sábado, 22 de outubro de 2011

Poesia e Arte


de Vítor Viana

É bom, é triste, é bom, é bom descobrir a alegria através da tristeza....
A alegria é verdadeira sentindo a tristeza perto, não no coração, perto, só perto....
Rondando a alma, qual abutre esperando pelo manjar, moribundo, o manjar...
Que bom é quando a dor passa, o alivio, o fim do sofrimento, quando a dor passa...
Sentir frio, muito frio, de morrer, sentir o limite de não morrer...
Sentir-te quente e não sentir, se quente, se frio de morrer...
Que bom é sentir-te perto, saber quão perto e quão distante, a um passo, imenso, perto...
Mas é bom, alegre e triste, saber que existes!


Poema dedicado a DG em 20.10.2011

Vítor Viana, nado no Porto, Portugal, no ano da graça de 1960, cidadão do mundo, escreve-se desde 1976 aquando iniciou as suas deambulações por diferentes países de Gaia, planeta que habita e por onde vai planando. Gestor de empresas até 2008 aposentou-se nessa data para se dedicar à actividade de livreiro antiquário vivendo da venda de livros que alguém já não queria e usufruindo da vivência que lhe proporcionam as pessoas que os ainda procuram. Tem três livros de poesia escritos mas ainda sem titulo e por editar, desconhecendo se alguma vez isso irá acontecer. Até lá continua na sua lida enquanto para isso não lhe faltarem as forças. ...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Os Mais Belos Peitos do Mundo

de Rainer Kaufmann
pelo olhar de Karin de Paula

Filme da década de 90, prenúncio de uma questão que se instalaria de maneira contundente na virada do século, quanto às insígnias determinantes do gênero sexuado;

Na forma de um Witz, de uma palavra espirituosa, Kaufmann estabelece uma coreografia na qual um elemento de valor emblemático(fálico) –no caso os mais belos peitos do mundo- circula e, por onde passa, causa interferências determinantes para posição de quem o detém;
Um chiste que coloca uma questão sobre nossa posição sexuada e de como esta determina uma forma de ex-xistência;
No início, vemos situado no mundo corporativo (fálico) um homem e uma mulher que se encontram num elevador: ele devidamente fumando um charuto e ela exibindo um par de peitos exuberantes. Tudo “nos conformes”, se considerarmos símbolos estigmatizados que por tanto tempo marcaram a posição do homem e da mulher na modernidade;
Ele o empreendedor, fálico, interferindo no circuito produtivo da indústria e do mercado, lançando olhares às bundas e aos peitos que desfilam pelo mundo, perguntando a outros homens onde encontrar as mulheres depois do expediente...
Ela, uma secretária sedutora, que lança olhares sedutores aos empresários japoneses em questão, buscando intervir assim na persuasão do cliente, completando a imagem de seu chefe tão pouco viril; mas é claro, quando olhada por um homem no elevador, recolhe-se, quase ofende-se... Poderíamos dizer com Charcot: “A bela indiferença histérica” ...
Assim, ela é o falo/ proposição histérica que traz a questão do desejo para pauta do dia;
De repente, um fato surreal subverte a ordem das coisas: num novo encontro no elevador entre tais personagens, em meio a sedução e olhares, os peitos da jovem passam para o corpo do galã! OH!
A partir daí, assistimos os efeitos deste insólito fato: sem seus peitos, ela vai tornando-se aos poucos cada vez mais fálica, apresenta-se desde outra posição frente ao mundo dos business, não mais seduzindo, mas imputando à cena números, contratos, negócios significativos realizados para sua agencia, desbancando o amante intelectual nabokoviano... É tão caricato que levanta a questão de sob quais condições a mulher acaba por se tornar homem buscando um lugar mais qualificado no mundo... Alternativa não menos histérica que a anterior para a questão...
Do lado dele, aqueles peitos... Curiosamente, tal excesso o deixa em falta, não pode ir a sua reunião de trabalho, seguir com sua agenda. Pensa em retirá-los, mas nem mesmo o cirurgião plástico resiste aos seus encantos...
Os peitos, agora nele, o torna objeto dos olhares, objeto do desejo e sedução de mulheres, jornalistas, professoras e cientistas. Aos poucos, tal circunstância o conduz para uma posição cada vez mais sedutora, histérica, oferecendo-se como o que completaria o outro, ou seja, como falo;
As cenas espirituosas não deixam de fazer surgir o caráter polimorfo e significante das determinações da sexuação no/para o humano;
Novo esbarrão no elevador: a troca é desfeita, as coisas voltam a certos lugares menos insólitos... Mas será que como DANTES?????
Os Mais Belos Peitos do Mundo - completo
Karin de Paula é Psicanalista, Mestre e Doutora pela PUC-SP,  Pós-doutoranda na Paris 7, professora na universidade e em curso de formação de psicanalistas. Membro fundadora do umLugar – Psicanálise e Transmissão. Autora dos livros $em – sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise”, Ed. Casa do Psicólogo e Do espírito da coisa - um cálculo de graça”, Ed. Escuta.

