- Muito foi dito e escrito sobre os sentidos que este
filme teria para cinematografia de Von Trier, ou até mesmo como
expressão de sua história pessoal, as polêmicas e etc., mas vou
“tirar a sardinha com a mão do gato” e abordá-lo a partir da
enigmática menção feita sobre a existência de um 19º buraco no
campo de golfe.
- Dito de outra maneira, é do ponto de vista daqueles
que sofreram o impacto do apocalipse e que ainda estavam ali quando
as luzes da sala escura de projeção se acenderam e que, numa
experiência estética, notaram serem sobreviventes, ou seja, nós os
expectadores.
- Afinal, estamos aqui dispostos a falar algo sobre e
sob o impacto DISSO, de uma visada de fim de mundo.
- Curiosamente, de um fim de mundo anunciado desde o
início do filme e que nem por isso nos deixou suficientemente
avisados... Nenhum segredo ou suspense é feito sobre este desfecho
da trama, que já na abertura da película está decidido.
- E isso não se parece bem com a vida?
Parafraseando João Cabral de Melo Neto, em Morte vida Severina, não
“nascemos, eu e minha morte”?
- Como Justine e Claire -e das formas mais
particulares-, não queremos saber nada disso...
- Vou, então, puxar a sardinha para o meu lado e situar
nesta seara aquilo que, ao meu ver, se conecta de forma bastante
significativa ao que está colocado em perspectiva na parte mais
radical de uma experiência de análise.
- Podemos pensar que o percurso de uma análise implica
a admissão e confecção dos efeitos do inconsciente em nossa
experiência, e que neste contexto, o inconsciente há de ser
admitido em sua face simbolizável (automatom), mas também em sua
radicalidade de inominável(Tiquê) e inapreemsível, sem tomar o
impossível “como se” se tratasse de impotência.
- Há um filme do Godard chamado “Nossa música”,
que, curiosamente, também é apresentado em 3 partes e tendo com
começo uma versão de fim de mundo como Melancholia.
- No caso de “ Nossa música” trata-se de “Inferno,
Purgatório e Paraíso” , sendo o Inferno a primeira parte
apresentada, como uma sucessão de imagens de destruição, o
Paraíso a última, encenando uma espécie de paz pós- morten
e, entre estas, o Purgatório, onde tudo transcorre como em nosso
cotidiano terráqueo e em que se propõe a seguinte questão:
“É preciso deliberar entre ficar com o impossível
do possível ou com o possível do impossível”
- Contar o possível da vida não se faz sem incluir o
impossível, inclusive no que diz respeito ao inconsciente e,
portanto, à empreitada de uma análise.
- Seja enfrentando a questão da castração, que com
Freud nos levou até a formulação do “trabalhar e amar” , seja
com Lacan, levando tal projeto, digo, o da análise, mais adiante, ao
“fazer com a pulsão”. Talvez esta seja uma concepção de 19º
buraco no campo de golfe, de Von Trier... Talvez, também a pergunta
sobre o “Amor depois do amor” de Fito Paez...
- Lacan certa vez disse: “o analista tem horror de seu
ato” e, também, que “ a angústia não faz chiste”. Isso não
teria a ver com a condição advertida que o ato do analista comporta
sobre a radicalidade de um certo fim de mundo concernente à
existência que se deflagra necessariamente na análise de cada um,
se levada a termo? Além das resoluções edipianas ou como dito,
depois da conquista da condição do “trabalhar e amar”?
-
No cartaz original do filme de Von Trier está escrito sobre a foto
de Justine disposta como Ofélia de Hamlet: “O fim será belo”...
Mas, Isso será possível? O que podemos fazer com Isso? Ou Dizer
disso?
-
Estas são perguntas de uma análise...
-
Mas, não sem passar pelo inexorável fim admitido, quando terá sido
fundamental ter lançado mão, como em Melancholia de Von Trier, da
“caverna mágica” por um puro designo nominativo, pode ser
factível ficar com o possível do impossível...
O
que não será pouca coisa!
Karin de Paula
SP,
agosto de 2012
Karin
de Paula é Psicanalista, Mestre e Doutora pela PUC-SP,
Pós-doutoranda na Sorbonne
Paris Diderot (Paris
7), professora na universidade e em curso de formação de
psicanalistas. Membro fundadora do umLugar – Psicanálise e
Transmissão. Autora dos livros “$em – sobre a inclusão e o
manejo do dinheiro numa psicanálise”, Ed. Casa do Psicólogo
e
“Do
espírito da coisa - um cálculo de graça”, Ed. Escuta.
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