por Mauro Celso Lima

Mas essa também é a realidade de Hachi. A realidade que quis viver para si. Muitos dirão: “Mas é um cachorro! Como é que pode distinguir entre o que é ou o que não é real?” Pois é!! Isso é uma pergunta que não fazemos só para o animal. Podemos também perguntá-la a um ser humano.
Mas há outros aspectos também que gostaríamos de ressaltar na história que nos parece relevante. Um dos quais é o encontro de Hachi e o Professor Parker Wilson, como se o destino já tivesse determinado um cachorro especial para uma pessoa especial. Esse filme é o segundo que conta a mesma história desses dois personagens que viveram no Japão. O filme nos conta sobre alguém nos EUA que recebe um “presente” do Japão. A nossa sensibilidade não pode deixar de notar um provável convite para a sociedade Americana, e porque não Ocidental, aprender o jeito diferente de ver o mundo tal como o Oriente o enxerga. Quem sabe também não seria para que o ser humano pudesse integrar mais efetivamente no seu dia a dia o amor, a dedicação e a lealdade como sentimentos comuns uns para com os outros.
O apego também é tratado nesse filme de uma maneira muito particular. A cena da bola que Parker joga para Hachi poder pegá-la. Um cachorro comum a pegaria e levaria de volta para o seu dono, no caso de Hachi, como todo cachorro de raça Akita, não agradam seu dono e só fazem algo que tem sentido para eles, assim revela uma personagem do filme. Tal fato humaniza ainda mais o cachorro que está sendo humanizado desde o início do filme (projeções de sentimentos).
É notável também a negação de Parker na aceitação de Hachi em sua vida. Lutar contra algo é sinal de que esse algo já está lá. Não se luta sozinho! Essa negação atribuímos ao bom relacionamento dele com sua esposa que no começo não queria que Hachi ficasse mas rendeu-se a perceber o relacionamento entre os dois. Mais uma vez não dá para negar o que já está acontecendo, apenas ser honestos conosco mesmos e enfrentar a realidade. Mais uma lição bonita que o filme traz para quem assiste.
O cotidiano é tratado com extrema delicadeza no filme. As personagens, cada uma tem uma função específica no dia da outra. O vendedor de bilhetes, o vendedor de cachorro quente, a mulher da mercearia, etc. O E todo dia a mesma coisa e quase os mesmos fatos. Nada melhor de simbolizar esse fato do que um TREM (tem horário para chegar, para permanecer na plataforma e para sair – tudo cronometrado, como se a vida fosse um relógio. O cotidiano, a mesmice só irá ser superada pelo amor, tal como Parker falou para o futuro genro: “Você ama a minha filha? Porque o amor é a única coisa que lhe dará sustento nas adversidades.” Entendemos o cotidiano como sendo uma das adversidades para qualquer relacionamento.
A finitude encontra espaço na repetição do cotidiano. A vida continua na sua aspereza e crueldade mesmo na falta de alguém especial.
A aceitação da realidade como fato também é discutida nas entrelinhas. Deduzida a partir do comportamento do cão. O quanto estamos e ficamos presos a situações, a pessoas a estilos de vida e não percebemos que estamos parados num único e só lugar? O que o comportamento de Hachi também nos revela? Se não sou de um também não sou de mais ninguém... o quanto fazemos isso em nossas vidas? Será que temos algo a aprender com tal filme? Talvez, tentando humanizar o cão novamente, Hachi tenha encontrado um sentido em sua vida: esperar pelo dono!
Mauro Celso Lima é psicólogo e membro da ABRAPE