sábado, 24 de setembro de 2011

Modernidade

por Rodolfo Coelho


Corre onça pintada
que o bicho homem quer te pegar.
Vai te pegar
e tiros anestésicos vão te sedar.
Uma horrorosa coleira vai carregar.
Corre onça pintada, o progresso quer te preservar.
Corre suçuarana, a represa vai acabar.
Corre onça, a sonâmbula bióloga vai te rastrear,
a reserva pode acabar.
Onça, o circo vai te pegar.
Corre onça, a liberdade te espera
crava os dentes
o sangue quente
aproveite os restantes momentos
até a próxima coleira
a próxima bióloga
o progresso não faz nada,
remedia, anestesia
como disse Lygia F. Telles
a crueldade, a crueldade, a crueldade...”

Rodolfo Coelho, poeta urbano, é autor de seis livros:
RuAugusta com Creme – O Lobo Mau da Rua Augusta  -
Táxi e Outros Poemas Inéditos – Salada Paulista - ]gnição – Poesia 100 Filtro

sábado, 17 de setembro de 2011

Escadas e contratempos


por Christian Dunker

A recente exposição de Sergio Fingermann (Partes do Todo, Dan Galeria) tem um único e múltiplo objeto: escadas. Recortes ou partes de escadas, ângulos incompletos que formam sombras e caminhos que nos convidam a completar o conjunto.

