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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

AS VAGAS ESTRELAS DA URSA

de Leila Oliveira 

Vagas estrelas da Ursa/ Não acreditava voltar a contemplá-las/ Cintilantes, no jardim paterno/ Nem refletir com vocês das janelas desta morada/ Onde morei quando criança e vi findar minhas alegrias.

Versos do poema La Ricordanze (As Lembranças) de Giácomo Leopardi, poeta italiano, ensaísta e filósofo. ((1798-1837) inspiraram Luchino Visconti a dar o título a este belíssimo e intenso filme.
    O filme aponta em movimento um mergulho na memória em todos os sentidos, inclusive histórico, pois faz referência ao nazismo, á perseguição aos judeus, daí para a tragédia grega, evocando Electra e Oreste como, também referências ás civilizações antigas.
    Esse duro, difícil e melancólico mergulho no passado desta família começa em uma festa da burguesia em Genebra. Uma pequena babel. Fala-se em francês, em inglês, alemão, italiano e etc... Um mundo moderno e cosmopolita de um filme feito em 1965, em suntuoso preto e branco. Sandra cuidando de tudo, como uma boa anfitriã. De repente, seu marido Andrew, percebe, que ela ficou subitamente alheia ao que se passava ao seu redor. Aproxima-se dela, pergunta se está tudo bem, ela fala da música, que não gosta, ele a leva para perto do piano. Vê-se claramente as expressões de tristeza em Sandra. Um senhor idoso toca no piano o Preludio Coral e Fuga de Cesar Frank. (1822-1890)
   A tragicidade da música parece conduzir a narrativa. Em vários momentos, nos mais tensos ela é ouvida. Eu a considerei como um personagem também.
    A festa termina, estão exaustos e preparam para a viagem do dia seguinte.
    Da Genebra, cidade grande, para Volterra, uma pequena e milenar cidade, parada no tempo, onde ainda há vestígios da civilização etrusca, período pré-Império Romano, vive uma sociedade interiorana, provinciana. O caminho é como uma mudança da cidade para o campo, do presente para o passado.
     O casal vai de carro a Volterra,, a câmera acompanha esse trajeto do carro por estradas, tuneis e paisagens.
   Estava sendo preparada uma homenagem ao pai de Sandra, um cientista judeu, que morrera no campo de concentração em Auschwitz, durante a segunda Guerra Mundial. A homenagem era uma inauguração de uma estátua do pai, nos jardins da casa. Este pai que está sempre sendo mencionado não aparece em nada,, até seu rosto não é mostrado, sua estátua coberta por um pano, ele, o pai, existe apenas como nome, função e ausência...
     Andrew e Sandra hospedam-se no palácio da família dela. Uma casa imensa, gigantesca, onde ela nasceu e cresceu.
   Sandra entra na casa, passeia pelos cômodos, toca nos móveis, retorna ao cenário de sua infância. Quando Fosca, a velha empregada da família, e a única pessoa que está na casa, diz ter preparado para ela e o marido o quarto de hóspedes. Ela prefere dormir no seu quarto de solteira e sozinha. Trancado, o quarto da mãe permanece intacto, como se o tempo houvesse parado, como parado está o relógio de Eros e Psiquê que lá existe; nele, um bilhete do irmão, assim, como quando eram crianças.
    Seu marido lê o bilhete, mostra para Sandra, ela não diz a verdade para o marido, diz que esse bilhete estáva lá há muito tempo, mas vai ao encontro do irmão.
    No momento em que Fosca diz que Giani, que vive em Londres, de vez em quando, vem visitar Volterra,, Sandra nega, garante que a empregada está enganada.
   A menção a Giani deixa Sandra assustada, quase em pânico e ao mesmo tempo fascinada e excitada.
   Sandra faz o que Freud chamou de “A Negação”, que é um modo de tomar conhecimento do recalcado, quando no fundo já há uma suspensão do recalque, mas na verdade nenhuma aceitação dele” Seria então, tomar conhecimento por suspensão, sem aceitação. (tradução de Eduardo Vidal).”
  Ela insiste em negar seu passado, mas os desejos suprimidos, proibidos, aparecem através do desejo incontestável de exílio de sua infância que são capazes de ganhar a consciência. A negação como suspensão do recalque presentifica a divisão do sujeito, neste caso Sandra sofre, padece no campo do outro, mas sem aceitar essa sujeição. Ela se nega como objeto, para excluir-se do campo do outro.
   O mesmo não acontece com Giani, que insiste nas lembranças e na sedução a Sandra .demonstrando, uma estrutura talvez perversa, que parece não residir em alguma prática incestuosa cometida na juventude com a irmã, mas em se encapsular nesse passado e se recusar a aceitar a nova vida de Sandra; Um passado do qual Sandra insiste em se afastar. Giani se encontra preso neste círculo vicioso dessas lembranças, fora das quais é incapaz de divisar um horizonte de expectativa... Algo que não cessa de não se inscrever
   Sabemos que o que repete é o mais arcaico, e que a repetição é característica própria da pulsão.A pulsão tende a um retorno, ao anterior e estranho. Embora a repetição seja percebida como estranho, é o estranho mais familiar, aquilo que de tão intimo é tão .
 Citando Freud em ‘Além do Principio do Prazer (p52), As manifestações de uma compulsão a repetição, que descrevemos como ocorrendo nas primeiras atividades da vida mental infantil, bem como entre os eventos do tratamento psicanalítico, apresentam alto grau de um caráter pulsional e quando atuam em oposição ao princípio do prazer, dão a aparência de alguma força “demoníaca em ação”. E vai dar fundamento para a explicação da pulsão de morte.
Esse movimento de repetição, de retorno quando sai do presente para o passado se instaura, também já no início do poema, na requisição das estrelas como interlocutoras:
   
