sábado, 30 de junho de 2012

A Homophobia

de Arnaldo Domínguez
Tudo, todas as coisas que eu entendo,
eu entendo somente porque amo”.
Leon Tolstoi.

A moralidade é uma resposta perversa no neurótico, no sentido de perversão de caráter. Assim, ao situá-la em tal campo, considero que tal resposta representa uma “contra-vontade” manifesta e atuada, semelhante ao que Freud teorizou na Comunicação Preliminar.
Trata-se do negativo da expressão do desejo. Por exemplo, a mãe de uma jovem analisante disse-me, com ostensiva reprovação: “Ela é muito sensual!”. Corroborando a reação, também descrita por Freud, desse momento em que a sexualidade da filha está em clara ascensão e a da mãe, em declínio.
O que denominou-se “Homofobia”, com o propósito de definir a formação reativa originada no preconceito e intolerância contra aqueles/as sujeitos que amam e/ou gozam de modo diferente ao exigido pelas convenções morais, não pertence, definitivamente, ao capítulo das fobias, senão, das perversões.
A fobia é um sintoma que se instaura no sujeito perante o declínio da função paterna e o aumento da onipotência materna. Abordaremos e aprofundaremos de modo multidisciplinar esta questão, numa Jornada sobre “Mal-estar na cultura: o medo”, que realizaremos em São Paulo e em Ilhéus, no próximo mês de setembro, junto à comunidade indígena Tupinambá.
Nessa particularidade o pequeno Hans foi sagazmente revelador. Seu pai, cúmplice e amoroso, demandante do reconhecimento e da aprovação do Outro e sua (bela) mãe, insaciável e insatisfeita, pronta para devorar o seu produto.
Freud apresenta-nos a atitude do discípulo das quartas-feiras, pai de Hans – na Análise de uma fobia em um menino de 5 anos, texto publicado em 1909 – cindida entre o 'carinho afetivo' e o 'interesse científico'.
Estariam, Freud, Max e Herbert Graf (Hans) em busca de reconhecimento e de amor?
Uma importante perspectiva de “fixação” ao significante, o que situa tal busca do lado do inconsciente estruturado como uma linguagem, ou seja, mais próximo do amor que do mais além do princípio do prazer (Gozo, em Lacan), é apresentada por Elisabeth Roudinesco no dicionário da psicanálise que elaborou com Plon.
O sintoma de Hans consistia no temor dele com respeito à queda e a mordida dos cavalos. Quando completou seu 3º ano de vida Hans ganhou um cavalo de balanço, significativo presente do Professor Sigmund Freud, amigo da família. Herbert, o Grande Hans, morreu aos 70 anos de idade, vítima de uma queda e sofrendo de uma lesão das vias urinárias (wiwi-macher: o faz-pipi). Afecção que certamente o “morderia” ao urinar.
Dentre muitas contribuições importantes, o Professor também procurava neste relato de caso que supervisionava (embora Herbert dissesse, no final de sua vida, que o pai era apenas o intermediário da sua análise infantil), a psicogênese da homossexualidade masculina. Finalmente pode constatar, com alívio (?), que Hans se transformara num “homem de verdade” (?) com tendência viril a poligamia.
Me resulta preocupante – para dizer o mínimo – que muitos/as psicanalistas permaneçam prisioneiros da moral (vitoriana?), logo, surdos psiquicamente, e escrevam que os homens são polígamos por natureza (próximos do pólo do gozo no matema lacaniano do fantasma: $<>a). Isto confirmaria o que afirmou Lacan, que “o amor é a perversão polimorfa do macho”? O amor está no pólo do sujeito barrado, que o oposto. Por isso que amor e gozo não se entendem muito bem, como tampouco amor e uniões consagradas. Podemos confirmar esta assertiva num texto de Freud denominado “Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens”, aonde apresenta uma das primeiras sínteses da sua teoria do Édipo.
Será que os ditos machos, quando investem no amor, regridem tanto?
Também muitos teóricos afirmam que as mulheres, mais ligadas ao amor, são fieis e monogâmicas.
Não é bem isso que a soberania da clínica revela para o bom escutador.
Pois bem, retornando à fobia. Ela nos é apresentada como sendo a transformação da libido em angústia (irreversível) e que encontra um objeto substituto no material chamado fóbico.
Os designados “homossexuais” seriam substituto do quê na homofobia?
Quando não somos capazes de entender alguma coisa – alerta Freud – procuramos desvalorizá-la com críticas”. E cita como exemplo o anti-semitismo e o sentimento de superioridade masculina perante as mulheres.
Teremos compreendido o que Hans nos revelou através dos escritos de seu pai?
Fico com medo porque você (papai) me disse que eu gosto da mamãe, quando eu gosto é de você!”
E o Professor entende que “Aquilo que é hoje o objeto de uma fobia no passado deve ter sido também a fonte de um elevado grau de prazer”.
O homossexual masculino identifica-se com a mãe, teoriza Freud, e gostaria de repetir as ternuras recebidas.
Hans responderia algo assim: Ah! Esses cavalos (adultos) que estão tão orgulhosos! Tenho medo de que caiam.
Medo de que nada disso se sustente.
Quem, afinal, não gostaria de receber de novo todas essas ternuras? Certamente que os perversos não gostariam, por isso são tão acossados pela solidão.
E a perversão polimorfa dos machos Hans resolveria com a seguinte solução: O papai se casará com a vovó de Lainz e eu com a minha mamãe. E pronto.
Porém, embora constatemos que a fobia, que se produz num espaço intermediário em que a barreira contra o incesto, ao mesmo tempo em que se faz sentir, não constitui ainda verdadeiramente uma interdição, permanecendo então um lugar de violência, opõe-se diretamente à perversão.
Quero dizer, frente à falta no Outro, o objeto fóbico protege do desaparecimento do desejo enquanto que o fetiche representa a condição absoluta do gozo. O fóbico defende-se do gozo aferrando-se ao amor com unhas e dentes. O perverso, ao contrário, defende-se do amor transformando-se num Mestre do Gozo. Esse que sabe “tudo”.