Às vezes são apenas dois degraus, vistos de uma posição improvável, ou a metade de um contrapiso que vai e outra que vem, sem que tenhamos disponível ao olhar o ponto de junção. Esse pequeno recuo de perspectiva funciona como uma provocação que nos apresenta o caráter trivial de um objeto tão cotidiano quanto uma escada, mas ao modo de uma deformação ou de um desencaixe. Há, então, três elementos fundamentais: a repetição dos degraus com suas cores quase cinzentas, a subtração do ângulo perfeito ou da perspectiva plena e o ponto de vista da totalidade ausente. Como o próprio artista declara, trata-se da possibilidade de experimentar a espera, o estranhamento e a ausência, ou, ainda, a reticência, a solidão e a repetição, em suma a pintura como contratempo, como recuo e detenção diante da temporalidade do olhar.
Enquanto acompanhava a abertura da exposição, apinhada de gente em pleno sábado de manhã, escuto o comentário de uma amiga: “Assim não dá, vi pela internet em casa e aí, sim, tinha a solidão necessária para experimentar a lucidez desta pintura”. De fato, essa tem sido uma característica da experiência estética popularizada. É sempre muita gente, trazendo para o museu o tempo apressado das catracas, dos guarda-volumes, da circulação apressada, da voracidade dos comentários e impressões instantâneas. Tempo que é passatempo. Não se trata de um fenômeno brasileiro (em tempos de ticket cultural) e nem mesmo representa uma novidade desde que Walter Benjamin, em 1936, descreveu a perda da aura da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. O fato aqui é a pertinência da observação. Ter acompanhado o trabalho de Sergio preliminarmente na telinha tornou-se parte de nossa experiência estética, e isso não é, necessariamente, atraso ou acréscimo no processo de decomposição e perda da experiência estética. Talvez seja nossa ilusão retroativa que imagina o espaço público do museu como um lugar sacro, silencioso e envolto no mistério da originalidade insubstituível daquela obra. Singularidade não é originalidade. Nunca se copiou tanto como no Renascimento e grande parte da história das artes plásticas está orientada pelo ideal de repetição e assujeitamento ao já visto, ao cânon, ao modelo do mestre e da escola.
Alguém dirá que a perda é muito grande. Telas imensas, sob iluminação calculada, contra fundos precisos, em uma totalidade orgânica que forma a exposição, sem falar na presença do autor, tudo isso está tão bem representado na tela do computador quanto a experiência de estar no Grand Canyon pode ser reconstituída pelo cartão-postal que recebemos em nossa casa, e que olhamos segurando o pacote de compras com a outra mão, tentando ler o que nosso amigo escreveu, enquanto abrimos a porta de casa… sem tropeçar nos degraus da soleira. Arealidade estética é precária e a precariedade não deveria ser excluída dessa experiência de suspensão do tempo. Essa é a lição que tirei. Ao fim e ao cabo, nunca vemos a escada toda. Ela está lá, podemos até experimentar a ausência e a presença do que não podemos ver, mas temos de aprender a conviver com um mundo que não se apresenta como uma totalidade, apenas fragmentos. Antes uma totalidade em cada fragmento. Há uma escada na solidão suficiente de nossa casa móvel chamada computador e outra escada na galeria dos críticos e amigos. Elas não se juntam e nós estamos justamente aí, entre elas.
Silêncios reticentes
Freud dizia que os artistas abrem o caminho por onde depois seguem os psicanalistas com suas teorias da alma. Poderíamos propor alguns critérios para uma nova definição de adaptação à realidade. Digo isso pensando no processo, atualmente em curso, de renovação dos critérios e quadros que compõem o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Esse texto atualmente é a referência maior, tanto para a pesquisa psiquiátrica (pelo seu valor de convencionalidade e internacionalização) quanto para a epidemiologia (pela força classificatória), e ainda para o funcionamento de convênios (pela simplificação) e a circulação de pacientes dentro dos dispositivos de saúde mental (orientando procedimentos clínicos e estratégias de tratamento). Sinteticamente, o DSM norte-americano e seu congênere europeu CID-10 são os livros nos quais se encontrará a definição formal, pragmática e operacional do que é doença e do que não é doença em termos de saúde mental. Ali se definem as formas de perda de tempo que uma vida pode produzir, na miséria de seu sofrimento inútil. Livros que traçam de forma clara e distinta a diferença entre o normal e o patológico. São os degraus que podemos ir contando de tal forma para concluir um diagnóstico, reduzindo cada vez mais as zonas cinzentas de incerteza.
Signos que se repetem regularmente em três grupos principais: as desordens (disorder), os transtornos e as síndromes. Especula-se que na renovação prometida para 2011 novos comportamentos serão incluídos: a birra, a agressividade característica do “risco de psicose”, as disfunções hormonais femininas periódicas, novos tipos de oscilações de humor, de inconstância de afetos, de contradição de pensamentos, de dispersão da atenção, de infância sem desperdício. A pergunta que fica no ar é se algum dia realmente veremos a escada inteira, de forma que saibamos, em cada momento, qual é exatamente aquela escalada de loucura que estamos subindo… ou descendo. Saber onde vai dar nossa escada. Saber se não estamos perdendo tempo. Transtorno é exatamente isso, o tropeço no degrau. Desordem também já diz a que vem: “fora de ordem”, o degrau que falta na série ou que está a mais na escadaria. Síndrome é um pouco mais complexo, coleção incontável e inconstante de pequenos eventos, ou seja, partes fora de ordem ou lugar. Perturbações do uso do tempo.
Nenhuma relação entre arte e loucura, nem entre felicidade libertária do artista e camisa de força da normalidade. Passamos da época na qual a boa vontade estética nos livraria do peso da realidade. Há uma paixão pelo real cujo subproduto é a confiança de que a totalidade se forma pela soma das partes, sejam elas maiores ou menores que o todo. Ora, o que a pintura contemporânea tem nos apresentado é uma espécie cada vez mais decidida de reserva, de respeito ou de reticência diante do real. O real como experiência precária e fragmento envolve perspectiva, deformação e repetição. Não se o alcança à baciada nem por atacado. Talvez ele precise mesmo de uma propedêutica reduzida, ao modo de uma solidão preliminar. Além de tudo, há outro problema que é o de dizer. O real não se diz, ele simplesmente acontece, eventualmente se escreve.
Espero que o novo DSM forme uma bonita coleção de cartões-postais, mas torço, sobretudo, para que ele não se esqueça das escadas de Sergio Fingermann, com seus essenciais blocos que não podem ser vistos, com seus silêncios reticentes, com seus matizes. Afinal, antigamente diziam-se quadros, nãotelas clínicas. Espero que nosso novo catálogo dos sofrimentos leve a sério a ideia de que, tanto nos transtornos quanto nas desordens, e ainda nas síndromes, existe uma parte reservada de contratempo. De resistência ao tempo máquina, de detenção diante do tempo funcional do trabalho e da produção, um contratempo que é este que nos faz dar uma volta e retomar nossas próprias escadas com um pouco menos de confiança e certeza.


