfa do macho”? O amor está no pólo do sujeito barrado, que
o oposto. Por isso que amor e gozo não se entendem muito bem, como
tampouco amor e uniões consagradas. Podemos confirmar esta assertiva
num texto de Freud denominado “Um tipo especial de escolha de
objeto feita pelos homens”, aonde apresenta uma das primeiras
sínteses da sua teoria do Édipo.
Será que os ditos
machos, quando investem no amor, regridem tanto?
Também muitos
teóricos afirmam que as mulheres, mais ligadas ao amor, são fieis e
monogâmicas.
Não é bem isso
que a soberania da clínica revela para o bom escutador.
Pois bem,
retornando à fobia. Ela nos é apresentada como sendo a
transformação da libido em angústia (irreversível) e que encontra
um objeto substituto no material chamado fóbico.
Os designados
“homossexuais” seriam substituto do quê na homofobia?
“Quando não
somos capazes de entender alguma coisa – alerta Freud –
procuramos desvalorizá-la com críticas”. E cita como exemplo o
anti-semitismo e o sentimento de superioridade masculina perante as
mulheres.
Teremos
compreendido o que Hans nos revelou através dos escritos de seu pai?
“Fico
com medo porque você (papai) me disse que eu gosto da mamãe, quando
eu gosto é de você!”
E o Professor
entende que “Aquilo que é hoje o objeto de uma fobia no passado
deve ter sido também a fonte de um elevado grau de prazer”.
O homossexual
masculino identifica-se com a mãe, teoriza Freud, e gostaria de
repetir as ternuras recebidas.
Hans responderia
algo assim: Ah! Esses cavalos (adultos) que estão tão orgulhosos!
Tenho medo de que caiam.
Medo de que nada
disso se sustente.
Quem, afinal, não
gostaria de receber de novo todas essas ternuras? Certamente que os
perversos não gostariam, por isso são tão acossados pela solidão.
E a perversão
polimorfa dos machos Hans resolveria com a seguinte solução: O
papai se casará com a vovó de Lainz e eu com a minha mamãe. E
pronto.
Porém, embora
constatemos que a fobia, que se produz num espaço intermediário em
que a barreira contra o incesto, ao mesmo tempo em que se faz sentir,
não constitui ainda verdadeiramente uma interdição, permanecendo
então um lugar de violência, opõe-se diretamente à perversão.
Quero dizer,
frente à falta no Outro, o objeto fóbico protege do desaparecimento
do desejo enquanto que o fetiche representa a condição absoluta do
gozo. O fóbico defende-se do gozo aferrando-se ao amor com unhas e
dentes. O perverso, ao contrário, defende-se do amor
transformando-se num Mestre do Gozo. Esse que sabe “tudo”.
Dentre tantas
conclusões apresentadas por Freud na discussão da análise de Hans,
destaco duas.
1º, a propensão
humana ao sadismo (crueldade e violência), suprimida na fobia e
desenvolvida maravilhosamente no texto do Mal-estar na cultura. “O
homem tenta satisfazer sua necessidade de agressão à custa de seu
próximo, explorar seu trabalho sem compensá-lo, utilizá-lo
sexualmente sem seu consentimento, apropriar-se de seus bens,
humilhá-lo, infligir-lhe sofrimentos, martirizá-lo e matá-lo”.
2º, o desejo de
ser maior (Hans) representado pela hipótese que de existe somente um
tipo de órgão genital.
Não estaríamos,
aqui, autorizados a afirmar que a “Inveja do Pênis” é,
fundamentalmente, masculina, então?
Assim
entenderíamos porque o genital masculino se “regozija de ser
olhado”, como aponta Lacan. Olhado como ímpar, como um pai.
(Père).
Uma versão do
pai. Père-version.
Os cartazes
colocados nos mictórios masculinos dos Shoppings que proíbem atos
obscenos, referem-se ao olhar.
“Não olharás
teu pai nu”. Como ocorreu ao filho de Noé.
Tampouco “olharás
tua mãe nua”, como Acteão e Diana.
Se foi proibido
isso implica em desejo (exacerbado) de olhar.
Antes de finalizar
esta síntese, emitirei uma antítese.
Direi que, em
Hans, brincar de morder o pai significava identificar-se com a mãe
(ao contrário do que postula Freud), já que o pai é o cavalo que
cai.
E sentar-se sobre
a girafa, mais do que tomar posse da mãe (de novo, Freud), indica
identificar-se com o pai quem, ao cair, esmaga Hans, transformado em
girafa amassada.
Se o pai
(simbólico) não se sustentar, o sujeito terá que enfrentar o vazio
absoluto da psicose. E em lugar de fantasia, terá o delírio e a
alucinação. Horror manifestado tanto pelos neuróticos quanto pelos
perversos, cada qual com sua defesa.
Nesse sentido digo
que a homofobia é uma perversão (como qualquer racismo). Seu
mecanismo implica na recusa em reconhecer a realidade de uma
percepção negativa, negando-a enquanto diferença.
Entendo perversão
como essa tentativa de abolição das diferenças como modo de defesa
contra a ameaça representada pelo desejo do Outro.
De tal modo que
projeta a castração no outro, “inferiorizado” diria Freud, e
que terá que ser eliminado ou transformado em instrumento de gozo. É
neste ponto que se confunde com fobia. Mas o fóbico jamais agirá
como Équs, cegando todos os cavalos para que não o vejam. Pelo
contrário, ficará trancado em casa e bem longe dos estábulos que,
talvez, tanto apreciara um dia que passou.
A
perversão é intolerante perante o desejo, pois este implica em
perda de completude gozosa. Assim como a neurose também é
intolerante, pois para ela o desejo representa perda da completude
amorosa (narcísica), permanecendo insatisfeito na histeria e
impossível na neurose obsessiva.
E a saída
contemporânea é pela via do cinismo e da ignorância. Tomei
emprestado de Collete Soler o termo “narcinismo” que tão bem
define a lógica da atualidade globalizada no capitalismo tardio.
Amor e gozo. Ética
e moral.
Esses são os
pólos da fantasia humana e ali, no gozo, é que temos que situar o
discurso moralista enquanto resposta perversa. A homofobia é uma
contra-vontade que expressa uma lógica fantasmática da completude.
Portanto, não se trata de uma fobia senão de uma perversão.
Brasil sem
homofobia? Só se for uma legislação elaborada no intuito de
proteger as vítimas. Apesar de sabermos que o perverso sempre dará
um jeito para burlar ou transgredir a lei.
Pois
isto é da natureza dele.
No livro “A
morte de Ivan Ilitch”, de 1855, Tolstoi escreve assim: “Faremos o
que for necessário – afirma o médico – sempre de maneira
idêntica para todos os pacientes”. E o narrador conclui: “tudo
se passava exatamente como no tribunal”.
Itaquaciara,
26 de maio de 2012.
ARNALDO DOMÍNGUEZ é Psicanalista e Professor do CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos, fundador do PROJETO ETCÉTERA E TAL... Psicanálise e Sociedade, conselheiro da Biblioteca Popular de Itaquaciara D.Nélida
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