   O sentimento de Giani é similar ao expresso em um verso do poema: A Nerina! No meu peito o amor antigo reina.
A cumplicidade entre Sandra e Giani se faz presente em uma intimidade física, em uma dependência emocional, em um passado impronunciável que insiste em se fazer ouvir à superfície. Os encontros entre eles acontecem todo o tempo, sempre velados e cheios de ambiguidades.
   Visconti, talvez viu uma possibilidade de relação incestuosa entre os dois, mas tomou o cuidado de preservar sua ambiguidade.
Quando nos jardins da casa, aos pés da estátua do pai, Giani, encontra com sua irmã como se encontrasse com a namorada proibida, a cena é muito bonita. Aquele jardim mostrado em um nebuloso preto e branco, com luzes realçando o chale branco de Sandra e o vento parecendo querer abraçara o encontro dos dois. Esse encontro é apenas o primeiro entre tantos, sempre escondidos mas que aos poucos vão desvelando o mistério que envolve a família.
   Uma semelhança ao mito grego fica clara nesta cena, em que Electra ao visitar a tumba de Agamêmnon, encontra Orestes. Sandra quer vingar a morte do pai –da qual julga culpada a mãe e seu amante.
   Uma relação do filme com a tragédia grega, na qual Sandra seria a Eletra, a mãe Climenestra, Giani Orestes e Gilardini, Egisto. São aproximação e não uma transcrição da peça de Sófocles. ”Uma comodidade narrativa”, como disse o próprio Viconti.
   Com a ajuda de seu namorado na adolescência, Sandra visita a mãe, enlouquecida, vítima de transtornos mentais. Sandra não a perdoô, nem ao seu amante, nem as pessoas da cidade, pois acha que todos são suspeitos de serem os delatores de seu Pai.
   Andrew, o marido de Sandra, é quem carrega os principais signos de abertura ao futuro: por ser estrangeiro, manipula novas tecnologias –filma Sandra em sua casa, o carro esporte–etc
   Andrew busca uma explicação lógica para tudo que é vivenciado em Volterra, mas fica chocado com um mundo dominado pelas contradições e paixões inexplicáveis.
Ele procura tirar Sandra de uma ordem familiar para localizá-la em outra posição: sair da posição de filha e irmã, para mulher e mãe. Ela fica dividida, pede ao marido para morar em Volterra, mas ao mesmo tempo não quer dar continuidade a certos hábitos do passado.
Quando Giani ,revela a Sandra que deseja publicar o livro, que conta a história da família, Sandra não aceita que o publique, pois já há rumores a cerca da suposta relação incestuosa que os dois mantinham quando jovens, a qual serve de tema ao livro que ele escreveu .e que seria mais um escândalo.
   Neste momento, Giani, desesperado, dá nome ao seu livro “Vagas Estrelas da Ursa” queima-o e em seguida, faz uma passagem ao ato. Ele sai de cena, como atesta a própria maneira de morrer. Ele se suicida, tomando altas doses de remédio, um salto no vazio.
Então vemos que a destruição do livro, é também uma destruição de si mesmo, que culmina com o fim do filme.
Um filme sobre amor e morte, cheio de mistérios e busca da verdade, de destruição e mitos, de encontros e separações, onde ninguém saiu ileso.
trailer do filme 


