de Priscilla Cheli
O filme
nos conduz através da história uma mulher rica, que perde todo o
seu dinheiro e é obrigada a morar em São Francisco, com sua irmã,
Ginger, interpretada por Sally Hawkins, em condições financeiras
muito diferentes da que estava habituada. Como se diz popularmente,
Jasmine perde o dinheiro, mas não perde sua pose. Portanto, tal
mudança, a faz mergulhar em um universo que ela se nega
constantemente em digerir.
Logo no
início do filme, Jasmine, a protagonista interpretada por Cate
Blanchett, já mostra um traço muito significativo. Ela está num
avião e passa todo trajeto a falar e contar a mesma história para
ela mesma. Esse “ela mesma”, ora é encarnado em algum corpo que
se põe próximo a ela ora no puro nada, na própria ausência.
Ao
estilo Woody Allen, Jasmine vive um “colapso nervoso”, sempre
regado de uma boa dose de tagarelice, como uma forma de externar tal
estado. Ela revive suas lembranças se ausentando completamente do
presente e travando diálogos do passado em sua memória. Enquanto
isso, nós, expectadores, vamos sendo convidados a conhecer sua
história.
Sua
fala é vazia, não se endereça a ninguém, não há outro. É um
falar por falar. Não há, aparentemente, nem mesmo um sujeito. E
parece que foi assim que Jasmine viveu.
Vinha
de um casamento no qual era mimada pelo marido, interpretado por Alec
Baldwin. Aparentemente, seu único dever era usar suas “habilidades
sociais”. A crença em tais habilidades a alienavam num mundo
particular. Participava de ações filantrópicas, cujas quais a
faziam sentir-se diferentes das demais socialites,
sabia como receber amigos e realizar festas. Neste mundo particular,
sentia-se protegida, imunizada contra qualquer preocupação mundana.
Uma vida, que para ela, aspirava a perfeição.
Sua
irmã, Ginger, por sua vez, representava o avesso de seu mundo, ou
seja, mostrava o suburbano, a falta de classe e de nobreza. Em suma,
simbolizava tudo aquilo que Jasmine não queria ver, nem saber.
Debruçada
em sua alienação, Jasmine fazia questão de não perceber o que
todos ao seu redor já estavam cansados de enxergar: ela era
frequentemente traída pelo marido, todo seu universo luxuoso não
provinha de um homem perito em honestidade, muito menos, esbanjador
de filantropia, como ele gostava de afirmar e ela de acreditar.
Mesmo
se em alguns momentos, ela arriscasse uma espiada para fora de sua
crença, poucas palavras do marido eram suficientes para conduzi-la
novamente ao seu mundo cor-de-rosa.
A
história vira as avessas quando Hal, o marido, decide deixá-la por
uma au pair
de uma amiga do casal. Jasmine toma uma decisão que põe seu mundo a
perder. Ela denuncia o marido ao FBI, ele vai preso e na prisão se
suicida. Ela se vinga daquele que a tirou de sua alienação.
Desprovida
de qualquer recurso financeiro, pois tudo lhe foi tomado pelo Estado,
e sozinha, pois o filho de seu ex-marido, ao se deparar com toda a
realidade, envergonha-se perante os amigos de ter uma pai corrupto e
deixa tudo para trás, Jasmine recorre a Ginger.
Perdida
e sem rumo, mergulha muitas vezes em sua fala vazia. Vivendo por um
hiato a lembrança prazerosa de sua alienação. Ou seria mais
acertado falarmos a lembrança de seu gozo aparentemente perdido?
Jasmine
fica face a face com tudo aquilo que jamais quisera saber. Convive
diariamente com sua irmã, com os sobrinhos “mal educados”, no
sentido literal da expressão, pois os meninos não receberam a
educação que ela considerava adequada e ainda com o novo namorado
de Ginger, um homem simples e rústico, que, no entanto, demonstra
muito afeto a irmã.
Na
tentativa de sair daquele mundo, a protagonista passa a trabalhar
como secretaria em um consultório odontológico a fim de manter um
curso de computação, que a permitiria se formar em design de
interiores em um curso online. Esse curso representa a possibilidade
de retomar sua vida como era anteriormente e lhe lançaria num
mercado de luxo, na inserção em meios de pessoas da mesma classe
social que ela não aceitava em abrir mão de pertencer.
Em uma
festa de uma colega de curso, Jasmine conhece um homem bem sucedido e
educado. Ela se vê diante da possibilidade de se cercar de todo
aquele antigo mundo novamente. Utiliza de todas as suas habilidades e
o conquista. Assegura-se apenas de vestir-se na tão conhecida antiga
imagem, escondendo seu passado e recriando uma história. Mostra-se
uma mulher de alta classe, viúva de um médico, e bem sucedida como
design de interiores. Na tentativa de não o perder, se perde. Logo
ele descobre qual realmente era sua história e Jasmine volta a falar
com ninguém sobre como era seu mundo, sozinha em um banco publico,
lembrando que tocava Blue Moon
quando conheceu seu ex-marido.
Ginger,
por um momento, se influencia pelas críticas da irmã, como alguém
que não tem nada e se conforma com o pouco que tem. Nesta mesma
festa, conhece um homem, se ilude momentaneamente com a possibilidade
de ter uma vida diferente, porém descobre que ele era casado. Volta
ao seu rustico, porém afetuoso namorado, e parece de acordo consigo
mesma em seguir sua vida como era antes da chegada da irmã.
O filme
nos daria margem a vários recortes que permeariam diferentes formas
de olhar. Um desses recortes nos leva aos conceitos de alienação e
separação. Sabemos que um processo não existe sem o outro e que
ambos ocorrem concomitantemente. Se há alienação é porque há
separação. A alienação é um mergulho no desejo do Outro, e nele
abre-se mão do ser. Porém, ao escolher o ser, abre-se mão do
sentido e do tornar-se sujeito. Afinal, “o sujeito é o desejo do
Outro”. Na separação, o sujeito se divide tal como o Outro. Ambos
são faltantes e é dessa operação que nasce a possibilidade de
desejar.
Poderíamos
pensar que, enquanto Jasmine encontrava-se em seu estado de
alienação, agarrada a sua identificação imaginária, nada queria
saber sobre si mesma? Quando decide se separar, quando rompe essa
cola com o Outro, cai de seu estado seguro e protegido, e, muito
embora entre em colapso, algo de seu desejo aparece. Algo é posto em
funcionamento. Todavia, não se sustenta. Seria o velho gozo,
atropelando e fazendo-a cair novamente em seu “nada quero saber
sobre mim mesma”?
Trailer oficial do filme fazer
Priscilla Cheli é psicanalista com pós-graduação em psicologia clínica pela PUC-SP.
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