Christian Dunker é Psicanalista, Professor Livre Docente do Depto de Psicologia Clínica-IPUSP, Analista Membro de Escola da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, Doutorado (IPUSP) e Pós-Doutorado pela Manchester Metropolitan University (UK). Autor dos livros: “Lacan e a Clínica da Interpretação” (ed. Hacker, 1996), “O Cálculo Neurótico do Gozo” (ed. Escuta, 2002) e do recém-editado “Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento” (ed. Annablume, 2011).
(matéria originária: Revista Cult 150)  

domingo, 11 de setembro de 2011

11 de Setembro - 11 de Março

minha homenagem...

"O que dói não é perder o ser amado, mas
continuar a amá-lo mais do que nunca, mesmo
sabendo-o irremediavelmente perdido." Nasio

Samuel Barder – Adagio for Strings,op.11  ...assistam no link abaixo

http://www.youtube.com/embed/RRMz8fKkG2g


E seis meses após terremoto e tsunami (11/03)
o Japão, também, chora: 20 mil mortos e desaparecidos


sábado, 3 de setembro de 2011

People of The World / Pessoas do mundo

por Bruno Alves

"As viagens são na juventude uma parte de educação e,
na velhice, uma parte de experiência." Francis Bacon



Brasil Alagoas

Maun Botswana
Kerala
Katmandu Nepal
Zambia


Jamaica
para ver, por completo, acesse o link abaixo:
VIAGENS, SURF E CULTURA: People of The World/ Pessoas do mundo

Bruno Alves é Economista, Empresário, Repórter Fotográfico de Surf, Culturas, Povos, Viagem e Natureza com fotos publicadas em diversos livros e revistas como a National Geographic, Veja, Mariclaire e Surfer, entre outras. Fundador da revista Fluir.

sábado, 27 de agosto de 2011

A velha casa

por Orlando Brunetti Jr


Reformar sozinho
a sua velha casa
é como mergulhar
nas entranhas mais profundas
do seu passado e de suas vivências.
Cada cor que surge na parede raspada
é uma fase de sua vida que passou.
Ali estão as cores da sua vida,
um roxo, um rosa, um verde.
Todas ainda sobrevivem lá no fundo,
mas há de vir uma nova cor,
um novo tom,
uma nova esperança.

Orlando Brunetti Junior é formado em Letras, mestrado em Literatura Portuguesa, Professor, Marchand, Crítico de Arte e …Poeta.   site http://www.yessy.com/brunetti

sábado, 20 de agosto de 2011

O Outro Lado

por Rodolfo Coelho


Rua Augusta das
minhas depressões
das minhas fugas
dos meus tropeços
das minhas quedas
dos meus enganos
dos meus destinos
e desatinos
das noites perdidas
em lugares lúgubres
dos desejos insatisfeitos
dos drinks de pólvora
das madrugadas insones
dos sonhos desfalecidos
das fantasias crescidas.