Leila de Oliveira é psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano- BH /MG

quarta-feira, 1 de maio de 2013

ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO

por Leila Oliveira

Certamente, um belo filme de Buñuel,  que revela toda a sua relação com o movimento surrealista. O movimento formado por artistas que propunham uma maneira diferente de ver o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Uma ampliação da consciência, uma liberdade de expressão, sem exigência da lógica e da razão, assim, como o mundo dos sonhos.
No sonho, sabemos, é a satisfação de desejo embora o desejo só se realiza e não poucas vezes, ás custas do próprio eu. Ele irrompe, chega sem avisar, nos surpreende e entra sem ser convidado. As formações do inconsciente, como os atos falhos, sonhos, lapsos, sintomas, são paradigmas freudianos que nos ensinam sobre o caráter essencial do desejo. Mas que desejo é esse, de Mathieu e Conchita?
Buñuel constrói e desconstrói, na ficção, um dos mecanismos mais caros da teoria de Freud. Vamos então, á nossa viagem de trem para Sevilha construindo as cenas.
No trem, um comportamento inesperado do protagonista, chama a atenção de seus amigos de viagem, e ele procura explica-lo, narrando os motivos que o levaram a tal ato, aparentemente, sem a menor censura.
Mathieu, um homem de meia idade, burguês e solitário, se apaixona desesperadamente por Conchita, uma jovem de 18 anos, meiga, doce, insolente e virgem.
E então se faz aparecer um jogo erótico, de pura sedução, onde pode se perguntar: o que quer a mulher? Qual o desejo de Conchita? E Mathieu, o que espera da mulher? Ele espera que ela lhe dê o que lhe pede, o objeto sexual.
Ele fica siderado por essa mulher, de um certo desejo, desejo do ato sexual.
Mas, Conchita oferece a Mathieu, apenas partes de seu corpo para que ele goze .”Assim, como a histérica, quer deixar insatisfeito o gozo do outro, quer um “mais-ser”, ser alguma coisa para o outro, não um objeto de gozo, mas um objeto precioso que vá sustentar o desejo e o amor. (Colette Soler)
Se eu lhe der o que me pede, não vai me querer mais”. Ela quer o amor.
Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, diz que: “O que se coloca em lugar do objeto sexual é alguma parte do corpo (tal como o pé, ou os cabelos) que é, em geral, muito inapropriada para finalidades sexuais”. E, Conchita oferece a Mathieu, apenas partes de seu corpo para que ele goze.
Como explicar a atração entre os sexos se existe apenas as pulsões parciais?
Bem, sabemos que as pulsões parciais em si, ignoram a diferença sexual. A orientação do desejo sexuado, é que é passível de ser explicado.
Colette Soler, em seu livro, “O que Lacan dizia das mulheres” pergunta: Como explicar a relação sexual? O que é uma norma heterossexual? Se o macho não basta para constituir o homem, nem a fêmea, a mulher?
Podemos tentar responder então, a partir do Édipo e da descoberta do inconsciente.
Freud descobriu que, no inconsciente, a diferença anatômica é transformada em significante : ter o falo. E a partir do Édipo, responde a esta pergunta: como pode um homem amar sexualmente uma mulher? Através da renuncia ao objeto primordial, a mãe, e ao gozo referido a ela e através da castração do gozo. Já do lado feminino Freud reconheceu o fracasso de suas tentativas de explicar e daí surgiu o seu famoso: ”que quer a mulher? E conclui que o édipo produz o homem, não produz a mulher”.
Conchita nos demonstra em vários momentos, essa posição de ter e não ter o falo. Ela oscila entre a “Mulher Pobre” que é “aquela que é desprovida de todos os objetos da serie fálica”, mas rica de outros bens, (boa filha, meiga, virgem) que como diz Lacan: nada pede á fantasia do homem. Ela não está preocupada em satisfazer as fantasias, o desejo de Mathieu. Conchita pobre de amor, mas rica de outra coisa que é o gozo. E entre a “mulher abstinente”, que é aquela mulher que renuncia a sexualidade, permanecendo “virgem”, e a relação com o gozo do outro, fica indeterminada.
Ela quer apenas gozar na sedução. Serei sua amante. - Quando? Hoje? -Não, depois de amanhã. Em outro momento, ele pede:- Beije-me, ela não permite, diz:- depois. E adia mais uma vez, a se entregar como objeto causa de um desejo.
A quem são endereçadas as perguntas de Mathieu, então? Podemos dizer que á fantasia, á imagem e ao objeto
Conchita não fez a travessia para o feminino, ela recusa a verificar-se numa posição subjetiva da castração. Ser “castrada”, é, de onde parte a feminilidade da mulher que é aquela cuja falta fálica a incita a voltar para o amor de um homem. Primeiro o pai, depois o marido..
Ao se descobrir privada do pênis, a menina torna-se mulher quando espera o falo- ou seja, o pênis simbolizado daquele que o tem” C.Soler.
Mas deixa seu rastro, embora, não quer saber de nada disso. E Mathieu sempre a encontra, obsessivamente, e ela, sempre recua frente ao seu pedido.
Bem, se olharmos o que acontece nas cenas em que Conchita faz jogo da separação/retorno, presença/ausência, podemos pensar em Freud, em Além do Principio do Prazer, onde aponta a brincadeira do fort-da.
Desenvolvida por uma criança, que fazia desaparecer e aparecer o objeto, um brinquedo, que significava o “ trazer de volta, a mãe”
A criança antecipava a satisfação de um desejo- a mãe poderia estar ausente sem fazer grandes reboliços.

