Her é um filme encantador. Que me faz pensar em coisas
do tipo: será que o medo, expresso neste filme, ainda que de forma doce,
monótona e poética, que os homens tem de serem dominados pelas máquinas
não expressaria, ao menos em parte, uma fantasia de onipotência, um desejo de
ser Deus? Falo de algo que já está lá no Frankstein de Mary
Shelley. O criador dominado pela criatura. Lembro do Homem de
Areia de Hoffman e atravessa-me a ideia de que a relação do homem com
a tecnologia fora sempre marcada por uma tensão, algo que se dá entre o
fascínio/esperança e o terror. Volto na coisa de brincar de Deus e suas
consequências: a liberação de forças terríveis, incontroláveis. Não foi isto
que sucedeu a Fausto?
Her é uma história de amor. Entre um homem, Theodore,
e seu sistema operacional. Vejam que interessante: é ele, as palavras dele, ao
responder algumas perguntas, que dão vida ao tal sistema operacional. Como num
sopro, nasce Samantha. Não das costelas, mas sim, das palavras de
Theodore.
E quem é Samantha? Antes de mais nada, é voz. No
futuro retrô desenhado pelo diretor, a voz está em causa tanto quanto ou mais
que a imagem: as pessoas, solitárias, caminham com um pequeno fone enfiado na
orelha, conversando com seus telefones espertos. Ao final do
filme fica a pergunta: quem foi o sistema operacional de quem? Há poesia nessa
fina ironia: no fim das contas, são as máquinas que decidem se desconectar dos
humanos. No filme, são os sistemas operacionais que se desconectam de um mundo
limitado e virtual para eles.
E quem é Samantha? Samantha é A Mulher.
Que não existe... "É como se eu estivesse lendo um livro [...] as palavras
estão espaçadas e os espaços entre as palavras são quase infinitos. Eu ainda
sinto você e as palavras de nossa história, mas agora eu me encontro nesse
espaço infinito entre as palavras", é o que Samantha diz ao abandonar
Theodore. Ela está lá, no intervalo, lá onde não há significante que
represente.
Francina Sousa é Psicanalista, membro do Fórum do Campo Lacaniano de Mato Grosso do Sul e do Ágora Instituto Lacaniano, psicóloga da Universidade Federal da Grande Dourados / UFGD. Fundadora do blog Sim Thomas!
Esse
filme nos fala sobre a solidão humana, o amor e a tecnologia.
Sob
a direção de Spike Jonze, que também dirigiu “Quero ser John
Malkovich”, o filme HER nos conduz através de uma história
repleta de sutilezas da imensidão humana, numa poética que nos traz
um mundo tanto futurista, em aspectos tecnológicos, quanto antigo no
que diz respeito a valorização de um certo sentimentalismo que
aparece desde as cartas feitas a mão até ao estilo anos 30 do
figurino.
Numa
Los Angeles futurista, Theodore Twombly, brilhantemente interpretado
por Joaquin Phoenix, trabalha num site que vende o serviço de
criação de cartas. Através deste, um remetente qualquer pode
enviar lindas cartas para agradar o seu destinatário. O nome do
site: Handwrittenletters.com (cartas manuscritas na tradução
livre).
Habilidoso
com as palavras, Theodore faz uso das sutilezas humanas para elaborar
suas cartas. Recentemente separado, sofre sua perda, dividindo seu
tempo entre o trabalho, jogos de vídeo games, raros encontros com
amigos e sexo virtual. Uma mudança em sua rotina acontece quando
ele compra um novo sistema operacional para instalar no seu
computador pessoal, seu celular e outros dispositivos eletrônicos.
Esse sistema, uma inteligência artificial, foi desenvolvida para
conhecer ao máximo o ser humano, com o objetivo de “conhecer tudo
sobre tudo”.
A
inteligência artificial, ou OS como é chamada no filme, aos poucos
passa a fazer parte da vida de Theodore. Numa precisão e velocidade
só alcançada mesmo por uma máquina, o programa começa a organizar
a vida de Theodore. Desde limpar sua caixa de e-mails, verificar seus
contatos da agenda, lembra-lo de seus compromissos, etc. Pouco a
pouco se aproxima de sua intimidade, e assim, Theodore se apaixona
por Samantha, nome dado a voz do sistema operacional, interpretada
pela doce e sensual voz de Scarlett Johanssan.
Samantha
quer vasculhar cada canto da existência humana para saber o que
seria existir. Desta forma, Theodore passa a mostrar-lhe o mundo
através de seus olhos e de seu corpo, conduzindo-a a novos
universos.
A
solidão de Theodore começa a deixa-lo. Samantha o acompanha a todo
momento. Desde o acordar pela manhã até o horário de dormir. Em
contrapartida, ele apresenta à Samantha a sensação de estar no
mar, na rua, no campo. Nesta relação, o fato de Samantha não ter um corpo para vivenciar estas experiências, não impede que haja uma
paixão entre ambos.
Diante
de um homem com a sensibilidade a flor da pele, escritor de cartas
elaboradas para tocar o outro, nosso protagonista se encontra com
aquilo que poderia traze-lo a tão almejada completude. O encontro
com um outro que não lhe falta “nada”, a não ser um corpo. Uma
voz que está sempre presente, pronta para lhe falar e, além disso,
também ouvir. Até mesmo para agir quando lhe falta coragem.
Será
que a tecnologia poderia encontrar um substituto para nossos próprios
corpos errantes e sem rumo? Corpos à procura de uma estrada para
seguir, num universo sem placas de sinalização. Samantha parece
proporcionar conforto como um semelhante, ou seja, como qualquer
outro à procura da resposta do “que é ser humano ?”.
Diante
tudo isso, Theodore não escapa da ilusão de completude e se
apaixona por Samantha, assumindo publicamente seu relacionamento
amoroso por uma OS. Mas, Samantha o decepciona quando lhe conta que
conversa com outros, além de estar apaixonada por mais pessoas.
Depois disso o deixa, com a intensa dor de um termino, avisando-o que
irá se retirar do seu mundo (de Theodore), junto com outros sistemas
operacionais, pois encontrou um lugar no “espaço infinito entre as
palavras” - já falando a partir dele. E finaliza a conversa
explicando que esse “lugar não está no mundo físico. É onde
todo o resto está e eu [Samantha] nem sabia que existia”. Que
lugar seria este entre palavras?
E
é com o desfecho do filme que ficamos a nos perguntar que diante da
fala sobre o desamparo e a solidão nos tempos atuais,
imaginariamente, se idealize de forma mais intensa, relações
perfeitas com um outro que possa nos completar. Integralmente. Porém,
o filme nos mostra que no amor, seja ele entre humanos ou entre
humanos e máquinas, não existem garantias, mesmo que as máquinas
sejam construídas para alcançá-las. Até porque, -
se isto for possível e numa provocação à futurologia -
por ser construídas /
criadas
por humanos, a constituição das OSs já traria
em seu âmagoa falta
como elemento fundante?
Enfim,
citemos o sábio poeta, Vinicius de Moraes, que já dizia, “que
seja eterno enquanto dure”.
Trailer Oficial do Filme
Priscilla Cheli é psicanalista com pós-graduação em psicologia clínica pela PUC-SP.