Rodolfo Coelho, poeta urbano, é autor de seis livros:
RuAugusta com Creme – O Lobo Mau da Rua Augusta  -
Táxi e Outros Poemas Inéditos – Salada Paulista - ]gnição – Poesia 100 Filtro

sábado, 6 de agosto de 2011

Le Hérisson - O Ouriço

por Carmen Heldt D’Almeida
filme adaptado do livro "A elegância do ouriço"


A história acontece em um prédio em Sainte Germain, bairro em Paris, e duas moradoras constroem a trama: a zeladora intelectual que esconde grande lucidez, fã de literatura russa e cinema japonês, e a garota sagaz de 12 anos que, também apaixonada pela cultura japonesa, transita entre os versos de Bashô e os mangás de Taniguchi e angustia-se por não encontrar um sentido para a vida: “as pessoas crêem perseguir as estrelas e acabam como peixe-vermelho no aquário (…)”. Atemorizada com esta perspectiva ela resolve se matar, antes de perder sua sensibilidade.

Entre idas e vindas entrelaçadas com a beleza do wabi, hokkos e tankas que se traduzem em poemas, sutilezas e apreciação de imperfeições… onde o que conta é o que escapa, é o que está nas entrelinhas do cotidiano de cada um… A história vai se desnudando com “pensamentos profundos” e “movimentos do mundo" apontando para um sempre no nunca.

Qual o lugar da psicanálise num contexto onde a procura dos sentidos se faz presente? Abrir-se a outros gozos não sofredores nem parasitários? Gozo da vida? Do saber produzir? Gozo de ser? Tarefa analisante! Para isso trabalha sem magia e sem religião a psicanálise. De um a um e uma entre outras, sem se ter soluções gerais, e por isso há que se retirar de toda a presunção de generalizações.

Vamos oferecer o gozo que acredita perdido? Fácil, breve e com alegria? “Antidepressivo, champanhe e análise(…)” Estão no mesmo lugar? Como diria Chico Buarque “ O que será, que será que me queima por dentro sera que me dá?” … A questão é por que se anestesiar?

O horizonte terapêutico aponta diretamente para o saber (que deveria saber a maneira de resolver o gozo perdido!). Lacan vai nos dizer: necessitamos de mais uma volta “sei que sabe que sei que sabe”. Esse é o truque! Sem definir alvos. Fale! Escutamos os pontos em que se quebra, nas vacilações, nos erros… Fale! De maneira à crítica.
A fenomenologia me escapa e isso é insuportável,” diz a zeladora.

Renée autodidata, começa a duvidar de seu próprio saber “como toda a autodidata, não tenho a certeza de que aprendi e por isso fico parecendo uma velha louca que acredita que está de barriga cheia só porque leu atentamente o cardápio”.

Análise, lugar da confrontação com nossos limites? Lei da castração! A função não é de aconselhamento ou avaliações e sim o encontro desse sujeito com o real, o acolhimento e a compreensão da imperfeição, já que as visões opostas do mundo, como o bem e o mal, o bonito e o feio, o sagrado e o profano são uma constante afirmação da vida.

“No xadrez tem que se matar para ganhar. No go tem que se construir para viver”, diz a garota.

Paloma ao esperar pela morte, tenta capturar instantes de beleza e aproxima-se cada vez mais de Renée. Com olhos para ver e ouvidos para ouvir, as duas vão re-viver com um misterioso japonês um incrível e inesperado wabi (uma forma apagada do belo com suas imperfeições).

A função do analista? Um Outro consistente? Que não tem buracos, que está num nível aparentemente da perfeição? A aposta aqui é outra: alvo do analista é ser esburacado por seu analisante. Isto é, o Outro descompletado, não é perfeito e nem tem todos os poderes!