Jogar fora um objeto e trazê-lo de volta, era o que Conchita fazia em sua fantasia de satisfação. O mesmo mecanismo controlador, ilustrando uma ausência a ser buscada por Mathieu. Volta para ele, pra não ter a presença negada e assim continuar o jogo de gato e rato, prazerosamente controlando a situação com promessas que faz e não cumpre.
Investe em uma sensualidade infantil, fala de seus princípios, de seus valores, tendo a mãe como sua aliada, ao mesmo tempo apresenta uma liberdade estranha, dança em cabaré nua para os homens, aceita certas caricias de Mathieu.
Com essa posição, não querendo mais ser criança, mas também não querendo ser adulta, que é uma conveniência, para manter um outro jogo, que é o “negocio amoroso”, Mathieu passa a ser mais um “tesouro” que a fascina do que um objeto de amor a ser possuído. E esse se coloca nesse lugar.
O filme, rico em detalhes e enigmas, como por exemplo: a ratoeira em uma casa de classe alta, mosca no copo, um saco que eventualmente Matthieu carrega nas costas, são detalhes que sugerem uma outra narrativa, um outro momento do filme. As cenas de explosões e de terrorismo, sugerindo um suposto envolvimento de Conchita, mas que parece passar despercebido a Mathieu, são apenas sugeridas, indiciadas sem nenhuma explicação. Ou quem sabe, o explosivo movimento do desejo?
E no final, uma mulher dentro de uma vitrine, tira de um saco, varias camisolas, talvez simbolizando as recusas de Conchita, sugere o mesmo saco que Mathieu carregava, começa a remendar uma camisola suja de sangue. O desejo do ato sexual consumado? Pega suas memórias, suas bagagens, seus desejos e constrói a historia, ou repete a história?
Belo Horizonte, 06/04/2013
link para assistir o filme completo: http://vimeo.com/35092020

Leila de Oliveira é psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano- BH /MG