Dentre tantas conclusões apresentadas por Freud na discussão da análise de Hans, destaco duas.

1º, a propensão humana ao sadismo (crueldade e violência), suprimida na fobia e desenvolvida maravilhosamente no texto do Mal-estar na cultura. “O homem tenta satisfazer sua necessidade de agressão à custa de seu próximo, explorar seu trabalho sem compensá-lo, utilizá-lo sexualmente sem seu consentimento, apropriar-se de seus bens, humilhá-lo, infligir-lhe sofrimentos, martirizá-lo e matá-lo”.

2º, o desejo de ser maior (Hans) representado pela hipótese que de existe somente um tipo de órgão genital.
Não estaríamos, aqui, autorizados a afirmar que a “Inveja do Pênis” é, fundamentalmente, masculina, então?
Assim entenderíamos porque o genital masculino se “regozija de ser olhado”, como aponta Lacan. Olhado como ímpar, como um pai. (Père).
Uma versão do pai. Père-version.
Os cartazes colocados nos mictórios masculinos dos Shoppings que proíbem atos obscenos, referem-se ao olhar.
Não olharás teu pai nu”. Como ocorreu ao filho de Noé.
Tampouco “olharás tua mãe nua”, como Acteão e Diana.
Se foi proibido isso implica em desejo (exacerbado) de olhar.

Antes de finalizar esta síntese, emitirei uma antítese.
Direi que, em Hans, brincar de morder o pai significava identificar-se com a mãe (ao contrário do que postula Freud), já que o pai é o cavalo que cai.
E sentar-se sobre a girafa, mais do que tomar posse da mãe (de novo, Freud), indica identificar-se com o pai quem, ao cair, esmaga Hans, transformado em girafa amassada.
Se o pai (simbólico) não se sustentar, o sujeito terá que enfrentar o vazio absoluto da psicose. E em lugar de fantasia, terá o delírio e a alucinação. Horror manifestado tanto pelos neuróticos quanto pelos perversos, cada qual com sua defesa.
Nesse sentido digo que a homofobia é uma perversão (como qualquer racismo). Seu mecanismo implica na recusa em reconhecer a realidade de uma percepção negativa, negando-a enquanto diferença.
Entendo perversão como essa tentativa de abolição das diferenças como modo de defesa contra a ameaça representada pelo desejo do Outro.
De tal modo que projeta a castração no outro, “inferiorizado” diria Freud, e que terá que ser eliminado ou transformado em instrumento de gozo. É neste ponto que se confunde com fobia. Mas o fóbico jamais agirá como Équs, cegando todos os cavalos para que não o vejam. Pelo contrário, ficará trancado em casa e bem longe dos estábulos que, talvez, tanto apreciara um dia que passou.
A perversão é intolerante perante o desejo, pois este implica em perda de completude gozosa. Assim como a neurose também é intolerante, pois para ela o desejo representa perda da completude amorosa (narcísica), permanecendo insatisfeito na histeria e impossível na neurose obsessiva.
E a saída contemporânea é pela via do cinismo e da ignorância. Tomei emprestado de Collete Soler o termo “narcinismo” que tão bem define a lógica da atualidade globalizada no capitalismo tardio.
Amor e gozo. Ética e moral.
Esses são os pólos da fantasia humana e ali, no gozo, é que temos que situar o discurso moralista enquanto resposta perversa. A homofobia é uma contra-vontade que expressa uma lógica fantasmática da completude. Portanto, não se trata de uma fobia senão de uma perversão.
Brasil sem homofobia? Só se for uma legislação elaborada no intuito de proteger as vítimas. Apesar de sabermos que o perverso sempre dará um jeito para burlar ou transgredir a lei.
Pois isto é da natureza dele.

No livro “A morte de Ivan Ilitch”, de 1855, Tolstoi escreve assim: “Faremos o que for necessário – afirma o médico – sempre de maneira idêntica para todos os pacientes”. E o narrador conclui: “tudo se passava exatamente como no tribunal”.
Itaquaciara, 26 de maio de 2012.

ARNALDO DOMÍNGUEZ é Psicanalista e Professor do CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos, fundador do PROJETO ETCÉTERA E TAL... Psicanálise e Sociedade, conselheiro da Biblioteca Popular de Itaquaciara D.Nélida

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