A chegada do japonês Ozu vai modificar a existência das duas moradoras. Embora Renée desde o início, estivesse apontando dicas que poderiam levar à descobertas outras… Ozu “escuta” o que ela diz e reconhece a citação da frase inicial de Ana Karenina ( Tolstoi): “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes, são infelizes cada uma a sua maneira (…)” Escutá-la foi a chave para desnudar o ouriço em que Renée se disfarçava…

Paloma faz essa imagem da zeladora sem saber que está descrevendo a si mesma: “A Sra Michel tem a elegância de um ouriço: por fora é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplismente requintada quanto os ouriços que são uns bichinhos falsamente indolentes, felozmente solitátios e terrívelmente elegantes”.
O que ganhamos? Passar de uma miséria neurótica para a infelicidade comum… Lacan vai dizer: “confrontamo-nos com a dor de existir e saber-fazer-ali-com”, ou seja, com os elementos com os quais construiu os sintomas fazer outra coisa. Cai um ideal, no sentido de que não está mais o ou faço tudo, coisas grandiosas, gozo absoluto ou faço coisa nenhuma.

“Perseguem as estrelas
No aquário de peixes-vermelho
Acabar” (Paloma).

“É preciso amar a vida mais que o sentido da vida!” (Renée citando Dostoiésvski)

“ Precisamos desesperadamente da arte. Aspiramos ardentemente retomar nossa ilusão espiritual. Desejamos apaixonadamente que algo nos salve dos destinos biológicos para que toda a poesia e toda grandeza não sejam excluídas deste mundo” (Renée).

Não é a toa que Freud valeu-se inúmeras vezes dos recursos da Arte, da literatura, da mitologia, da filosofia e de muitos outras campos da Criação para explicar suas hipóteses. É como se encontrasse neles recursos para mostrar a dimensão do indizível, do que escapa, do que escapa à possibilidade de ser abordado pelo universo da lógica da consciência.
Ozu, com sua elegância e requinte wabi aproxima os dois ouriços que começam a perder seus espinhos…

Paloma, confrontada com a morte, consegue apreender um sentido possível para a vida. Há esperança na Criação, há que descobrir um sempre no nunca.

“O importante não é morrer nem em que idade se morre. É o que se está fazendo no momento em que se morre (…) por você Renée, perseguirei os sempre no nunca”. Algo de novo surge a partir daí, o que não é pouca coisa. Afinal, o peixe vermelho não se acaba. Será este movimento uma transmissão, e aí uma transmissão inventada, uma Criação?

“Que fazer
Diante do nunca
Senão procurar
Sempre
Em algumas notas frutivas” (Paloma).

The Hedgehog / Le Hérisson (2005 ) - Trailer

Carmen Heldt D'Almeida é Psicanalista e membro de umLugar - Rede Clínica de Psicanálise

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Metrópolis

de Rodolfo Coelho



Entrei no Metrópolis sem boné,
É o preço do sacrifício.
Onde está meu desejo?
Desejo de quê?
Ele escapuliu,
Não sei aonde...
São tantos desejos,
Tantos quereres,
Tanta afobação
Bagdá em sonho,
Ou pesadelo?
No telão
Eric Clapton
O que fazer?
Noites, noitares,
Metrópolis,
Uma tarde perdida numa quitenete.
O dia era sábado,
O desejo opaco
As ações incendiáveis,
O querer duvidoso,
Eu quero é uma Belle Femme peituda,
Para matar o tédio.

Rodolfo Coelho, poeta urbano, é autor de seis livros:
RuAugusta com Creme – O Lobo Mau da Rua Augusta  -
Táxi e Outros Poemas Inéditos – Salada Paulista - ]gnição – Poesia 100 Filtro

sábado, 23 de julho de 2011

LUZ

por Agenor Maciel Lemos Jr

Doa-me teus olhos
Sensibiliza
Toteifico teu corpo
Reverencio tua existência
cuja essência criei.
Torno-me existencialista
Liberto o animal antropófago
que existe em ti
Alio-me a Perseu
e juntos eliminamos a Medusa
de asas de ouro.
Retiro Narciso do lago cristalino
Devolvo palavras à Eco
que hoje declara poesias de amor
no jardim de Hespérides.
Condeno Procusto à prisão perpétua
Liberto Sísifo do seu trabalho braçal
Tatuo no braço Lemniscata
o símbolo do infinito
Brindo a vida com Bacco.
Transcendo.
Ectoplasmando luz!

Agenor Maciel de Lemos Jr é psicólogo clínico, acupunturista e poeta.