domingo, 4 de novembro de 2012

Não Amarás - de Krzysztof Kieslowski

de Leila Oliveira
Este filme faz parte do “O Decálogo", série de 10 episódios baseados em cada um dos dez mandamentos da Bíblia.
Um filme concebido para ser uma vingança de uma mulher mais velha, contra um adolescente voyeur, que lhe atazanava a vida, mas acabou sendo recebido como um grande filme sobre o amor, não só no Brasil onde venceu a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em 1998, como em todo mundo.
Kieslowski é mais conhecido do publico pela Trilogia das Cores: A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e a Fraternidade é Vermelha.
Me chamou a atenção o nome original do filme: “Pequeno filme sobre o amor”, um titulo de filme com o nome “filme”.
Em português, “Não Amarás”. Duas palavras que também me chamaram a atenção: O tempo do verbo: 2ª pessoa do futuro e o seu corte: Não.
O que vem presentificar o sujeito além do verbo. O imperativo Não, da ordem do predestinado, do definido vai sendo observado em vários aspectos do filme.
Temos a mulher como foco principal. Ela é vigiada, observada com um olhar certeiro e certo de um rapaz de 19 anos, através de uma luneta emoldurada pelas janelas tanto de um lado quanto do outro.
Ela é ao mesmo tempo presença/ausência. Presença buscada com tempo e hora marcados através desta lente, guiada e controlada nas suas pequenas necessidades, na sua rotina e enganada com falsos bilhetes, avisos ou sinais que vem do outro sem que ela saiba. Todos esses aparelhos como a luneta, o relógio, o telefone, a janela, circunscreve em torno dela um campo de gozo decifrado pelo olhar de Tomek. que despertado pelo suposto excesso de gozo que ela usufrui (a cena de sexo com o namorado) desperta nele esse gozo escópico, para usufruir dele também.
Saber do gozo do outro. Lacan interroga: O que é o gozo? O gozo é aquilo que não serve pra nada, ele é apenas uma instancia negativa. O gozo do outro não é signo do amor.
O que Tomek pode saber do gozo de Magda? E Magda do gozo de Tomek? Não é possível saber, mesmo assim é preciso que o sujeito tente construir sinais em torno disso;
O signo é um efeito daquilo que se supõe, enquanto tal, de um funcionamento do significante. Este efeito é o sujeito. Signo não é portanto signo de alguma coisa, mas de um efeito. pag.68, mais ainda.
Mas os aparelhos de Tomek operam e insistem em um constrangimento constante e crescente, cada vez mais, aproximar da mulher, e ela se vê de repente desalojada de sua alienação ao cotidiano onde não havia lugar para o amor. Mas o amor se impõe com todos os seus aparatos e ela não pode recusá-lo. Ela se vê apreendida pelo outro em seu desejo, esse outro que sabe muito bem de sua vida, de sua solidão, de sua falta (cena do choro diante do leite derramado) e aí ela começa a responder tentando apreendê-lo com seu saber. Até então, mulher da vida, mulher imagem, mulher de nome ou nome de mulher? Pois seu nome anterior era “BLMM”, bunda linda mexe muito”, até ser nomeada como Magda.
A mulher mais velha, a mãe do amigo de Tomek, parece comandar o destino dele, ou melhor, do homem. Mostra o Miss Polônia na Tv, lhe dá permissão para levar alguma garota em casa, fala da namorada árabe do filho e etc. Mas tudo isso em um duplo sentido pois teme que ele a abandone em sua solidão. Ela tenta barra-lo na paixão que sente com relação á aquela estranha mulher, impedindo, dificultando seu acesso ás informações sobre o fato ocorrido, sobre o hospital, até mentindo sobre o telefone, que diz que lá não tinha telefone.
Curiosas são suas palavras a Tomek, quando pergunta porque as pessoas choram. Ela responde: Choram porque não aguentam mais... a vida. De que vida ela fala? Uma vida de renuncias que precisa ser suportada no exilio, na solidão, na vida que não arrisca á contingência do amor? É preciso arriscar ás contingencias do amor para que ele subsista como necessário: aí então, o amor se impõe no caminho do sujeito desejante. Lacan diz isso.
Apesar de todos os aparatos que Tomek usa, ele quer chegar mais perto, ver sem aparelhos, sentir de perto aquela mulher, rompendo a moldura. Passa a entregar o leite como uma possibilidade de estar frente a frente com esta mulher.. Ele não recusa, não recua, sustenta sua investida, mesmo correndo o risco de perda total.
E neste momento do encontro onde é forçado a dizer o seu nome, não sabe explicitá-lo. Ele só quer amar, mais ...ainda.
Amar e ser amado? Tomek se posiciona frente ao desejo e arrisca ao convite do sorvete e mais outro convite de ir á sua casa. Ele conta como a espiona, e as estratégias para vê-la de perto, ou seja toda a aparelhagem do seu amor: Lacan diz: “Não é do defrontamento com esse impasse, que é posto á prova o amor?” pag.197
Ela tenta ensinar-lhe na posição de dona da verdade e diz: “Pois então aí está tudo o que representa o amor” Frente a isso ele não suporta a vida, se esgota em sangue corta os pulsos.
O gozo vence o sujeito, é preciso instaurar de novo o “Não”, atuado pela tentativa de suicídio, e pelas interceptações da velha mulher: Não, não, não.
Ao final há uma troca de posições : Tomek agora é que vive nas fantasias de Magda, ocupando o lugar dele, toma distancia de seu drama e se coloca no lugar do outro na tentativa de saber sobre a verdade do amor. Marcado pelo não, pela fantasia, o amor testemunha a verdade do sujeito.
Belo Horizonte, 27/10/2012
Leila Oliveira é Psicanalista
Trailer do filme